CANTIM CORPORE SANO (PARTE 12)
- Dylvardo Costa Lima
- 4 de jul. de 2024
- 59 min de leitura
Atualizado: 28 de nov. de 2024

As células de gordura têm uma "memória" da obesidade, sugerindo por que é difícil manter o peso
Comentário publicado na Nature em 18/11/2024, em que pesquisadores de diferentes
países afirmam que as alterações duradouras no epigenoma das células, estão ligadas a um declínio em sua função.
Mesmo após uma perda drástica de peso, as células de gordura do corpo carregam a "memória" da obesidade, mostrou um estudo, que é uma descoberta que pode ajudar a explicar, por que pode ser difícil permanecer em forma, após um programa de perda de peso.
Essa memória surge, porque a experiência da obesidade leva a mudanças no epigenoma, um conjunto de marcadores químicos, que podem ser adicionados ou removidos do DNA e das proteínas das células, que ajudam a aumentar ou diminuir a atividade genética. Para as células de gordura, a mudança na atividade genética parece torná-las incapazes de sua função normal. Esse comprometimento, bem como as mudanças na atividade genética, pode persistir muito depois que o peso cai para níveis saudáveis, relata um estudo publicado na Nature.
Os resultados sugerem que as pessoas que tentam emagrecer, geralmente precisam de cuidados de longo prazo, para evitar o reganho de peso, diz a coautora do estudo Laura Hinte, bióloga da ETH Zurich na Suíça. "Isso significa que você precisa de mais ajuda, potencialmente", diz ela. "Não é sua culpa."
Embora saibamos há muito tempo, que o corpo tende a voltar à obesidade após a perda de peso, "como e por que isso acontece, era quase como uma caixa-preta", diz Hyun Cheol Roh, especialista em epigenoma da Faculdade de Medicina da Universidade de Indiana em Indianápolis, que estuda o metabolismo. Os novos resultados "mostram o que está acontecendo no nível molecular, e isso é muito legal".
Uma memória persistente
Para entender por que o peso pode voltar tão rapidamente após ser perdido, Hinte e seus colegas, analisaram o tecido adiposo de um grupo de pessoas com obesidade grave, bem como de um grupo de controle de pessoas, que nunca tiveram obesidade. Eles descobriram que alguns genes eram mais ativos nas células de gordura do grupo obeso, do que nas células de gordura do grupo controle, enquanto outros genes eram menos ativos.
Nem mesmo a cirurgia para perda de peso alterou esse padrão. Dois anos após os participantes com obesidade terem passado por operações de redução de peso, eles perderam grandes quantidades de peso, mas a atividade genética de suas células de gordura ainda exibia o padrão associado à obesidade. Os cientistas encontraram resultados semelhantes em camundongos, que perderam grandes quantidades de peso.
Nas células de gordura de humanos e camundongos, os genes ativados durante a obesidade estão envolvidos no estímulo à inflamação e fibrose, a formação de tecido rígido e cicatricial. Os genes que são desativados ajudam as células de gordura a funcionarem normalmente. Pesquisas em camundongos rastrearam essas mudanças na atividade genética até mudanças no epigenoma, que tem um efeito poderoso sobre o quão ativo um gene é, incluindo se ele é ativado.
Os cientistas testaram a durabilidade dessas mudanças, colocando camundongos obesos em uma dieta. Poucos meses após os camundongos ficarem magros novamente, as mudanças em seus epigenomas persistiram, como se as células "lembrassem" de estar em um corpo com obesidade.
Recuperação rápida
Não está claro por quanto tempo o corpo se lembra da obesidade, diz o coautor do estudo Ferdinand von Meyenn, especialista em epigenoma da ETH Zurich. "Pode haver uma janela de tempo, em que essa memória será perdida", diz ele. "Mas não sabemos."
Para entender melhor os efeitos dessa memória, os pesquisadores estudaram células de gordura de camundongos, que emagreceram após serem obesos. Essas células absorveram mais açúcar e gordura, do que as células de gordura de camundongos de controle, que nunca foram obesos. Os camundongos anteriormente obesos, também ganharam peso mais rápido em uma dieta rica em gordura, do que os camundongos de controle.
Mas cientistas não envolvidos no estudo, incluindo Roh, observam que o artigo não prova que as alterações epigenéticas, causaram as mudanças físicas nos camundongos. A lista de alterações epigenéticas nas células de gordura do artigo é valiosa, diz o biólogo Evan Rosen, do Beth Israel Deaconess Medical Center em Boston, que estuda o tecido adiposo, mas será difícil determinar quais dessas mudanças, impulsionam a memória persistente das células de gordura.
"Ainda não é um elo causal", concorda von Meyenn. "É correlação, as estamos trabalhando nisso."
Prevenir a obesidade para começar é fundamental, acrescenta von Meyenn. Pessoas que perdem peso "podem permanecer magras, mas isso exigirá muito esforço e energia para fazer isso", diz ele, acrescentando que as descobertas de sua equipe, podem ajudar a remover parte do estigma em torno do efeito sanfona da obesidade.

‘Precisamos estar prontos para um novo mundo’: cientistas globalmente reagem à eleição de Trump
Comentário publicado na Nature em 06/11/2024, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que a vitória de Trump desperta medo sobre o futuro dos Estados Unidos no meio acadêmico.
Cientistas ao redor do mundo expressaram decepção e alarme, quando o republicano Donald Trump, ganhou os votos finais necessários para garantir a presidência dos EUA, nas primeiras horas de 6 de novembro. Devido à retórica e ações anticientíficas de Trump durante seu último mandato, muitos agora estão se preparando para quatro anos de ataques a cientistas, dentro e fora do governo.
"Na minha longa vida de 82 anos, dificilmente houve um dia em que me senti mais triste", diz Fraser Stoddart, um ganhador do Nobel que deixou os Estados Unidos no ano passado, e agora é presidente de química na Universidade de Hong Kong. "Testemunhei algo que sinto ser extremamente ruim, não apenas para os Estados Unidos, mas para todos nós no mundo."
"Estou chocado, mas não surpreso", dado a quão polarizada a política dos EUA está agora, diz Michael Lubell, um físico do City College of New York, que monitora questões de política científica federal. As implicações da vitória para a política governamental e a ciência são profundas, especialmente por causa do profundo ceticismo de Trump em relação a cientistas e outros especialistas, que gerenciam a saúde pública e a política ambiental dentro do governo federal, diz Lubell.
Os votos ainda estão sendo contados em muitos lugares, mas Trump já ganhou estados americanos suficientes para navegar para uma vitória retumbante sobre sua oponente, a vice-presidente e democrata Kamala Harris. Trump se dirigiu a seus apoiadores como o vencedor hoje cedo, declarando sua coalizão "o maior movimento político de todos os tempos".
Os republicanos também parecem preparados para ganhar a câmara alta do Congresso dos EUA, o Senado, virando pelo menos três cadeiras democratas, embora haja mais quatro disputas competitivas, que ainda não foram confirmadas para nenhum dos partidos. Pode levar dias ou semanas até que os resultados finais sejam divulgados para a câmara baixa, a Câmara dos Representantes dos EUA, mas parece provável, que os republicanos mantenham o controle. Isso daria a Trump e seu partido controle total do governo em Washington DC.
“Precisamos estar prontos para um novo mundo”, diz Grazyna Jasienska, pesquisadora de longevidade na Universidade Jagiellonian em Cracóvia, Polônia. “Estou tentando ser otimista, mas é difícil encontrar quaisquer aspectos positivos para a ciência global e a saúde pública se os republicanos assumirem.”
Preocupações surgem
No passado, Trump chamou a mudança climática de farsa, e retirou o país do acordo climático de Paris; ele disse que daria a Robert F. Kennedy Jr., uma figura política que negou a eficácia das vacinas, um "grande papel" em sua administração, e prometeu facilitar a demissão de especialistas, como cientistas do governo dos EUA, que se opõem à sua agenda política.
As preocupações surgindo esta manhã, se alinham com as expressas pela maioria dos leitores, que responderam no mês passado a uma pesquisa conduzida pela Nature. Oitenta e seis por cento das mais de 2.000 pessoas que responderam à pesquisa disseram, que eram a favor de Harris, devido a preocupações incluindo mudança climática, saúde pública e o estado da democracia dos EUA. Alguns até disseram que considerariam mudar de lugar onde moram ou estudam, se Trump vencesse.
As respostas voltadas para esse sentimento surgiram rapidamente. Tulio de Oliveira, um virologista proeminente no Centro de Resposta e Inovação Epidemiológica da Universidade Stellenbosch na África do Sul, postou no X (a plataforma de mídia social anteriormente conhecida como Twitter): "Com as mudanças ao redor do mundo, você pode querer se mudar para uma das melhores universidades na África do Sul, em uma das regiões mais bonitas do mundo!", ele disse e vinculou a anúncios de emprego para bolsas de pós-graduação e pós-doutorado.
