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  • Foto do escritorDylvardo Costa Lima

CANTIM CORPORE SANO (PARTE 11)

Atualizado: há 5 dias


A Grande Barreira de Corais da Austrália está “em transformação” devido ao repetido branqueamento de corais.

 

Comentário publicado na Nature em 19/04/2024, onde pesquisadores australianos afirmam que o recife de coral está sofrendo atualmente o pior evento de branqueamento em massa de que há registo, e a culpa é do aquecimento das águas, provocado pelas alterações climáticas.

 

A icónica Grande Barreira de Corais da Austrália está a mudar, fundamentalmente devido ao branqueamento repetido, devido às altas temperaturas dos oceanos provocadas pelas alterações climáticas, de acordo com biólogos marinhos.

 

“Não é uma questão de os recifes morrerem ou desaparecerem, é a transformação dos ecossistemas dos recifes numa nova configuração”, afirma o biólogo marinho Terry Hughes, da Universidade James Cook em Townsville, Austrália.

 

“Espécies como peixes, crustáceos e assim por diante, a biodiversidade icônica dos recifes, dependem da estrutura e da tridimensionalidade do habitat fornecido pelos corais”, diz Hughes. “Quando você perde muitos corais, isso afeta tudo que depende dos corais.”

 

Os corais “branqueiam” quando são estressados, expelindo suas coloridas zooxantelas residentes. De acordo com um relatório divulgado em 17 de abril pela Autoridade do Parque Marinho da Grande Barreira de Corais, a agência de gestão de recifes do governo australiano, o recife listado como Património Mundial, está a sofrer o seu pior evento de branqueamento em massa alguma vez registado. O Reef Snapshot disse que três quartos de todo o recife, apresentam sinais de branqueamento, e quase 40% apresentam branqueamento alto ou extremo.

 

O relatório baseia-se em levantamentos aéreos de 1.080 dos cerca de 3.000 recifes individuais da Grande Barreira de Corais, e em levantamentos realizados na água de um número menor de recifes. Mostrou que embora o branqueamento tenha sido observado ao longo de toda a extensão da Grande Barreira de Corais, foi mais severo nas regiões centro e sul.

 

“Nunca vimos este nível de stress térmico nas três regiões da Grande Barreira de Corais”, afirma Lissa Schindler, bióloga marinha de Brisbane, da Sociedade Australiana de Conservação Marinha.

 

Este é o quinto evento de branqueamento em massa na Grande Barreira de Corais em oito anos. Hughes alerta que o aumento da temperatura dos oceanos provocado pelas alterações climáticas, está a tornar mais difícil a recuperação dos corais do recife entre os eventos de branqueamento. “Nos últimos seis anos, observamos o branqueamento a cada dois anos, em 2020, 2022 e agora em 2024, e isso simplesmente não é tempo suficiente para uma recuperação adequada”, diz ele.

 

Fenômeno global

 

O Snapshot foi um de uma série de relatórios divulgados esta semana sobre o branqueamento de corais, que também soaram o alarme para os recifes. O Instituto Australiano de Ciências Marinhas anunciou em 18 de abril, que a Grande Barreira de Corais registrou temperaturas da água em partes do recife ao sul 2,5 graus Celsius, acima dos picos históricos de verão.

 

Entretanto, em 15 de abril, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, declarou o quarto evento global de branqueamento de corais registado, e o segundo na última década. A declaração reconhece que o calor do verão do hemisfério sul refletiu os eventos de branqueamento de corais, observados no verão do hemisfério norte no ano passado.

 

Isto ocorre num momento em que as temperaturas globais da superfície do mar bateram novamente recordes em 2023, associadas a um forte padrão climático El Niño, registando uma temperatura média anual cerca de 0,3 graus Celsius mais elevada, no segundo semestre de 2023, em comparação com 2022.

 

“Tem havido temperaturas muito elevadas provocadas pelas alterações climáticas em todo o mundo, e tem havido branqueamento de corais em muitos outros países”, afirma o cientista ambiental Roger Beeden, cientista-chefe da Autoridade do Parque Marinho da Grande Barreira de Corais, em Townsville.

 

Hughes diz que o aquecimento do clima está a levar os recifes a terem menos corais, e a mistura de espécies de corais está a mudar. Por exemplo, os corais ramificados e em forma de mesa, são frequentemente os que recuperam mais rapidamente de um evento de branqueamento, porque crescem rapidamente, diz Hughes. No entanto, também são muito propensos ao branqueamento, e apresentam níveis mais elevados de mortalidade durante os eventos de branqueamento.

 

“É um pouco análogo a um incêndio em terra através de uma floresta, que favorece a recuperação das gramíneas inflamáveis, antes que as árvores possam se recuperar”, diz ele. “Ironicamente, essa recuperação, essa resiliência, prejudica a capacidade do recife de lidar com o próximo evento inevitável de branqueamento.” As algas marinhas também florescem, quando os corais se degradam.

 

Beeden diz que aqueles que vivem e trabalham no Recife, estão observando mudanças significativas. “Há fotos históricas que mostram recifes costeiros carregados de corais, e isso é muito diferente agora”, diz ele.

 

Ele diz que existem cerca de 450 espécies diferentes de corais no recife, e tal diversidade significa que há uma chance de o recife se adaptar às mudanças nas condições, mesmo que mudem de caráter. “O que vemos dentro das espécies, é que há definitivamente uma variabilidade na forma como elas respondem a eventos de estresse.”

 

Hughes diz que a solução para o problema do branqueamento da Grande Barreira de Corais é clara. “Reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ponto final."

 



Saiba qual será a sua próxima prescrição: 20 minutos diários na natureza.