No entanto, nem todos os pesquisadores são contra a presidência de Trump. Dos que responderam à pesquisa de leitores da Nature, 6% expressaram preferência por Trump, geralmente citando preocupações sobre questões de segurança e economia. César Monroy-Fonseca, diretor científico da Seele Neuroscience, um laboratório de neurociência comportamental na Cidade do México, favoreceu Trump, dizendo à Nature, que ele é "o menor dos males". A economia mexicana é fortemente dependente de decisões tomadas pelo governo dos EUA, diz Monroy-Fonseca.
Outro leitor que concordou em ser contatado, mas não quis que seu nome fosse usado, preocupou-se com a hostilidade de Trump em relação à ciência e às evidências. No entanto, o entrevistado, um enfermeiro veterano de Wilmington, Carolina do Norte, disse que votaria em Trump porque, "no final do dia, eu quero estar seguro e quero poder cuidar da minha família".
Lições aprendidas
Outros, porém, estão focados no que uma segunda presidência de Trump significará para a ciência. “Talvez uma das minhas maiores preocupações seja que Trump venha a ser outro prego no caixão da confiança na ciência”, dada sua retórica anticientífica, diz Lisa Schipper, geógrafa especializada em vulnerabilidade às mudanças climáticas na Universidade de Bonn, na Alemanha. De acordo com uma pesquisa com milhares de adultos nos EUA, feita pelo Pew Research Center em Washington DC, a porcentagem de pessoas que dizem que a ciência teve um efeito positivo na sociedade, vem diminuindo constantemente desde 2019.
“Estou sem palavras, mas acho que é um momento de aprendizado”, diz Sheila Jasanoff, cientista social da Universidade Harvard em Cambridge, Massachusetts. A vitória de Trump ilustra uma desconexão fundamental entre pesquisadores acadêmicos e muitos eleitores republicanos. Encontrar um ponto em comum, exigirá engajamento social, e provavelmente humildade por parte dos cientistas, que ainda precisam lidar totalmente com essa divisão social e política. Para muitos republicanos, “o problema somos nós”, as ‘elites’ acadêmicas, diz Jasanoff.
Alguns já começaram a pensar em janeiro de 2025, quando Trump está programado para assumir o cargo. “Espero que possamos convencer o governo Trump a adotar uma agenda científica ousada baseada em evidências, e a contratar pessoas qualificadas e competentes para implementá-la”, diz Georges Benjamin, diretor executivo da American Public Health Association em Washington DC. Mas a última vez que ele esteve no cargo, Benjamin acrescenta, "ele tinha alguns cientistas absolutamente incríveis que trabalhavam para ele, e então ele os minou, e não seguiu seus conselhos", em particular ao repreendê-los publicamente, e não pressionar uma resposta forte à pandemia da COVID-19.
"A partir de agora, vamos precisar de pessoas corajosas, pessoas dispostas a reagir, proteger os vulneráveis e fazer o que é certo, em vez do que é fácil", diz um alto funcionário da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, que não quis ser identificado, porque temia retaliações sob uma nova administração Trump. "Temos que lembrar o que é certo. E o que é certo é proteger a saúde pública e o meio ambiente."

A indústria global de jogos de azar online e a saúde pública
Artigo publicado na The Lancet Public Health em 24/10/2024, em que pesquisadores de diferentes países afirmam que o jogo online representa uma ameaça para a saúde pública, cujo controle requer uma expansão substancial e um aperto da regulamentação da indústria do jogo.
A indústria do jogo global
A indústria global de jogos de azar está se expandindo rapidamente, com perdas líquidas dos consumidores projetadas para atingir quase US$ 700 bilhões até 2028. O crescimento da indústria é alimentado pelo aumento do jogo online, pela acessibilidade generalizada das oportunidades de jogo através de telefones celulares, maior legalização e a introdução de jogos comerciais em novas áreas. A expansão recente é mais notável em países de baixa e média renda, onde a infraestrutura regulatória é muitas vezes fraca. O jogo, pelo menos de alguma forma, é permitido legalmente em mais de 80% dos países do mundo. O jogo online, dada a sua acessibilidade sem fronteiras, está disponível em qualquer lugar através da Internet.
A digitalização transformou a produção e o funcionamento do jogo comercial, mas as consequências desta mudança e dos seus efeitos sobre os consumidores, ainda não foram plenamente reconhecidas. A produção de jogos de azar on-line está interligada com um ecossistema de software, infraestrutura de tecnologia da informação e serviços de tecnologia financeira. A indústria de jogos comerciais também desenvolveu fortes parcerias em mídias e mídias sociais. Patrocinar e fazer parceria com organizações esportivas profissionais, oferece aos operadores de jogos de azar, oportunidades de marketing com grandes novos públicos. Este ecossistema corporativo de longo alcance e interdependente coletivamente, exerce uma influência substancial sobre a política, e tem vários pontos de contato, através dos quais, alavanca o comportamento dos consumidores.
Os produtos de jogo online são projetados para serem rápidos e intensivos, características associadas a um maior risco de danos para os consumidores. A introdução de apostas no jogo durante partidas ao vivo, tornou as apostas esportivas on-line instantâneas, e aumentou sua frequência e prevalência. Os produtos de jogo tradicionais, como loterias e bingo, agora têm ciclos mais rápidos, e são continuamente acessíveis através de aplicativos para smartphones. As fronteiras entre jogos digitais e jogos de azar estão se tornando turvas, com os jogos agindo cada vez mais como um canal no jogo.
Aproveitando as infraestruturas digitais on-line e os dados de vigilância, as empresas de jogos de azar agora têm recursos incomparáveis para atingir os consumidores, inclusive por meio do uso de mídias sociais e influenciadores, para envolver indivíduos e dados de usuários on-line, para adaptar o marketing a indivíduos, vender produtos e prolongar o envolvimento do usuário.
Para salvaguardar seus interesses, as partes interessadas no ecossistema de jogos comerciais, implantam uma série de estratégias, muitas das quais, são semelhantes às usadas por outras indústrias, que vendem produtos potencialmente viciantes ou prejudicam a saúde. Para moldar as percepções públicas e políticas, e como eles pressionam os formuladores de políticas diretamente para promover seus interesses comerciais, a indústria retrata o jogo como entretenimento inofensivo, e enfatiza os benefícios econômicos (incluindo receitas fiscais) e oportunidades de emprego que a indústria oferece.
A indústria do jogo enfatiza particularmente os benefícios sociais que se acumulam, quando parte dos lucros do jogo é usada para financiar educação, serviços de saúde ou outras causas sociais que valem a pena. De acordo com as narrativas da indústria, a responsabilidade pelo dano ao jogo é atribuída aos indivíduos, particularmente aqueles considerados como envolvidos em jogos de azar problemáticos, o que desvia a atenção da conduta corporativa. A indústria do jogo também exerce uma influência considerável sobre a pesquisa sobre jogos de azar e danos ao jogo, o que ajuda a manter o controle do enquadramento e das mensagens em torno dessas questões.
As mensagens da indústria influenciaram substancialmente a política e a regulamentação do jogo. A maioria das soluções políticas para os danos do jogo, se baseia na noção de responsabilidade individual. Fornecer serviços de suporte, tratamentos e proteções para indivíduos em risco é, naturalmente, importante. Melhorar ainda mais esses remédios e disponibilizar amplamente os suportes de proteção, continua sendo uma prioridade. No entanto, enquadrar o problema dessa maneira, e concentrar estritamente a atenção política em um pequeno subconjunto das pessoas que jogam, chama a atenção para as práticas da indústria e o comportamento corporativo. Temos também de examinar seriamente as estruturas e sistemas que regem a conceção, a provisão e a promoção de produtos de jogo.
Os malefícios de jogo
O jogo pode causar danos substanciais a indivíduos, famílias e comunidades. Além do perigo óbvio de perdas financeiras e ruína financeira, esses danos podem incluir perda de emprego, relacionamentos quebrados, efeitos na saúde e impactos relacionados ao crime. O jogo pode aumentar o risco de suicídio e violência doméstica. Evidências de pesquisa e relatos em primeira mão, de indivíduos afetados pelo jogo, corroboram a associação entre jogos de azar e vários efeitos prejudiciais.
Uma proporção substancial de danos é sofrida, por aqueles indivíduos que caem abaixo do limiar para os transtornos de jogo delineados na Classificação Internacional de Doenças-11 ou no Manual de Diagnóstico, e Estatísticas da Associação Americana de Psiquiatria. Portanto, examinar o efeito do jogo em todo o espectro de consumo é crucial. Como acontece com outras commodities prejudiciais, os efeitos adversos são muitas vezes sentidos não apenas pela pessoa que joga, mas também por outras pessoas significativas, famílias e amigos, e podem resultar em custos tangíveis e intangíveis, para as comunidades e sociedades. Embora alguns danos possam ser de curta duração, outros são duradouros e podem afetar as gerações subsequentes.