 

Comentário publicado na Medscape Pulmonary Medicine em 05/04/2024, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que estão esperançosos de que as prescrições verdes se tornem comuns para certas doenças, especialmente aquelas como depressão e ansiedade, que são resistentes a medicamentos.

 

E se uma caminhada em um ambiente verde pudesse remodelar cérebros, recalibrar a noção de tempo e evitar problemas de saúde mental? Se as tendências das pesquisas forem verdadeiras, em breve você poderá receber a prescrição de “20 minutos de natureza por dia”.

 

As evidências dos benefícios para a saúde da exposição a espaços verdes, como parques, espaços abertos, jardins, academias ao ar livre e trilhas florestais, são predominantemente observacionais e experimentais. Entretanto, isso não impediu o reconhecimento global de que essa exposição seja importante.

 

Após a pandemia, o governo britânico destinou mais de cinco milhões de libras para esforços de recuperação, que envolveram especificamente espaços verdes. Desde então, comprometeu-se ainda mais com um amplo programa de prescrição social, que conecta os pacientes a “profissionais de ligação”, que determinam as necessidades de cuidados pessoais, e facilitam intervenções comunitárias e voluntárias. Essas intervenções podem incluir caminhadas em grupo, e voluntariado para ajudar em hortas comunitárias ou esforços de conservação. Programas verdes semelhantes, também podem ser encontrados no Japão, onde o shinrin-yoku (banho na floresta) foi recentemente adotado como estratégia nacional de saúde, além dos Estados Unidos e Canadá.

 

“A desconexão da natureza é uma parte importante dos problemas de saúde que temos neste planeta”, disse o Dr. William Bird, clínico geral, defensor da prescrição verde e CEO da Intelligent Health, que é voltada para a organização de comunidades saudáveis, ativas e conectadas. O Dr. William recebeu a prestigiada nomeação de Member of the Order of the British Empire (BEM) em 2010, pelos serviços prestados relacionados à atividade física e saúde.

 

“Nosso cérebro foi projetado para se conectar com a natureza, e não podemos perder esse instinto”, explicou ele. “Quando estamos em contato com o canto dos pássaros, a água fluindo e a vegetação, os níveis de cortisol caem, nosso nervo vago central melhora, nossa resposta de luta e fuga desaparece, e começamos a ser mais receptivos a outras pessoas.”

 

Mudando a percepção do tempo e a saúde


O Dr. Ricardo A. Correia, Ph.D., biólogo e pesquisador da University of Helsinki, na Finlândia, disse acreditar que o mecanismo para pelo menos alguns desses desfechos, pode ser as diferenças na forma como o tempo é percebido. Em um artigo publicado em março no periódico People and Nature , o Dr. Ricardo explorou como os “serviços” que a natureza fornece, mudam as percepções do tempo e, por sua vez, regulam o bem-estar geral.

 

“Cheguei à conclusão, de que havia evidências suficientes, da mudança em algumas das dimensões que usamos, para entender o tempo vivido em ambientes urbanos versus ambientes naturais”, disse ele ao Medscape. O Dr. Ricardo explicou que a percepção humana do tempo facilita a compreensão de causa e efeito, para que possamos agir de uma forma que permita sobreviver.

 

“A percepção do tempo nos humanos é realmente complexa e multifacetada”, disse ele. “A maneira como entendemos o tempo não está diretamente ligada a nenhum órgão sensorial, mas passa por uma série de processos cognitivos, emocionais e orgânicos, que variam de pessoa para pessoa”.

 

O Dr. Ricardo apontou evidências que mostram que a percepção do tempo é mais curta em ambientes urbanos, e mais longa em ambientes naturais. Isso, por sua vez, influencia a atenção e a restauração da atenção. “Quando vivemos em centros urbanos, estamos expostos a tipos semelhantes de ambientes com muita demanda, maior pressão de tempo, e menos tempo para nós mesmos e para fins recreativos”, disse ele. “A pressão cada vez maior sobre as demandas do dia a dia, e os processos que usamos para dar sentido ao tempo, especialmente a atenção, significa que pagamos um preço cognitivo.”


O biólogo defende que é possível recalibrar a percepção do tempo, mas apenas quebrando o ciclo de exposição.

 

“Se estamos constantemente expostos a estilos de vida acelerados, ficamos sintonizados com eles e acabamos presos num ciclo interminável.” Esse ciclo pode ser quebrado, explicou o Dr. Ricardo, aumentando a exposição aos ambientes naturais. Isso leva a emoções positivas, a uma sensação de estar no presente, e a um maior sentido de atenção plena, o que ajuda a mitigar os desfechos de saúde física e mental, normalmente associados à escassez de tempo.

 

Benefícios para a saúde cerebral e mental 

 

Até o momento, há muitas pesquisas explorando os impactos da exposição à natureza no cérebro. Por exemplo, dados mostraram que os adolescentes criados exclusivamente em ambientes rurais, têm um hipocampo maior e um melhor processamento espacial, do que as crianças criadas exclusivamente em cidades. Outra pesquisa demonstrou que, passar apenas uma hora na floresta, levou a um declínio na atividade da amígdala em adultos, ao passo que essa atividade permaneceu estável após caminhar em um ambiente urbano, destacando os efeitos para a saúde nas regiões do cérebro, relacionadas com o estresse.

 

Há também evidências de um estudo longitudinal de 10 anos, em mais de dois milhões de adultos galeses, que destacam o valor da proximidade a espaços verdes ou azuis (por exemplo, lagos e rios), e sua relação com transtornos de saúde mental comuns, mostrando que cada acréscimo de 360 metros de distância do espaço verde ou azul mais próximo, está associado a chances 10% maiores de ansiedade e depressão.