Esta Comissão realizou uma revisão sistemática e meta-análise, da prevalência global de participação no jogo, incluindo qualquer risco de jogo (definido como experiência ocasional de pelo menos um sintoma comportamental ou consequência adversa do jogo), transtorno de jogo e jogo problemático, em adultos e adolescentes.
Estimamos que 46,2% dos adultos e 17,9% dos adolescentes se envolveram em jogos de azar de alguma forma no ano anterior, e globalmente, 10,3% dos adolescentes apostaram online, o que é digno de nota, dado o acordo generalizado, de que o jogo comercial entre adolescentes deve ser proibido. Aproximadamente 5,5% das mulheres e 11 a 9% dos homens, experimentam qualquer risco de jogo. Extrapolar essas descobertas em todo o mundo, sugeriria que aproximadamente 448,7 milhões de adultos em todo o mundo, poderiam ser igualmente afetados. Destes, estima-se que 80 milhões de adultos experimentam transtorno de jogo ou jogo problemático.
Além disso, estimamos que o transtorno do jogo pode afetar 15,8% dos adultos e 26,4% dos adolescentes, que jogam usando produtos de cassino ou caça-níqueis online, e 8,9% dos adultos e 16,3% dos adolescentes, que jogam usando produtos de apostas esportivas. Essas descobertas ressaltam a potencial nocividade dos produtos (por exemplo, cassino online ou jogos de slot e apostas esportivas) que agora estão impulsionando a expansão global da indústria do jogo.
Nossa revisão sistemática também revelou deficiências substanciais no monitoramento global de danos ao jogo. O monitoramento tem se baseado principalmente em pesquisas populacionais, apesar de questões metodológicas reconhecidas com essas abordagens, que provavelmente produzirão estimativas conservadoras. Além disso, em muitos países, mesmo os inquéritos da população em geral, não estão disponíveis. Consequentemente, a base de provas permanece fragmentada e claramente incompleta, dada a escala global da questão.
A Comissão de Saúde Pública da Lancet sobre jogos de azar convocou um grupo multidisciplinar de especialistas em estudos de jogos de azar, saúde pública, política global de saúde, controle de riscos e política regulatória; juntamente com colaboradores, que têm experiência em primeira mão de danos ao jogo. Nossa conclusão é clara: o jogo representa uma ameaça para a saúde pública, cujo controle requer uma expansão substancial e um aperto da regulamentação da indústria do jogo. A resposta oportuna a esta crescente ameaça mundial exige uma ação concentrada a nível intergovernamental, nacional e regional.
Recomendações
Com base nos riscos associados ao jogo e sua provável trajetória, esta Comissão recomenda uma ação urgente e coordenada, por agências intergovernamentais, governos nacionais e locais, para enfrentar os desafios que delineamos. Formulamos recomendações específicas que são viáveis, alcançáveis, e que provavelmente serão eficazes na redução de danos ao jogo.
Primeiro, o jogo é uma questão de saúde pública. Ao definir políticas, os governos devem dar prioridade à proteção da saúde e do bem-estar, sobre as motivações econômicas concorrentes.
Em segundo lugar, em todos os países, se o jogo é legalmente permitido, é necessária uma regulamentação eficaz do jogo. Recomendamos a redução da exposição da população e a disponibilidade de jogos de azar, através de proibições ou restrições de acesso, promoção, marketing e patrocínio; a prestação de apoio e tratamento universal e acessível para danos ao jogo; e a não normalização do jogo, através de campanhas de marketing social e conscientização de bons recursos.
Em terceiro lugar, as jurisdições que permitem o jogo, precisam de um regulador com recursos, independentes e adequadamente capacitados, focado na proteção da saúde pública e do bem-estar. No mínimo, as proteções regulatórias devem incluir a proteção dos jovens contra o jogo, aplicando requisitos de idade mínima, apoiados por identificação obrigatória; a prestação de medidas eficazes de proteção ao consumidor, como a autoexclusão universal, e os sistemas de registro de usuários; a regulamentação de produtos proporcionais ao risco de danos, com base em características prejudiciais, como intensidade, frequência e jogo contínuo; a ação de medidas obrigatórias que limitam o consumo de jogos de azar, como o depósito e os limites de apostas es e os limites universais.
Em quarto lugar, a política, a regulamentação, o tratamento e a pesquisa relacionados ao jogo, devem ser protegidos contra os efeitos distorcidos da influência comercial. Defendemos uma rápida transição da pesquisa e tratamento financiados pela indústria, juntamente com o aumento dos níveis de investimento de fontes independentes.
Em quinto lugar, a nível internacional, as entidades das Nações Unidas e as organizações intergovernamentais, devem incorporar uma tônica nos danos do jogo nas suas estratégias e planos de trabalho, para melhorar a saúde e o bem-estar.
Em sexto, no que diz respeito aos danos ao jogo, há uma necessidade de desenvolver uma aliança internacional, incluindo a sociedade civil, pessoas com experiência vivida de danos relacionados ao jogo, pesquisadores e organizações profissionais, para fornecer liderança de pensamento, advocacia e convocação de partes interessadas.
Em sétimo dia, a Comissão recomenda a iniciativa do processo de adoção de uma resolução da Assembleia Mundial da Saúde, sobre as dimensões do jogo em saúde pública.
Agir sobre essas recomendações, oferece aos governos uma série de benefícios. Essas recomendações ajudam os governos a cumprirem seu dever constitucional e ético de proteger a saúde e o bem-estar de seus cidadãos. O aprimoramento das proteções traz a regulamentação do jogo online mais de perto, de acordo com os controles de outros produtos viciantes e prejudiciais.
Nossas recomendações fornecem para a maioria das pessoas que nunca jogam, ou o fazem apenas muito ocasionalmente, uma proteção contra práticas corporativas, projetadas para coagi-las a atividades nas quais, de outra forma, teriam pouco interesse. Ao restringir as práticas de publicidade e marketing, os governos podem fornecer proteções para aqueles que mais precisam, como crianças e jovens.
A longo prazo, nossas recomendações devem reduzir a carga de custos públicos associados ao jogo, prevenindo e reduzindo os danos. Embora os governos apreciem prontamente as receitas da indústria do jogo, e possam até usar produtos de jogo para seus próprios fins de arrecadação de fundos, eles geralmente subestimam a prevalência e a gravidade dos danos sociais causados e os custos públicos associados.
Finalmente, à medida que a escala do jogo comercial aumenta, e seu alcance se estende por todo o mundo e, à medida que as novas ofertas proliferam, os governos precisam demonstrar que sua abordagem legislativa e estruturas regulatórias, são eficazes. Quando os escândalos ocorrem no setor ou práticas de negócios de exploração são reveladas, estas são rapidamente marcadas como falhas regulatórias. A fé no governo pode ser prejudicada por tais escândalos, tanto quanto as reputações da indústria são danificadas. O público precisa saber que a supervisão regulatória da indústria do jogo é apropriada e eficaz.
Esta Comissão de Saúde Pública Lancet deve marcar o início de um esforço sério e sustentado, para aplicar a lógica de saúde pública, à medida que os países e as comunidades respondem à ameaça crescente de danos ao jogo. Reconhecemos que a implementação dessas recomendações pode levar tempo, não será fácil e exigirá esforços e cooperação sustentados, de vários atores internacionais. Esperamos estabelecer uma direção clara para ações futuras, que levem a um projeto e implementação eficazes de políticas.
O acompanhamento e a avaliação dos progressos realizados nas recomendações da Comissão, exigirão um acompanhamento global e nacional independente e sólido da situação, utilizando indicadores relevantes. O relatório da Comissão estabelece as bases para o desenvolvimento de sistemas de monitorização globais, mas é necessário um maior trabalho e investigação para desenvolver um conjunto de indicadores, e um quadro de responsabilização que o acompanha. Modelos a partir dos quais desenhar incluem a Contagem Regressiva das DNTs 2030, e a contagem regressiva para o painel de saúde mental global 2030, que reúnam indicadores fiáveis, válidos e viáveis, para acompanhar os progressos globais e nacionais.
A longo prazo, o sucesso significaria que mais jurisdições estariam adotando políticas conhecidas por serem eficazes na prevenção de danos. Como comunidade, precisamos promover relações fortes com a sociedade civil e aqueles com experiência vivida de danos, e apoiar a integração de suas perspectivas e contribuições dentro do ciclo de políticas de jogo. O sucesso significaria também, que as organizações da sociedade civil adotem questões de danos no jogo, e as incluam nas suas carteiras.
Instamos os governos de todos os níveis a adotar nossas recomendações e a se comprometerem com melhorias substanciais na proteção da saúde pública e do bem-estar contra os danos associados ao jogo.
Por que alguns países são tão mais ricos? Prêmio Nobel de Economia é dado a pesquisadores por estudo da desigualdade social nos países colonizados
Comentário publicado na Nature em 14/10/2024, onde pesquisadores britânicos afirmam que Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson venceram o Nobel de Economia, por suas pesquisas sobre as fortunas contrastantes das nações pós-coloniais.
Por que alguns países são tão mais ricos do que outros? O Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de 2024, foi concedido a três pesquisadores, que ajudaram a esclarecer essa questão fundamental.
A diferença de renda entre as nações mais ricas e mais pobres foi amplamente documentada. No entanto, Daron Acemoglu e Simon Johnson, ambos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, e James A. Robinson da Universidade de Chicago em Illinois, estudaram as evidências de porque essas desigualdades persistem.
Os três economistas, que dividirão o prêmio de 11 milhões de coroas suecas (US$ 1 milhão) por suas descobertas, pesquisaram o impacto da colonização europeia nas economias de vários países.
“Eles analisaram especificamente a história do colonialismo europeu e o contraste nas fortunas de países como os Estados Unidos ou a Austrália, em relação aos países da África Subsaariana ou do Sul da Ásia”, diz Diane Coyle, economista da Universidade de Cambridge, Reino Unido. “O trabalho deles teve um impacto profundo na forma como as pessoas pensam sobre o desenvolvimento econômico.”
Em países que já eram ricos, ou eram lugares onde os colonos europeus não sobreviveram bem por causa de doenças ou do clima, “as instituições coloniais eram extrativas”, diz Coyle. “Em contraste, em países que eram mais pobres para começar ou tinham climas melhores, os europeus construíram instituições mais inclusivas, semelhantes aos seus próprios países.”
“Os laureados demonstraram que os lugares que eram, relativamente falando, os mais ricos em sua época de colonização estão agora entre os mais pobres”, disse a Academia Real Sueca de Ciências em uma declaração.
“Quando os europeus colonizaram grandes partes do mundo, as instituições existentes às vezes mudaram drasticamente, mas não da mesma forma em todos os lugares. Em algumas colônias, o objetivo era explorar a população indígena e extrair recursos naturais, para beneficiar os colonizadores. Em outros casos, os colonizadores construíram sistemas políticos e econômicos inclusivos.”
As raízes da desigualdade
Kate Pickett, que estuda desigualdade na Universidade de York, Reino Unido, diz que é importante que o comitê do Nobel tenha reconhecido “pesquisadores que estão focados nas causas raízes das desigualdades, mostrando que o crescimento econômico nem sempre é importante para os países, se for explorador e extrativista”.
Falando no anúncio do prêmio Nobel, Acemoglu disse que estava “surpreso e chocado” por ter recebido a ligação. “Você sonha em ter uma boa carreira, mas isso é além disso. Então, é uma grande surpresa, estou honrado.”
P.S- POR ISSO QUE SOU RADICALMENTE A FAVOR DO PERDÃO DA DÍVIDA EXTERNA DOS PAÍSES QUE FORAM COLONIZADOS, E AQUI SE INCLUI TAMBÉM O BRASIL, E EM ALGUNS CASOS, ATÉ COM REPARAÇÃO FINANCEIRA, COMO NO CASO DO PERU, POR EXEMPLO.
Mudanças climáticas, saúde e as eleições nos Estados Unidos
Editorial publicado na British Medical Journal em 10/10/2024, onde pesquisadores americanos afirmam que a ligação entre clima e saúde, não tem sido o foco das eleições americanas deste ano.
No próximo 5 de novembro, os eleitores dos EUA irão às urnas, e tomarão decisões que têm consequências de longo alcance para as mudanças climáticas e para a saúde, em casa e no exterior. As mudanças climáticas são uma emergência de saúde pública, que afetará desproporcionalmente comunidades vulneráveis. Mais de 200 periódicos médicos declararam que são a maior ameaça à saúde global, e exigem uma resposta emergencial. Os dois principais partidos políticos nos EUA, oferecem visões muito diferentes de como abordariam o problema. Isso ocorre em um momento, em que os riscos à saúde das mudanças climáticas e os benefícios à saúde das soluções climáticas, estão se tornando cada vez mais claros.
A redução das emissões de gases de efeito estufa, está na vanguarda das ações para enfrentar as mudanças climáticas. Iniciativas para atingir essa meta, também melhorariam uma ampla gama de resultados de saúde. Por exemplo, descarbonizar a geração de energia, eliminando o uso de combustíveis fósseis e acelerando a transição para energia limpa, melhora a qualidade do ar e da água, salva vidas e leva a menores taxas de doenças cardiovasculares, respiratórias e outras. Políticas de transporte e planejamento urbano, que promovem o uso de veículos elétricos, do transporte público e estimulam as caminhadas e ciclismo seguros, fornecem inúmeros benefícios na forma de melhor qualidade do ar e aumento da atividade física.
Como um dos maiores contribuintes globais para gases de efeito estufa, os EUA têm influência significativa nas discussões internacionais, sobre ação climática. As negociações entre os EUA e a China (outro grande emissor de gases de efeito estufa) em 2014, foram essenciais para criar impulso para o Acordo de Paris, a primeira iniciativa global a buscar metas climáticas ambiciosas. Por outro lado, a retirada dos EUA deste acordo em 2017, paralisou o progresso. Quando os EUA se comprometeram novamente com o acordo em 2021, sua credibilidade havia sido enfraquecida, e outras nações começaram a introduzir brechas em seus compromissos. Quase uma década após a assinatura do Acordo de Paris, os compromissos nacionais sobre emissões de gases de efeito estufa, não conseguiram colocar o mundo no caminho certo para limitar o aquecimento a 1,5-2 °C.
Abordagens contrastantes
A plataforma oficial do Partido Republicano, nem sequer menciona as mudanças climáticas. Em vez disso, sinaliza uma intenção de aumentar a queima de combustíveis fósseis, reduzir regulamentações que limitam as emissões de poluentes nocivos, e falam em reverter as políticas climáticas estabelecidas pelo governo Biden. Além disso, o relatório do Projeto 2025, escrito por ex-funcionários do governo Trump, e publicado pelo think tank conservador Heritage Foundation, oferece uma janela muito mais detalhada, embora não oficial, sobre como a liderança republicana desmantelaria os esforços para proteger o clima e a saúde pública. Grande parte do projeto do relatório, se concentra em destruir ou eliminar programas de nível executivo, projetados para promover energia limpa ou reduzir as emissões de retenção de calor e outros poluentes nocivos, bem como cortar outros investimentos, que ajudariam a tornar os EUA e outros países mais seguros e resilientes aos efeitos das mudanças climáticas.
Em contraste, a plataforma do Partido Democrata, inclui várias ações para reduzir a poluição climática e melhorar a saúde por meio de investimentos substanciais em energia limpa, incentivos fiscais para veículos elétricos e menor uso de energia doméstica, e aumento do financiamento para transporte público e agricultura sustentável. Além disso, as melhorias na qualidade do ar, resultantes de duas peças de legislação trazidas pela administração Biden, a Lei de Redução da Inflação e a Lei de Investimento em Infraestrutura e Empregos, devem economizar US$ 20 bilhões a US$ 49 bilhões (£ 15 bilhões a £ 37 bilhões) por meio da redução da mortalidade até 2030, juntamente com reduções em doenças não fatais, incluindo 85.900 ataques de asma a menos, 3.700 ataques cardíacos a menos, 1.700 internações hospitalares a menos e 350.700 dias de trabalho perdidos a menos.
No entanto, os democratas também planejam aumentar o desenvolvimento de petróleo e gás nos EUA, que já é o maior produtor mundial. Isso apesar das descobertas da Agência Internacional de Energia, de que nenhum novo projeto de combustível fóssil deva ser desenvolvido, se o aquecimento global for limitado a 1,5°C. Para que os EUA cumpram suas responsabilidades globais e recuperem seu status de líder climático, isso deve mudar.
O plano democrata também perde uma importante oportunidade de comunicação. Pesquisas crescentes sugerem que, discutir a relevância da mudança climática para a saúde, pode reduzir a polarização política em torno do problema. De fato, pesquisas sugerem que assumir uma posição afirmativa sobre a ação climática, pode ajudar os candidatos a ganharem votos: 62% dos eleitores registrados nos EUA dizem, que preferem um candidato que apoia a ação climática, incluindo 90% dos democratas, 62% dos independentes e 27% dos republicanos. Além disso, o plano trata a mudança climática e a saúde como domínios políticos separados, ignorando uma conexão que poderia promover uma ação climática mais significativa.