 

O Dr. William disse que houve uma enorme mudança nas atitudes entre os médicos geralistas, que passaram a abraçar o conceito de natureza como medicina. Essa mudança entre os seus pares, que o provocavam na década de 1990, sobre as suas prescrições para caminhadas ecológicas e conservação, prenuncia um movimento de proporções épicas, que poderá beneficiar os pacientes. Ele disse estar especialmente esperançoso de que as prescrições verdes, se tornem comuns para certas doenças, especialmente aquelas como depressão e ansiedade, que são resistentes a medicamentos.

 

Mas o Dr. William adverte que os profissionais da atenção primária precisam estar atentos. “Os pacientes precisam saber que se trata de ciência real, caso contrário, pensarão que estão sendo dispensados ou desdenhados”, disse ele. “Tento apresentar evidências reais, e explicar que não há contraindicação. O principal é começar por onde os pacientes estão, o que estão sentindo e o que precisam. Algumas pessoas simplesmente não gostam da natureza”, disse ele.

 


O que acontece quando as alterações climáticas e a crise da saúde mental colidem?

 

Editorial publicado na Nature em 10/04/2024, onde pesquisadores britânicos afirmam que o aquecimento do planeta está a agravar as doenças mentais e o sofrimento humano, a ansiedade ecológica. Os investigadores precisam avaliar a escala do problema e como aqueles que necessitam de assistência, podem ser ajudados.

 

Quase um bilhão de pessoas em todo o mundo, incluindo um em cada sete adolescentes, têm um transtorno mental. Um conjunto crescente de pesquisas sugere, que as alterações climáticas estão a piorar a saúde mental e o bem-estar emocional das pessoas. Ondas de calor agudas, secas, inundações e incêndios, alimentados pelas alterações climáticas, causam traumas, doenças mentais e sofrimento. O mesmo pode acontecer com os efeitos crônicos do aquecimento global, como a insegurança hídrica e alimentar, a ruptura comunitária e os conflitos.

 

Os estudos revelam que, experimentar os efeitos das alterações climáticas e a consciência da ameaça, pode levar a respostas psicológicas, como um medo crônico da destruição ambiental, conhecido como ansiedade ecológica. Sofrimento ecológico, ansiedade climática e sofrimento climático são outros termos usados. Num inquérito de 2021, realizado com 10 000 pessoas com idades entre os 16 e os 25 anos em 10 países, quase 60% dos inquiridos estavam altamente preocupados com as alterações climáticas, e mais de 45% afirmaram que os seus sentimentos sobre as alterações climáticas afetavam as suas vidas cotidianas, tais como a sua capacidade de trabalhar ou dormir.

 

Torne o problema visível

 

Tais reações a uma ameaça existencial são esperadas, e muitas pessoas conseguem lidar com esses sentimentos por conta própria, mas algumas precisam de ajuda especializada. Embora existam provas anedóticas de que as pessoas com ansiedade ecológica recorrem cada vez mais às clínicas, o impacto psicológico das alterações climáticas tende a ser invisível, uma das razões pelas quais tem sido negligenciado.

 

Os investigadores e os governos necessitam de melhores formas de medir a ampla extensão dos efeitos das alterações climáticas na saúde mental. Cientistas de dados, cientistas do clima e investigadores de atribuições climáticas, dentre outros, devem juntar-se aos investigadores de saúde mental, na promoção da ciência subjacente. Os profissionais de saúde mental também precisam de formação e apoio para prestar ajuda. As doenças mentais já são subdiagnosticadas e estigmatizadas, e os cuidados de saúde mental na maioria dos países são surpreendentemente insuficientes. As alterações climáticas tornam ainda mais urgente a abordagem desta crise.

 

Um desafio fundamental para os investigadores, é medir o peso da saúde mental, atribuível às alterações climáticas, e acompanhá-lo ao longo do tempo. A maior parte da investigação até agora foi realizada em países de rendimento elevado, apesar dos países de rendimento baixo e médio, sofrerem os efeitos mais severos do aquecimento do planeta. As experiências cotidianas das pessoas em grupos marginalizados e comunidades indígenas, também devem ser captadas.

 

Muita investigação sobre o clima e a saúde mental centrou-se num extremo do espectro da saúde mental, como diagnósticos clínicos, emergências ou suicídios. Mas, quando cerca de metade da população mundial vive em países com um psiquiatra por cada 200.000 pessoas, não é surpresa que muitas doenças não sejam diagnosticadas e documentadas. É necessária uma melhor monitorização e partilha de dados clínicos de saúde mental. Os investigadores devem desenvolver e acompanhar formas padronizadas de medir formas mais ligeiras ou mais passageiras da ansiedade ecológica, que não se enquadram nos diagnósticos padrão, e determinar quando são necessárias intervenções.

 

Um apelo à ação

 

Algumas medidas já estão sendo tomadas. Os investigadores estão, por exemplo, a tentar desenvolver indicadores globais de saúde mental, que possam ser ligados a dados meteorológicos e climáticos, como parte da Lancet Countdown on Health and Climate Change, uma colaboração de especialistas de mais de 50 instituições acadêmicas e agências das Nações Unidas.

 

O grupo dá as boas-vindas a colaboradores para promover este trabalho, diz Kelton Minor, cientista investigador do Instituto de Ciência de Dados da Universidade de Columbia, na cidade de Nova Iorque, que lidera o esforço de colaboração em matéria de clima e saúde mental.

 

Uma prioridade máxima deve ser o desenvolvimento e a avaliação de formas de reduzir eficazmente o fardo da saúde mental das alterações climáticas, reforçando simultaneamente, a resiliência das comunidades que estão particularmente em risco. As ferramentas e tratamentos existentes, como a terapia cognitivo-comportamental, que ajuda as pessoas a desafiarem pensamentos e comportamentos inúteis, serão parte da solução. Alguns estudos sugerem que, para os indivíduos, a tomada de medidas para combater as alterações climáticas também poderia ajudar a gerir a sua ansiedade ecológica: uma vitória dupla.

 

O problema equivale a um apelo à ação em todas as frentes. O constante gotejamento de investigação que contribui para a evidência de uma crise climática, bem como a inação dos líderes, é, em si, provavelmente uma fonte de ansiedade ecológica e frustração. Mais de 55% dos jovens no inquérito de 2021 afirmaram, que as alterações climáticas os fizeram sentir-se impotentes, e 58% que o seu governo os traiu e às gerações futuras.

 

Aqueles que sofrem os efeitos debilitantes na sua saúde mental causados pelas alterações climáticas precisam da ajuda de especialistas. Os muitos outros que estão assustados ou zangados, mas que por outro lado não se sentem bem, precisam saber que estes sentimentos são normais, e se conseguirem aproveitar o seu desconforto para estimular a ação, poderão ajudar-se a si próprios, aos outros e ao mundo.

 

Ao mesmo tempo, também deve ser reconhecido que a inação dos líderes mundiais é uma causa de angústia, e a ação dos governos é o que é necessário para acalmá-la.

 


Por que a solidão faz mal à saúde

 

Artigo publicado na Nature em 03/04/2024, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que a falta de interação social está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares, demência e muito mais. Os pesquisadores estão desvendando como o cérebro medeia esses efeitos.

 

Em 2010, Theresa Chaklos foi diagnosticada com leucemia linfocítica crônica, a primeira de uma série de doenças com as quais ela teve que lidar desde então. Ela sempre foi uma pessoa independente, morava sozinha e se sustentava como facilitadora de direito de família no sistema judiciário de Washington DC. Mas depois que a doença a atingiu, sua independência se transformou em solidão.

 

A solidão, por sua vez, agravou a condição física de Chaklos. “Perdi 7 quilos em menos de uma semana porque não comia”, diz ela. “Eu estava tão infeliz, que simplesmente não conseguia me levantar.” Felizmente, um colega de trabalho a convenceu a pedir ajuda aos amigos, e seu humor começou a melhorar. “É uma sensação ótima” saber que outras pessoas estão dispostas a aparecer, diz ela.

 

Muitas pessoas não conseguem sair de um ataque de solidão tão facilmente. E quando a solidão aguda se torna crônica, os efeitos na saúde podem ser de longo alcance. A solidão crônica pode ser tão prejudicial quanto a obesidade, a inatividade física e o tabagismo, de acordo com um relatório de Vivek Murthy, cirurgião-geral dos EUA. Depressão, demência, doenças cardiovasculares e até morte precoce, têm sido associadas à doença. Em todo o mundo, cerca de um quarto dos adultos sentem-se muito ou bastante solitários, de acordo com uma sondagem de 2023, realizada pela empresa de redes sociais Meta, pela empresa de sondagens Gallup e por um grupo de consultores acadêmicos. Nesse mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde lançou uma campanha para combater a solidão, que chamou de “ameaça premente à saúde”.

 

Mas por que sentir-se sozinho leva a problemas de saúde? Nos últimos anos, os cientistas começaram a revelar os mecanismos neurais que fazem com que o corpo humano se despedace quando as necessidades sociais não são satisfeitas. O cenário “parece estar a expandir-se de forma bastante significativa”, afirma o neurocientista cognitivo Nathan Spreng, da Universidade McGill em Montreal, Canadá. E embora o quadro esteja longe de estar completo, os primeiros resultados sugerem que a solidão pode alterar muitos aspectos do cérebro, desde o seu volume até as ligações entre os neurónios.

 

Subjetivo e contagioso

 

A solidão é um conceito escorregadio. Não é o mesmo que o isolamento social, que ocorre quando alguém tem poucas relações sociais significativas, embora “sejam as duas faces da mesma moeda”, diz o psiquiatra de idosos, Andrew Sommerlad, da University College London. Em vez disso, a solidão é a experiência subjetiva, de uma pessoa estar insatisfeita com suas relações sociais.

 

A lista de problemas de saúde associados à solidão é longa e preocupante. Algumas delas fazem sentido intuitivamente, as pessoas que se sentem solitárias ficam muitas vezes deprimidas, por exemplo, às vezes ao ponto de correrem o risco de suicídio. Outros links são mais surpreendentes. Pessoas solitárias correm maior risco de hipertensão e disfunção do sistema imunológico, em comparação com aquelas que não se sentem sozinhas, por exemplo. Há também uma ligação surpreendente entre a solidão e a demência, com um estudo a relatar que as pessoas que se sentem sozinhas têm 1,64 vezes mais probabilidade de desenvolver este tipo de neuro degeneração, do que aquelas que não o fazem.

 

Uma série de efeitos fisiológicos, incluindo a capacidade de dormir, o aumento dos níveis hormonais de stress e o aumento da susceptibilidade a infecções, podem associar a solidão a problemas de saúde. Mas a forma como estes fatores interagem entre si, torna difícil separar os efeitos da solidão das causas, adverte a neurocientista cognitiva Livia Tomova, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido. Os cérebros das pessoas começam a funcionar de maneira diferente quando elas ficam solitárias ou algumas pessoas têm diferenças cerebrais que as tornam propensas à solidão? “Não sabemos realmente qual é a verdade”, diz ela.

 

Seja qual for a causa, a solidão parece ter o maior efeito nas pessoas que pertencem a grupos desfavorecidos. Nos Estados Unidos, os adultos negros e hispânicos, bem como as pessoas que ganham menos de 50.000 dólares por ano, têm taxas de solidão mais elevadas do que outros grupos demográficos, em pelo menos 10 pontos percentuais, de acordo com uma pesquisa de 2021 do Grupo Cigna, uma empresa de cuidados de saúde e seguros dos Estados Unidos. Isto não é surpreendente porque “a solidão, por definição, é um sofrimento emocional que exige que adaptemos as nossas situações sociais”, diz o geriatra e médico de cuidados paliativos Ashwin Kotwal, da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Sem recursos financeiros, a adaptação é mais difícil.