Os EUA, e o mundo, precisam de uma liderança forte para evitar os piores efeitos da mudança climática e tornar nossas comunidades mais seguras, saudáveis e protegidas. Para o Partido Republicano, isso começaria, antes de tudo, com o reconhecimento da séria ameaça representada pela mudança climática em sua plataforma partidária, e com o estabelecimento de planos políticos para lidar com isso. O Partido Democrata deu grandes passos para lidar com as mudanças climáticas, mas poderia fortalecer muito os benefícios e a eficácia de seus esforços, integrando melhor a saúde em sua abordagem.
Por que o momento das avaliações climáticas é importante
Comentário publicado na Nature em 01/10/2024, em que um pesquisador chileno afirma que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e o acordo de Paris devem alinhar seus cronogramas, ou o progresso irá diminuir.
À medida que nos aproximamos da reunião da COP das Nações Unidas em Baku em novembro, um conflito é evidente na comunidade climática. Os fluxos de trabalho científicos e políticos estão se movendo em ritmos diferentes, mesmo que ambos visem aumentar os esforços globais, para limitar o aquecimento médio a bem abaixo de 2 °C, a meta do acordo climático de Paris de 2015.
Como cientista climático e consultor científico do ponto focal chileno do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acho que a produção do próximo conjunto de relatórios científicos sobre mudanças climáticas, deve se alinhar aos cronogramas de revisão do acordo de Paris, em vez de ser separada.
Este é um momento crucial. No ano passado, o IPCC começou a trabalhar em seu sétimo relatório de avaliação (AR7). Publicadas desde 1990, a cada seis ou sete anos, essas compilações massivas de evidências científicas sobre o aquecimento global, influenciaram as ações governamentais sobre mudanças climáticas em todo o mundo.
Mas o cenário político mudou, desde que o acordo climático de Paris foi assinado. A comunidade global de políticas climáticas, agora se ajusta em torno de seus ciclos de cinco anos. As nações atualizarão seus planos de redução de emissões em 2025 e 2030, e revisarão o progresso no meio do caminho em 2028 e 2033. As reuniões da COP de novembro, são o caminho mundial para tais discussões internacionais.
Nenhum cronograma foi definido para o lançamento do AR7, embora uma janela provável ocorra, entre o início de 2028 e o início de 2029. Na minha opinião, o IPCC deve garantir que o prazo anterior seja cumprido. A disponibilidade desses relatórios será essencial para o balanço global das ações climáticas em novembro de 2028.
O IPCC abrange as comunidades científica e política. Os cientistas avaliam a literatura e escrevem os relatórios, certificando-se de que sejam cientificamente precisos. Um painel de delegados governamentais de 195 países membros, garante que os relatórios do IPCC sejam relevantes para a política. Este painel também decide sobre a estrutura, os produtos e o cronograma de cada ciclo do IPCC.
Até agora, a duração dos ciclos do IPCC tem sido em grande parte uma questão científica, seu ritmo modulado pela geração de novos modelos climáticos e experimentos desenvolvidos pelo Climate Model Intercomparison Project. Mas o cronograma de Paris representa um enigma para o IPCC. Ele deve permanecer sincronizado com o processo mais lento e orientado a modelos e priorizar uma produção científica mais completa, ou deve alinhar seu cronograma com os ciclos do acordo de Paris e priorizar a relevância política?
Por um lado, o IPCC deve fornecer aos governos a melhor ciência disponível e, portanto, não apressar suas avaliações antes que muitos artigos de qualidade tenham sido publicados. Por outro lado, o IPCC foi criado para fornecer informações relevantes para políticas, não relatórios longos periódicos.
Os inventários globais de emissões de Paris, são uma parte importante e integral dos esforços internacionais para enfrentar as mudanças climáticas. Se o IPCC não fornece informações pontuais e relevantes para políticas para inventários quando pode, por que ele existe? De fato, o texto da decisão para o primeiro inventário convidou explicitamente o IPCC a trabalhar em conjunto, e fornecer informações relevantes e oportunas.
Há duas perspectivas entre as nações representadas no IPCC. A maioria enfatiza a relevância política do IPCC, e preferiria publicar todos os três relatórios em 2028, a tempo de informar o balanço global. Mas alguns defendem a meticulosidade. Eles argumentam que o cronograma proposto é muito restrito para uma avaliação aprofundada da literatura, e uma revisão abrangente do governo, especialmente para países de baixa ou média renda (LMICs), então no prazo de 2028, tornaria o processo menos inclusivo.
Esses são pontos válidos. Países de alta renda (HICs) têm equipes de funcionários do governo e cientistas trabalhando em redes estabelecidas. Essas conexões são subdesenvolvidas em países de baixa e média renda, então eles podem ter que sobrecarregar uma única pessoa com todo o trabalho de revisão governamental.
A publicação de estudos locais relevantes para o IPCC, também demora mais em países de baixa e média renda, e esses artigos às vezes não são publicados em inglês. De fato, o AR6 destacou diferenças gritantes entre HICs e países de baixa e média renda na disponibilidade, concordância e confiança em evidências científicas, questões que devem ser abordadas no AR7.
No entanto, como foi bem argumentado por colegas em países de baixa e média renda, atrasar a publicação do AR7, por apenas seis ou nove meses, no máximo, não resolveria esses problemas estruturais. De fato, excluir qualquer um dos relatórios do AR7 do balanço global em 2028, enfraqueceria a ação climática. Isso teria um impacto negativo maior na inclusão e igualdade globais, porque os países de baixa e média renda são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Na minha opinião, é desnecessário trocar relevância política por inclusão. Em termos de ciência, é possível publicar todos os três relatórios AR7 até meados de 2028. Haverá literatura nova suficiente para avaliar até lá. O IPCC também está tomando medidas para melhorar a inclusão no AR7, por exemplo, visando incluir mais publicações em outros idiomas e literatura "cinza" não revisada por pares, e apoiando a criação de redes climáticas em países de baixa e média renda.
Peço aos cientistas do clima em todos os países, que se juntem ou estabeleçam redes climáticas nacionais. Entre em contato com seu ponto focal do IPCC e informe-o, assim como ao seu governo, sobre sua disposição de participar. Argumente que publicar todos os três relatórios AR7, antes do balanço global de 2028, beneficiará seu país e o mundo a longo prazo.
Fortes El Niños prepararam a Terra para a extinção em massa no passado
Comentário publicado na Science em 12/09/2024, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que o clima extremo provocado por mudanças no oceano preparou o cenário para a Grande Morte há 250 milhões de anos.
A maior extinção da história da Terra pode ter começado não apenas com um estrondo por um asteroide, mas também com uma mudança no vento.
Cerca de 250 milhões de anos atrás, mais de 80% das espécies marinhas e dois terços das terrestres morreram na extinção em massa do final do período Permiano, o momento mais próximo que a vida chegou da aniquilação. A maioria dos cientistas acredita que erupções vulcânicas massivas, no que hoje é a Sibéria, desencadearam o evento ao expelir dióxido de carbono (CO2), e aqueceram o planeta. Mas, de acordo com um estudo de modelagem publicado esta semana na Science, a Grande Morte foi iniciada por um padrão de mega-El Niño no oceano global da época, levando a extremos climáticos, que mataram florestas e deram início às extinções.
Erupções vulcânicas e impactos de asteroides são os culpados familiares por extinções em massa. A noção de que padrões climáticos podem amplificar seu impacto, diz Isabel Montañez, geoquímica da Universidade da Califórnia, "é uma lufada de ar fresco".
Registros da temperatura da superfície do mar antigo, com base em oscilações em isótopos de oxigênio nos dentes fossilizados de criaturas semelhantes a enguias chamadas conodontes, sugerem que os vastos oceanos conectados da época, Tétis e Panthalassa, eram mais quentes no Oeste e mais frios no Leste. Isso é semelhante ao Oceano Pacífico hoje, onde ventos alísios constantes acumulam água quente no Oeste. Mas os registros mostram que, à medida que a extinção se aproximava, esse padrão desapareceu, sugerindo que a água quente se espalhava periodicamente para o Leste, assim como acontece hoje durante os eventos El Niño, diz Yadong Sun, paleoclimatologista da Universidade de Geociências da China, e principal autor do estudo.
Esses registros de temperatura são confusos, então Sun recorreu a modeladores climáticos para aguçar a imagem. Na época da extinção do Permiano, a Terra era dominada por um supercontinente, Pangeia, que corria de polo a polo, deixando Tétis e Panthalassa para circundar grande parte do planeta. A equipe conectou essa geografia a um modelo climático desenvolvido pelo Met Office do Reino Unido, e incluiu fatores como o aumento dos gases de efeito estufa, causados pelas erupções da Sibéria. Isso permitiu que eles recriassem instantâneos do clima do planeta durante a Grande Morte, que durou 100.000 anos ou mais. "E, felizmente, tudo se encaixa", diz Sun.