 

A pandemia da COVID-19 pode ter exacerbado a solidão, ao forçar as pessoas a isolarem-se durante meses ou anos, embora “esses dados ainda estejam a surgir”, diz Kotwal. Os adultos mais velhos têm sido considerados o grupo demográfico mais afetado pela solidão e, na verdade, é um grande problema enfrentado por muitas das pessoas mais velhas, com quem Kotwal trabalha. Mas os dados do Grupo Cigna sugerem que a solidão é, na verdade, mais elevada nos jovens adultos, 79% das pessoas com idades entre os 18 e os 24 anos relataram sentir-se sozinhas, em comparação com 41% das pessoas com 66 anos ou mais.

 

A solidão te devora

 

Uma quantidade crescente de pesquisas explora o que acontece no cérebro quando as pessoas se sentem solitárias. Pessoas solitárias tendem a ver o mundo de formas diferentes daquelas que não o são, diz a neurocientista cognitiva Laetitia Mwilambwe-Tshilobo, da Universidade de Princeton, em Nova Jersey. Num estudo de 2023, os investigadores pediram aos participantes que assistissem a vídeos de pessoas numa variedade de situações, por exemplo, a praticar desporto ou presentes num encontro, enquanto estavam dentro de um scanner de ressonância magnética. As pessoas que não relataram estar sozinhas, tiveram respostas neurais semelhantes entre si, enquanto as respostas nas pessoas que se sentiram sozinhas, foram todas diferentes do outro grupo, e mesmo umas das outras. Os autores levantaram a hipótese de que as pessoas solitárias prestam atenção a diferentes aspectos das situações das pessoas não solitárias, o que faz com que aquelas que se sentem solitárias, se percebam como diferentes dos seus pares.

 

Isso significaria que a solidão pode retroalimentar-se, piorando com o tempo. “É quase como uma profecia autorrealizável”, diz Mwilambwe-Tshilobo. “Se você pensa que está sozinho, você está percebendo ou interpretando seu mundo social de forma mais negativa. E isso faz você se afastar cada vez mais.” Alguns estudos mostram que esse efeito pode se espalhar pelas redes sociais, conferindo à solidão uma qualidade contagiosa.

 

Historicamente, ficar perto de outras pessoas, foi provavelmente uma boa estratégia de sobrevivência para os humanos. É por isso que os cientistas pensam que a solidão temporária evoluiu para motivar as pessoas a procurarem companhia, tal como a fome e a sede evoluíram para motivar as pessoas a procurarem comida e água.

 

Na verdade, as semelhanças entre fome e solidão vão até o nível fisiológico. Num estudo de 2020, os investigadores privaram as pessoas de comida ou de ligações sociais durante dez horas. Eles então usaram imagens cerebrais para identificar áreas que foram ativadas por imagens de comida, como um prato cheio de macarrão, ou de interações sociais, como amigos rindo juntos. Algumas das regiões ativadas eram exclusivas para imagens de comida ou de pessoas a socializar, mas uma região no mesencéfalo conhecida como substância negra, iluminava-se quando pessoas famintas viam imagens de comida e quando pessoas que se sentiam solitárias viam imagens de interações sociais. Esta é “uma região chave para a motivação, sabe-se que está ativa sempre que queremos alguma coisa”, diz Tomova, autor do estudo.

 

Mais ligações estão surgindo entre a solidão e a forma como o cérebro processa os sentimentos de recompensa. Nos ratos, a solidão sensibiliza certos neurônios do mesencéfalo, a um neurotransmissor chamado dopamina, que também pode fazer com que as pessoas cedam a desejos, como por comida e drogas. Da mesma forma, o isolamento pode tornar os humanos mais sensíveis às recompensas e mais ansiosos por procurá-las. Em 2023, Tomova e seus colegas publicaram um preprint de um estudo, no qual isolaram adolescentes do contato social por até quatro horas. Após o isolamento, os participantes tiveram a oportunidade de ganhar uma recompensa monetária. Os participantes isolados concordaram mais rapidamente do que aqueles que não estavam isolados, sugerindo que o isolamento os tornou mais receptivos a ações recompensadoras.

 

Embora a investigação sobre a dopamina e a solidão ainda esteja a surgir, os cientistas também reconheceram há muito tempo a ligação entre a solidão e outro tipo de sinal químico, os hormônios do stress chamados glicocorticoides. Os humanos precisam de algum nível de glicocorticoides “para funcionar; acordar”, diz o neurofisiologista John-Ioannis Sotiropoulos, do Centro Nacional de Pesquisa Científica ‘Demokritos’, em Atenas. Mas a solidão persistente, leva a níveis cronicamente elevados.

 

Esses produtos químicos poderiam fornecer uma ligação entre a solidão e a demência. Num modelo de rato com doença de Alzheimer, por exemplo, os glicocorticoides aumentaram os níveis de duas proteínas que estão envolvidas na principal característica da doença, as placas proteicas que se enroscam em torno dos neurônios e interferem na memória e na cognição.

 

O stress é um ataque adicional aos cérebros, que já se desgastam à medida que as pessoas envelhecem, diz Mwilambwe-Tshilobo, mas ela quer ver mais investigação antes de se comprometer com uma opinião sobre exatamente o papel que os produtos químicos relacionados com o stress, desempenham na neuro degeneração. “Isso poderia acelerar a taxa de envelhecimento, mas não há trabalhos que analisem isso explicitamente”, diz ela.