Evidências geológicas sugerem que antes das erupções, os níveis atmosféricos de CO2 eram provavelmente cerca de 400 partes por milhão (ppm), semelhantes aos dias atuais. À medida que começaram a aumentar, o modelo mostrou que eventos profundos de El Niño começaram a ocorrer, diz Alexander Farnsworth, coautor do estudo e modelador paleoclimático da Universidade de Bristol. As águas quentes do Oeste no equador se espalharam para o Leste, impedindo que águas profundas e frias atingissem a superfície. O clima caótico teria sido desencadeado em todo o mundo, como acontece durante os efeitos do El Niños de hoje. À medida que os níveis de CO2 subiam para 800 ppm e além, os El Niños se tornaram mais assustadores do que qualquer outro na história, durando até 7 anos. "Você está vendo esse incrível acúmulo de calor, que simplesmente persiste", diz Farnsworth.
A Pangeia na época era exuberante nas costas, mas árida em seu vasto interior, algo como uma "super-Austrália", diz Wolfram Kürschner, um paleoclimatologista da Universidade de Oslo. Isso pode tê-la deixado mais vulnerável às oscilações de seca e chuvas excessivas causadas pelo El Niño e seu oposto, La Niña. Os extremos climáticos oscilantes, podem ajudar a explicar os registros geológicos do Permiano, que mostram períodos de grandes inundações e ausência de depósitos de carvão, sugerindo que as florestas haviam desaparecido. "Este é um grande passo à frente em nossa compreensão", diz ele.
Mais importante, diz Montañez, é o primeiro mecanismo de morte, que pode explicar adequadamente por que os registros fósseis mostram extinções em terra, começando milhares de anos antes daquelas no oceano. Isso era um quebra-cabeça na teoria do vulcão, porque o aquecimento global do CO2 em erupção deveria ter matado a vida em terra, na mesma época em que sufocou a circulação e a mistura oceânicas, matando espécies marinhas por falta de oxigênio. As oscilações do El Niño podem ser responsáveis pelo atraso, porque muitas espécies marinhas sobrevivem a elas melhor do que as espécies terrestres, com a notável exceção dos recifes de corais. E, de fato, as únicas espécies marinhas a sofrer uma morte precoce foram os corais.
Mega-El Niños não descartam outros métodos de extinção, na verdade, eles poderiam ter ajudado a empurrá-los adiante. Ao matar florestas, os El Niños poderiam ter liberado mais carbono na atmosfera, ajudando a manter os níveis altos entre os surtos de erupções, diz Farnsworth. Enquanto isso, produtos químicos nocivos das erupções, ou mesmo um aumento na radiação ultravioleta de produtos químicos destruidores de ozônio injetados na estratosfera, podem ter desempenhado um papel. "A taxa de extinção é tão alta que você deve ter vários fatores", diz Sun.
O estudo levanta a perspectiva perturbadora de que os níveis crescentes de gases de efeito estufa de hoje podem desencadear mega-El Niños semelhantes ao Permiano. Até agora, os modelos climáticos que projetam o futuro do El Niño sob o aquecimento atual, oferecem previsões mistas. "Ninguém sabe o que esperar", diz Judson Partin, um paleoclimatologista da Universidade do Texas em Austin.
Mas Sun se consola um pouco com a incerteza, dado que as perturbações do fim do Permiano pareciam começar quando os níveis de CO2 eram tão semelhantes aos de hoje. “Tudo o que acontece hoje, aconteceu antes.” Só que desta vez, a humanidade é o vulcão.
O que a ciência recomenda para mudar a opinião das pessoas sobre as mudanças climáticas
Comentário publicado na Nature em 06/09/2024, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que contar às pessoas sobre o consenso entre cientistas pode ajudar, mas especialistas acham que conversas pessoais sobre as consequências das mudanças climáticas nas vidas cotidianas das pessoas, também são necessárias, para esclarecê-las.
Dizer às pessoas que os cientistas concordam, quase unanimemente, que a mudança climática causada pelo homem está acontecendo, pode ajudar a empurrar seu pensamento nessa direção. Um estudo publicado no mês passado na Nature Human Behavior, testou essa "mensagem de consenso" em 27 países, e descobriu que as pessoas menos familiarizadas com a mensagem, ou que eram céticas em relação à ciência do clima, eram as mais propensas a mudar sua perspectiva, quando apresentadas a ela.
Pesquisadores de comunicação climática, que falaram com a equipe de notícias da Nature, dizem que as descobertas se somam a um crescente corpo de ciências sociais, que identificam as melhores estratégias para ajudar as pessoas a entenderem o conceito de que a mudança climática é real, mas que a mensagem de consenso, nem sempre se traduz em uma mudança duradoura de perspectiva.
Para uma mudança duradoura, eles sugerem, a mensagem precisa ser pessoalmente relevante. Isso porque "a mudança climática está afetando as pessoas, os lugares e as coisas que amamos agora", diz Anthony Leiserowitz, diretor do Programa de Comunicação sobre Mudança Climática de Yale em New Haven, Connecticut.
Comunicado de consenso
Muitos estudos descobriram que, informar as pessoas sobre o consenso científico sobre as mudanças climáticas, pode mudar suas atitudes. Mas a maioria se concentrou nas opiniões climáticas nos Estados Unidos. Bojana Većkalov, psicóloga social da Universidade de Amsterdã, e seus colegas, queriam ver se essa mensagem funciona entre culturas.
Eles compartilharam uma pesquisa on-line, por meio de mídias sociais e boletins informativos por e-mail e, em seguida, analisaram 10.527 respostas de pessoas em 27 países. Os entrevistados estimaram a proporção de cientistas do clima, que eles acham que concordam que a mudança climática causada pelo homem existe. Eles então classificaram o quão confiantes estavam em suas estimativas, e compartilharam suas próprias opiniões. Depois, os pesquisadores mostraram aos participantes vários fatos, incluindo que 97% dos cientistas do clima concordam que a mudança climática causada pelo homem é real, e então os pesquisaram novamente.
O fato de alguns, incluindo aqueles que são politicamente conservadores, terem mudado suas opiniões, é uma "prova da autoridade cultural universal da ciência", diz Većkalov.
David Holmes, um sociólogo da mídia e presidente-executivo da organização sem fins lucrativos Climate Communications Australia em Melbourne, diz que este estudo "reconfirmou estudos anteriores", mostrando que a mensagem de consenso funciona, mesmo em escala global. Ele gostaria, no entanto, que a equipe pudesse ter descoberto tendências em nível de país, ou discernido se várias atitudes culturais tiveram impacto nos resultados. O estudo também não testou se a mudança era duradoura.
Relevância pessoal
O que fica claro neste estudo e em outros, no entanto, é que as estratégias de comunicação climática se tornaram mais sofisticadas, à medida que os pesquisadores aprenderam o que funciona. Já se foram os dias de mostrar um urso polar agarrado a uma camada de gelo derretida, para explicar a seriedade da situação. É importante falar sobre o aquecimento global, "não como uma questão do urso polar, mas como uma questão das pessoas", diz Leiserowitz.
Uma área emergente de pesquisa que se mostra promissora, dizem os pesquisadores, é como as conversas pessoais ajudam. Comece com coisas com as quais seu público se importa, como preços de alimentos, segurança nacional ou pesca, diz Matthew Goldberg, pesquisador de comunicação climática da Universidade de Yale. "Há um ângulo de mudança climática em quase tudo", ele acrescenta.
Montana Burgess é o diretor executivo da Neighbours United, uma organização de advocacia sem fins lucrativos em Castlegar, Canadá. A organização criou um kit de ferramentas de conversação climática, após ter sucesso na execução de uma campanha persuadindo pessoas em uma cidade rural no Canadá, a apoiar uma política de energia renovável. Burgess diz que uma das principais estratégias é "sair da terra dos fatos de discussão" trocando histórias pessoais. Por exemplo, como os incêndios florestais pioraram no Canadá, agora há "seis semanas do ano em que está muito enfumaçado e quente, para deixar meu filho sair, porque meu filho tem asma", diz Burgess. Ela se lembra de apenas alguns dias enfumaçados quando estava crescendo, então ela compartilha essa experiência para ajudar as pessoas a processarem as mudanças que estão vendo.
O próximo passo é ouvir com atenção e "conectar os pontos", entre a experiência de uma pessoa, e as informações climáticas locais, diz Goldberg.
Essa estratégia é baseada em um estudo histórico, no qual os pesquisadores foram de porta em porta, e tiveram conversas de dez minutos com eleitores em Miami, Flórida, que visavam reduzir o preconceito contra pessoas transgênero. Depois de compartilhar suas opiniões, os eleitores foram convidados a falar sobre uma ocasião em que enfrentaram julgamento, por serem diferentes dos outros. As conversas aumentaram o apoio a uma lei de não discriminação, e a aceitação social persistiu quando os participantes foram pesquisados novamente três meses depois. Usar essa estratégia especificamente com as mudanças climáticas, ainda está sendo testado sistematicamente.
Leserowitz tem uma experiência pessoal que sugere que a estratégia funcionará. Ele tem um membro da família que costumava negar as mudanças climáticas. "Levei cerca de 20 anos de conversas lentas, cuidadosas, amorosas e solidárias" para mudar sua opinião, diz ele.
Qual é a temperatura ambiente mais alta com a qual os seres humanos podem sobreviver?
Editorial publicado na Nature em 14/08/2024, onde os editorialistas afirmam que o limite para sobrevivência no calor é menor do que se pensava. Os pesquisadores estão usando câmaras climáticas de última geração para explorar o quanto as condições escaldantes ameaçam a vida, e estão redefinindo esse limite.
Em 2019, o fisiologista Ollie Jay, começou a projetar uma câmara que poderia simular as ondas de calor de hoje e do futuro. Dezoito meses depois, uma estrutura de 2 milhões de dólares australianos foi construída, embalada em Brisbane na Austrália, e levada por 1.000 quilômetros até a Universidade de Sydney, onde foi içada para o último andar de um prédio de vidro brilhante. Agora, pesquisadores, incluindo Jay, estão usando-a para testar os limites da sobrevivência humana em calor extremo, que são surpreendentemente mal compreendidos.
“O problema é que, hoje, você tem essas condições que podem parecer quentes, mas não sabemos realmente o que isso fará com as pessoas”, diz Jay, que dirige o laboratório de calor e saúde, da Universidade de Sydney. “Ao simular essas condições e expor as pessoas a elas, sob cuidadosa supervisão médica, podemos entender melhor a fisiologia de como as pessoas responderão”, diz ele. A equipe de Jay também está explorando quais estratégias de resfriamento funcionam melhor, para reduzir os riscos à saúde da exposição ao calor.
À medida que as mudanças climáticas aquecem a Terra, dias escaldantes se tornaram uma característica regular, dos relatórios meteorológicos em todo o mundo. No mês passado, o recorde do dia mais quente do mundo foi quebrado duas vezes, e as Nações Unidas fizeram um apelo global para ação sobre o calor extremo, para ajudar pessoas, trabalhadores e economias vulneráveis, a lidar com o calor usando a ciência. Cerca de 70% da força de trabalho global, 2,4 bilhões de pessoas, agora correm alto risco de exposição ao calor extremo, disse.
Apesar disso, o aconselhamento público sobre como lidar com altas temperaturas é ruim, e as maneiras pelas quais as pessoas podem se refrescar efetivamente, ainda não foram bem estudadas. "Se você olhar para os avisos de calor de organizações respeitadas como os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA e a Organização Mundial da Saúde, eles estão cheios de erros, quando se trata de fisiologia humana", diz Larry Kenney, fisiologista da Universidade Estadual da Pensilvânia em University Park.
Câmara de calor
A equipe de Jay está usando sua câmara climática de última geração, para investigar as condições sob as quais o calor ameaça a vida, como e quais maneiras práticas e baseadas em evidências, existem para se manter o corpo fresco.
A câmara é uma sala de 4 metros por 5 metros. Os pesquisadores podem aumentar ou diminuir a temperatura em 1 °C a cada minuto, de 5 °C a escaldantes 55 °C, controlar a velocidade do vento, e simular a luz do sol, usando lâmpadas infravermelhas. Eles também podem ajustar a umidade, uma variável-chave, que influencia os efeitos do calor no corpo. "É um feito de engenharia", diz Jay.
Os participantes do teste podem comer, dormir e se exercitar dentro da câmara; os pesquisadores passam comida e outros itens para eles por uma escotilha. Sensores conectados a eles, enviam informações para a sala de controle adjacente, que processa dados sobre variáveis, incluindo frequência cardíaca, respiração, suor e temperatura corporal.
Os limites de calor para humanos foram mal definidos, em parte, porque os órgãos de saúde pública confiaram demais em um estudo teórico, publicado em 2010, diz Jay. Nesse artigo, os pesquisadores usaram modelos matemáticos para definir a "temperatura de bulbo úmido" (WBT), na qual uma pessoa jovem e saudável morreria após seis horas. WBT é uma medida que os cientistas usam ao estudar o estresse por calor, porque ela leva em conta os efeitos do calor e da umidade.
Os modelos produziram uma WBT de 35 °C, como o limite de sobrevivência humana. Nesse limite, a temperatura interna do corpo aumentaria incontrolavelmente. Mas o modelo tratou o corpo humano como um objeto sem roupa. que não transpira nem se move, tornando o resultado menos aplicável ao mundo real.
Apesar disso, inúmeros órgãos de saúde pública o adotaram, até mesmo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, reduzindo a motivação para obter um número mais relevante, diz Jay. "É um modelo físico básico com muitas limitações, mas quase todo mundo está usando isso."
Limite reduzido
Em um estudo de 2021, Kenney e seus colegas, forneceram uma estimativa melhor: um limite de sobrevivência WBT de cerca de 31 °C. Eles o calcularam, rastreando a temperatura corporal central de pessoas jovens e saudáveis, sob diferentes combinações de temperatura e umidade enquanto pedalavam.
"Você ainda vê a temperatura de bulbo úmido de 35 °C sendo jogada por aí, mas as pessoas estão começando a chegar ao limite definido pelo laboratório de Kenney", diz Robert Meade, pesquisador de calor e saúde na Universidade Harvard em Cambridge, Massachusetts.
O grupo de Kenney também trabalha com uma câmara climática, e há dezenas delas no mundo todo, muitas dedicadas à ciência do esporte. Mas Kenney diz, que apenas alguns grupos, incluindo o de Jay, estão na vanguarda do uso delas, para entender melhor como as pessoas lidam com o calor extremo.
Modelo fisiológico
A equipe de Jay está testando um modelo matemático, de como o corpo lida com calor extremo, publicado no ano passado. O modelo usa dados de estudos, que mediram a capacidade de suor em pessoas mais velhas e mais jovens, e segue leis físicas, para prever como o calor é transferido entre o corpo e o ambiente.
"O fato de eles terem incorporado a fisiologia, o que muito poucos modelos fazem, e fazem bem, acho que isso o torna o melhor modelo atualmente disponível", diz Kenney, que colaborou com Jay em outras pesquisas.
A maioria dos modelos de resposta do corpo ao calor, se concentra em pessoas jovens e saudáveis na sombra. Mas o modelo de Jay e sua equipe, estimou os limites de sobrevivência na sombra e na luz solar ao longo das idades, e enquanto as pessoas estavam descansando ou se exercitando. Entre seus resultados, eles estimaram limites de sobrevivência WBT entre 26 °C e 34 °C para jovens e 21 °C a 34 °C para pessoas mais velhas.
"A flexibilidade e a capacidade de avaliar facilmente esses diferentes cenários, são o principal avanço do modelo", diz Meade.
Sem surpresa, o modelo sugere que os limites de sobrevivência são menores quando as pessoas são expostas ao Sol em comparação à sombra, e para pessoas com mais de 65 anos, em comparação com aquelas com idade entre 18 e 40 anos. A equipe também usou o modelo para definir limites de habitabilidade, condições nas quais pessoas mais velhas e mais jovens, poderiam realizar tarefas com segurança, como trabalho de mesa, caminhar, subir escadas, dançar e levantar peso. Apesar de seus pontos fortes, o modelo ainda precisa ser testado mais em pessoas, diz Meade.
Para fazer isso, a equipe de Jay está primeiro expondo pessoas jovens e saudáveis na câmara climática a combinações de temperatura e umidade, enquanto monitora variáveis como sua temperatura corporal central, frequência cardíaca e suor, até um limite de temperatura acima do qual seria inseguro.
Em testes futuros, os pesquisadores planejam testar a resposta do corpo ao calor em condições de sombra e luz solar, em todas as idades e durante o exercício. Eles usarão dados desses testes para melhorar o modelo, que, por sua vez, pode ser usado para desenvolver melhores conselhos de saúde, para pessoas com maior risco em calor intenso.