 

Tomova diz que embora níveis elevados de hormônios do stress provavelmente contribuam para a demência, também é provável que as pessoas que se sentem solitárias, percam o exercício mental que as interações sociais proporcionam. E assim como um músculo precisa de exercício para ficar em forma, o cérebro também precisa. Na verdade, a solidão tem sido associada a um menor volume de massa cinzenta no cérebro. “Nesta fase, tudo isto são hipóteses”, diz Sommerlad, mas a ideia é que a socialização mantém ligações neurais que, de outra forma, poderiam ser perdidas.

 

Voltando-se para dentro

 

Pesquisadores, que procuram a assinatura neural da solidão, também encontraram diferenças que poderiam ajudar a explicar algumas das correlações entre solidão e demência. Pesquisas anteriores sugeriram que existem mudanças na conectividade entre áreas cerebrais em pessoas que se sentem solitárias. Um estudo de 2020, examinou uma área do cérebro chamada rede padrão, assim chamada porque está ativa por padrão quando uma pessoa não está envolvida em uma tarefa específica, e volta sua atenção para dentro, em pessoas mais velhas que relataram estar sozinhas.

 

Trabalhos anteriores sugeriram, que os jovens que se sentem solitários, têm um alto nível de conversação neural entre a rede padrão e outras redes associadas à visão, atenção e controle executivo, possivelmente porque estão em alerta máximo para sinais sociais, diz Spreng, um dos autores sobre o estudo de 2020, sobre pessoas idosas. Mas a sua equipe descobriu o oposto, em exames cerebrais da coorte do Biobank do Reino Unido de pessoas com idades entre os 40 e os 69 anos. A solidão enfraqueceu as ligações entre a rede padrão e o sistema visual e, em vez disso, fortaleceu as ligações dentro da rede padrão.

 

Isso pode acontecer, porque os idosos remediam a solidão, refugiando-se nas memórias de experiências sociais passadas, diz Spreng. Ao fazê-lo, fortalecem a rede padrão.

 

A rede padrão é uma das muitas redes cerebrais que acumulam danos durante a doença de Alzheimer. Spreng e os seus colegas estão a investigar, se redes padrão fortes podem de fato estar ligadas à neuro degeneração, e, em caso afirmativo, por quê. Ele se pergunta se conexões neurais robustas, podem permitir que patologias se espalhem mais rapidamente na rede. A ideia está longe de ser comprovada, mas é uma explicação plausível e “uma hipótese interessante”, diz a neurocientista cognitiva Anastasia Benedyk, do Instituto Central de Saúde Mental de Mannheim, Alemanha.

 

O estudo “estabelece as bases para que possamos testar algumas hipóteses um pouco mais empiricamente”, diz Mwilambwe-Tshilobo, que também esteve envolvido no trabalho que liga a rede padrão à solidão.

 

Encontrando soluções

 

Alguns remédios para a solidão não são nenhuma surpresa. Aumentar o acesso a atividades sociais, por exemplo, alojando pessoas em comunidades com áreas comuns, pode ajudar, diz Sommerlad. Alguns pesquisadores também estão encontrando maneiras de explorar diretamente os mecanismos neurais subjacentes à solidão, por meio de exercícios, por exemplo.

 

Caminhar de 4 a 5 quilômetros ao longo de uma hora, reverteu completamente os sentimentos de mau humor associados à solidão em algumas pessoas, descobriram Benedyk e seus colegas. Além do mais, as pessoas com alta conectividade nas suas redes padrão, a mesma área estudada por Spreng, que também é conhecida por ser afetada pela depressão, estavam entre as que mais se beneficiaram com o exercício.

 

Uma possível explicação para esta observação é que as pessoas com depressão ficam “presas à ruminação”, um comportamento que se baseia fortemente na rede padrão, diz Benedyk. O exercício pode forçá-los a usar outras partes do cérebro, interrompendo processos neurais associados à autorreflexão, e deslocando a atividade para áreas associadas às atividades físicas, libertando-os de um ciclo de pensamentos negativos.

 

Praticar exercícios também é uma ótima desculpa para socializar. Atualmente, Chaklos está aposentada, mas agora lidera a filial de Boston de um programa nos EUA chamado “Walk with a Doc”, no qual os médicos convidam membros da comunidade para caminhar com eles. Na caminhada do grupo em fevereiro, cerca de 14 pessoas conversaram e passearam dentro do shopping Prudential Center, em Boston, Massachusetts, onde puderam evitar o inverno da Nova Inglaterra. A atividade “simplesmente melhora o humor da pessoa”, diz Chaklos. “Mesmo que você ainda volte para casa para ficar sozinho, você não se sente mais totalmente sozinho.”

 



Por que o mundo inteiro não pode pagar pelos mais ricos

 

Comentário publicado na Nature em 12/03/2024, em que pesquisadores britânicos afirmam que a igualdade é essencial para a sustentabilidade. A ciência é clara: as pessoas em sociedades mais igualitárias são mais confiantes e mais propensas a proteger o ambiente, do que aquelas em sociedades desiguais e orientadas para o consumo.

 

À medida que as crises ambientais, sociais e humanitárias aumentam, o mundo já não pode permitir-se duas coisas: primeiro, os custos da desigualdade econômica; e segundo, os ricos. Entre 2020 e 2022, o 1% das pessoas mais ricas do mundo, capturou quase o dobro da nova riqueza global criada, do que os outros 99% dos indivíduos juntos, e em 2019, emitiram tanto dióxido de carbono como os dois terços mais pobres da humanidade. Na década até 2022, os multimilionários do mundo, mais do que duplicaram a sua riqueza, para quase 12 bilhões de dólares.

 

As evidências recolhidas pelos epidemiologistas sociais, mostram que grandes diferenças de rendimento são um poderoso fator de stress social, que está a tornar cada vez mais as sociedades disfuncionais. Por exemplo, disparidades maiores entre ricos e pobres, são acompanhadas por taxas mais elevadas de homicídio e de prisão. Correspondem também a mais mortalidade infantil, obesidade, abuso de drogas e mortes por COVID-19, bem como taxas mais elevadas de gravidez na adolescência e níveis mais baixos de bem-estar infantil, mobilidade social e confiança pública. A taxa de homicídios nos Estados Unidos, a democracia ocidental mais desigual, é mais de 11 vezes superior à da Noruega. As taxas de encarceramento são dez vezes mais elevadas e as taxas de mortalidade infantil e obesidade duas vezes mais elevadas.

 

Estes problemas não afetam apenas os indivíduos mais pobres, embora os mais pobres sejam os mais afetados. Mesmo as pessoas ricas desfrutariam de uma melhor qualidade de vida, se vivessem num país com uma distribuição de riqueza mais igualitária, semelhante a uma nação escandinava. Poderiam observar melhorias na sua saúde mental e teriam uma probabilidade reduzida de se tornarem vítimas de violência; os seus filhos poderiam ter um desempenho melhor na escola e teriam menos probabilidades de consumir drogas perigosas.

 

Os custos da desigualdade também são terrivelmente elevados para os governos. Por exemplo, a Equality Trust, uma instituição de caridade com sede em Londres, estimou que só o Reino Unido poderia poupar mais de 100 bilhões de libras (126 bilhões de dólares) por ano, se reduzisse as suas desigualdades ao nível da média daqueles cinco países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que apresentam as menores diferenças de rendimento, Dinamarca, Finlândia, Bélgica, Noruega e Países Baixos. E isso considerando apenas quatro áreas: maior número de anos vividos com plena saúde, melhor saúde mental, redução das taxas de homicídios e menores taxas de encarceramento.

 

Muitos especialistas chamaram a atenção para a necessidade ambiental de limitar o crescimento econômico e, em vez disso, dar prioridade à sustentabilidade e ao bem-estar. Aqui argumentamos que combater a desigualdade é a principal tarefa dessa transformação. Uma maior igualdade reduzirá o consumo insalubre e excessivo, e aumentará a solidariedade e a coesão necessárias, para tornar as sociedades mais adaptáveis face ao clima e a outras emergências.

 

Ansiedades sociais geram estresse

 

As razões subjacentes para que a desigualdade tenha impactos tão profundos e abrangentes são psicossociais. Ao acentuar as diferenças de estatuto e de classe social, por exemplo, através do tipo de carro que alguém conduz, do seu vestuário ou do local onde vive, a desigualdade aumenta os sentimentos de superioridade e de inferioridade. A visão de que algumas pessoas valem mais do que outras, pode minar a confiança e o sentimento de autoestima das pessoas. E, como mostram os estudos sobre as respostas do cortisol, a preocupação com a forma como os outros nos veem é um poderoso estressor.

 

Descobriu-se que as taxas de “ansiedade de estatuto social” aumentam em todos os grupos de rendimentos em sociedades mais desiguais. O stress crônico tem efeitos bem documentados sobre a mortalidade, pode duplicar as taxas de mortalidade. Os comportamentos relacionados à saúde também são afetados pelo estresse. Dieta, exercício e tabagismo, mostram gradientes sociais, mas as pessoas são menos propensas a adotar estilos de vida saudáveis, quando se sentem estressadas.

 

A violência e o bullying também estão ligados à competição por status social. A agressão é frequentemente desencadeada por desrespeito, humilhação e perda de prestígio. O bullying entre crianças em idade escolar, é cerca de seis vezes mais comum em países mais desiguais. Nos Estados Unidos, as taxas de homicídio foram cinco vezes mais elevadas nos estados com níveis mais elevados de desigualdade do que naqueles com uma distribuição mais equitativa da riqueza.

 

Status estimula o consumo

 

A desigualdade também aumenta o consumismo. As ligações percebidas entre riqueza e autoestima levam as pessoas a comprarem bens associados a um estatuto social elevado e, assim, melhoram a forma como aparecem aos outros, como o economista norte-americano Thorstein Veblen, estabeleceu há mais de um século no seu livro The Theory of the Leisure Class (1899). Estudos mostram que as pessoas que vivem em sociedades mais desiguais, gastam mais em bens de status.

 

O nosso trabalho mostrou que o montante gasto em publicidade, como proporção do produto interno bruto, é maior em países com maior desigualdade. Os estilos de vida bem divulgados dos ricos promovem padrões e modos de vida que outros procuram imitar, desencadeando cascatas de despesas em casas de férias, piscinas, viagens, roupas e carros caros.

 

A Oxfam relata que, em média, cada um dos 1% de pessoas mais ricas do mundo, produz 100 vezes as emissões da pessoa média da metade mais pobre da população mundial. Essa é a escala da injustiça. À medida que os países mais pobres aumentam os seus padrões materiais, os ricos terão de baixar os seus.

 

A desigualdade também torna mais difícil a implementação de políticas ambientais. As mudanças enfrentam resistência, se as pessoas sentirem que o fardo não está a ser partilhado de forma justa. Por exemplo, em 2018, os protestos dos coletes amarelos eclodiram na França, em resposta à tentativa do Presidente Emmanuel Macron, de implementar um “imposto ecológico” sobre os combustíveis, acrescentando alguns pontos percentuais aos preços nas bombas. O imposto proposto foi amplamente considerado injusto, especialmente para os pobres das zonas rurais, para quem o gasóleo e a gasolina são necessidades. Em 2019, o governo abandonou a ideia. Da mesma forma, os camioneiros brasileiros protestaram contra os aumentos dos impostos sobre os combustíveis em 2018, perturbando estradas e cadeias de abastecimento.

 

Então, as sociedades desiguais têm pior desempenho no que diz respeito ao meio ambiente? Sim. Para os países ricos e desenvolvidos, para os quais havia dados disponíveis, encontramos uma forte correlação entre os níveis de igualdade e uma pontuação num índice que criamos de desempenho em cinco áreas ambientais: poluição atmosférica; reciclagem de resíduos; as emissões de carbono dos ricos; progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas; e cooperação internacional (ratificação dos tratados da ONU e prevenção de medidas coercivas unilaterais).

 

Essa correlação mantém-se claramente, quando os problemas sociais e de saúde também são tidos em conta. Para mostrar isso, combinamos nosso índice de desempenho ambiental com outro que desenvolvemos anteriormente que considera dez problemas sociais e de saúde: mortalidade infantil, expectativa de vida, doenças mentais, obesidade, nível educacional, nascimento de adolescentes, homicídios, encarceramento, mobilidade social e confiança. Há uma tendência clara, com sociedades mais desiguais a registar os piores resultados.

 

Outros estudos também demonstraram, que sociedades mais igualitárias são mais coesas, com níveis mais elevados de confiança e participação em grupos locais. E, em comparação com os países ricos menos igualitários, outros 10-20% das populações dos países mais igualitários pensam que a proteção ambiental deve ser priorizada, em detrimento do crescimento econômico. Sociedades mais igualitárias também têm melhor desempenho no Índice Global de Paz (que classifica os estados de acordo com os seus níveis de paz) e fornecem mais ajuda externa. A meta da ONU é que os países gastem 0,7% do seu rendimento nacional bruto (RNB) em ajuda externa; a Suécia e a Noruega doam cada uma, cerca de 1% do seu RNB, enquanto o Reino Unido doa 0,5% e os Estados Unidos doam apenas 0,2%.

 

As autoridades políticas devem agir


A evidência científica é clara, de que a redução da desigualdade é uma condição prévia fundamental, para enfrentar as crises ambientais, sanitárias e sociais que o mundo enfrenta. É essencial que os decisores políticos ajam rapidamente para reverter décadas de desigualdade crescente e reduzir os rendimentos mais elevados.

 

Em primeiro lugar, os governos devem escolher formas progressivas de tributação, que transfiram os encargos econômicos das pessoas com baixos rendimentos para as pessoas com rendimentos elevados, para reduzir a desigualdade, e pagar pelas infraestruturas de que o mundo necessita para fazer a transição para a neutralidade carbônica e a sustentabilidade. Embora os governos possam hesitar diante desta sugestão, há bastante espaço. Por exemplo, as taxas de imposto sobre os rendimentos mais elevados nos Estados Unidos estiveram bem acima dos 70% durante cerca de metade do século XX, muito mais elevadas do que a taxa máxima atual de 37%. Para reforçar o apoio público, os governos precisam defender firmemente que toda a sociedade deve contribuir para financiar a transição para as energias limpas e a boa saúde.

 

Para construir um mundo melhor, pare de perseguir o crescimento econômico

 

Devem ser celebrados acordos internacionais para eliminar os paraísos fiscais e as evasões fiscais. Estima-se que a evasão fiscal das empresas, custe aos países pobres cerca de 100 bilhões de dólares por ano, o suficiente para educar mais 124 milhões de crianças e evitar talvez 8 milhões de mortes maternas e infantis anualmente. Os países membros da OCDE são responsáveis por mais de dois terços destas perdas fiscais, de acordo com a Tax Justice Network, um grupo de defesa sediado em Bristol, no Reino Unido. A OCDE estima que os países de rendimento baixo ou médio perdem três vezes mais para os paraísos fiscais do que recebem em ajuda externa.

 

Embora ainda não tenha sido tentado, os méritos de um imposto sobre o consumo, calculado com base no rendimento pessoal menos a poupança, para restringir o consumo, também devem ser considerados. Ao contrário dos impostos sobre o valor agregado e sobre as vendas, esse imposto poderia ser tornado mais progressivo. As proibições de publicidade ao tabaco, ao álcool, aos jogos de azar e aos medicamentos sujeitos a receita médica, são comuns a nível internacional, mas os impostos para restringir a publicidade de uma forma mais geral, ajudariam a reduzir o consumo. Os custos de energia também podem ser progressivos, cobrando mais por unidade em níveis mais elevados de consumo.

 

Serão também necessários legislação e incentivos para garantir que as grandes empresas, que dominam a economia global, sejam geridas de forma mais justa. Por exemplo, práticas empresariais como a propriedade dos trabalhadores, a representação nos conselhos de administração das empresas e a propriedade acionária, bem como as cooperativas, tendem a reduzir a escala da desigualdade de rendimentos e de riqueza. Em contraste com a proporção de 200:1, relatada por um analista para as taxas de remuneração mais altas e mais baixas entre as 100 empresas de maior valor listadas no índice do mercado de ações FTSE 100, o grupo Mondragon das cooperativas espanholas, tem uma razão máxima acordada de 9:1. E essas empresas têm um bom desempenho em termos éticos e de sustentabilidade. O grupo Mondragon ficou em 11º lugar na lista ‘Change the World’ de 2020 da revista Fortune, que reconhece empresas por implementarem estratégias de negócios inovadoras com um impacto global positivo.

 

A redução da desigualdade econômica não é uma panaceia para os problemas de saúde, sociais e ambientais, mas é fundamental para resolver todos eles. Uma maior igualdade confere os mesmos benefícios a uma sociedade, independentemente da forma como é alcançada. Os países que adotarem abordagens multifacetadas, irão mais longe e mais rapidamente.

 

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