Precisa relaxar
O outro foco do laboratório, encontrar estratégias de resfriamento eficazes, envolve imitar as condições de ambientes, onde o calor pode afetar a saúde dos trabalhadores. Em um teste, a equipe de Jay está testando estratégias de resfriamento, que podem ajudar os trabalhadores de fábricas de vestuário em Bangladesh, onde as pessoas normalmente trabalham longas horas em climas quentes, com pouco acesso a ar-condicionado.
Os pesquisadores mediram anteriormente o calor e a umidade em três andares de uma fábrica de roupas na capital, Dhaka. "Nós recriamos essas condições na câmara e o trabalho que as pessoas faziam, as mulheres costuravam e os homens passavam", ele diz. Os participantes do teste usavam roupas que os trabalhadores normalmente usariam na fábrica.
Em cerca de 240 testes em câmaras climáticas, a equipe mediu as funções corporais das pessoas e sua produtividade no trabalho, diz Jay, "porque um dos problemas é que as pessoas desaceleram, quando ficam quentes". Os cientistas testaram métodos de resfriamento, como usar ventiladores e beber água regularmente, e simularam os efeitos da mudança da cor do telhado da fábrica. Os pesquisadores planejam enviar seus resultados para um periódico.
A equipe de Jay também explorou como ventiladores elétricos e molhar a pele, afetam a tensão cardíaca em pessoas mais velhas, em diferentes combinações de calor e umidade. Os pesquisadores descobriram que, em condições úmidas, o uso do ventilador reduziu a tensão cardíaca até uma temperatura do ar de pelo menos 38 ˚C. Mas no calor seco, o uso do ventilador aumentou a tensão cardíaca. Molhar a pele foi benéfico tanto no calor seco quanto no úmido.
"Identificar as situações em que estratégias comuns de resfriamento, como uso de ventilador e molhar a pele com água, funcionam melhor, é essencial para proteger a saúde pública", diz Meade.
Resfriamento de baixa tecnologia
Jay e seus colegas já popularizaram um método para resfriar bebês em carrinhos de bebê. “Em um dia quente, as pessoas cobrem seus carrinhos de bebê com esses panos de musselina branca, mas há toda essa controvérsia sobre se isso é bom ou ruim”, ele diz. Em um estudo de 2023, a equipe descobriu que um pano de musselina branca e seco, pode aquecer carrinhos de bebê em mais de 2,5 °C, mas um úmido teve o melhor efeito de resfriamento. “Ele extrai a energia térmica latente de dentro do carrinho e o mantém mais frio em cerca de 5 °C”, ele diz.
“Dados revelam como os médicos levam a dor das mulheres menos a sério do que a dor dos homens.”
Comentário publicado na Nature em 05/08/2024, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que um estudo sugere que as mulheres têm acesso mais limitado a analgésicos e cuidados médicos do que os homens, em um departamento de emergência.
Os médicos tratam homens e mulheres de maneira diferente quando se trata de dor, as mulheres esperam mais tempo no hospital para serem vistas, e são menos propensas a receber medicação para dor do que os homens, mostra um estudo comparando como a dor é percebida e tratada, em pacientes do sexo masculino e feminino.
Os resultados, publicados em 5 de agosto na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, destacam como nossa percepção das experiências de dor dos outros, pode ser afetada por um viés inconsciente.
“Quando se queixam de dor, as mulheres são vistas como exageradas ou histéricas, e os homens são vistos como mais estoicos”, diz o co-autor Alex Gileles-Hillel, médico-cientista do Centro Médico da Universidade Hadassah-Hebrew, em Jerusalém.
Minimização da dor das mulheres
Gileles-Hillel e seus colegas, investigaram a extensão desse viés, nos departamentos de emergência em hospitais israelenses e norte-americanos. Eles analisaram mais de 20.000 notas de alta de pacientes, que vieram com queixas de dor “não específicas”, aquelas sem uma causa subjacente clara, como dores de cabeça, por exemplo.
A análise descobriu que, ao chegar ao hospital pela primeira vez, as mulheres eram 10% menos propensas a ter uma pontuação de dor registrada do que os homens, um número de 1 a 10, dado pelo paciente, que ajuda a informar os médicos sobre a gravidade da dor. Após a avaliação inicial, as mulheres esperaram uma média de 30 minutos a mais do que os homens para ver um médico, e eram menos propensas do que os homens, a receber uma medicação para a dor. Essa tendência foi consistente, independentemente do sexo do enfermeiro ou do médico. “As mulheres podem ter as mesmas visões estereotipadas que os homens, sobre a dor nas mulheres”, diz Gileles-Hillel.
Os pesquisadores também testaram como 100 profissionais de saúde perceberam a dor dos pacientes. Os participantes foram apresentados com um cenário de paciente com dor nas costas grave, e receberam informações clínicas prévias do paciente. Os perfis dos pacientes eram idênticos, com exceção do sexo. Os participantes consistentemente deram maiores escores de dor ao paciente do sexo masculino do que ao feminino.
“Uma das razões pelas quais vemos isso no contexto da dor, é porque não há medidas objetivas para a dor, então o médico tem que confiar no relato do paciente. Isso permite mais preconceitos”, diz Diane Hoffmann, pesquisadora de saúde da Universidade de Maryland, em Baltimore. Ela acrescenta que o problema deve ser destacado durante o treinamento médico, para equipar os médicos com uma melhor compreensão da dor e o potencial de um viés de gênero, ao tratá-la.
Uma solução mais imediata que Gileles-Hillel quer testar, é se o uso de sistemas de computador para gerar lembretes, pode ser suficiente para equilibrar a justiça, por exemplo, um alerta pode aconselhar um médico a prescrever analgésicos quando um paciente relatou um alto índice de dor, independentemente do sexo. “Os médicos não estão cientes desse viés”, diz ele. “A conscientização é uma solução.”
Quem é legalmente responsável pelos danos climáticos?
Editorial publicado na Nature em 13/08/2024, onde os editorialistas afirmam que o Tribunal Internacional de Justiça esclarecerá a responsabilidade legal dos estados, pelos impactos das mudanças climáticas. Embora não seja vinculativo, essa opinião será importante para milhares de processos climáticos.
Vale a pena repetir várias vezes: a ciência não está em questão. Altas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera estão aquecendo o planeta. O direito internacional também é claro: sob o acordo climático de Paris, juridicamente vinculativo, as nações se comprometeram a manter as temperaturas médias dentro de 1,5 °C dos níveis pré-industriais. E, no entanto, à medida que as emissões continuam a aumentar, o aumento da temperatura global quase certamente excederá esse limite.
A comunidade de pesquisa está frustrada porque seus avisos não estão sendo ouvidos. Qual é o sentido de um acordo juridicamente vinculativo, se os países podem efetivamente ignorá-lo? Alguns cientistas estão argumentando que os pesquisadores do clima precisam se tornar ativistas do clima também. Mas outros, e mais do que alguns governos, não estão desistindo da via legal. Como o acordo de Paris não tem um mecanismo de execução, eles querem que os tribunais garantam que, todos aqueles com responsabilidade climática, nacional e internacionalmente, possam ser responsabilizados por suas promessas. E eles têm estado ocupados indo aos tribunais.
Até o final do ano passado, 2.666 casos de litígio climático foram registrados em todo o mundo, de acordo com um relatório do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment, publicado em junho. A maioria dos reclamantes são indivíduos, jovens e idosos, bem como organizações não governamentais (ONGs). Todos buscam responsabilizar governos e empresas por suas promessas climáticas. Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas reconheceu que, se bem-sucedido, o litígio climático “pode levar a um aumento na ambição geral de um país de enfrentar as mudanças climáticas”. Observe a frase “se bem-sucedido”.
Houve um punhado de julgamentos históricos. Por exemplo, em maio, tribunais na Alemanha e no Reino Unido separadamente concluíram, que as políticas de seus governos não atingiriam as metas de redução de emissões estabelecidas em lei. Mas a maioria dos requerentes luta para obter um resultado positivo, como Joana Setzer e Catherine Higham, pesquisadoras do Grantham Institute em Londres, mostram em seu relatório. Muitos litígios climáticos estão atolados em um labirinto de processos e procedimentos. Em alguns casos, os respondentes, principalmente corporações, estão embarcando em contra litígios, essencialmente desafiando leis climáticas das quais não gostam.
É aqui que a entrada do mais alto tribunal do mundo pode mudar o jogo. Nos próximos meses, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judicial das Nações Unidas em Haia, na Holanda, começará a ouvir evidências sobre duas questões amplas: primeiro, quais são as obrigações dos países no direito internacional para proteger o sistema climático das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa e, segundo, quais devem ser as consequências legais para os estados quando suas ações, ou omissão de ação, causam danos?
Este pode ser um dos desenvolvimentos mais consequentes na política climática desde o próprio acordo de Paris. Adil Najam, presidente da ONG de conservação global WWF, escreve em uma World View que a opinião do CIJ "amplificará as vozes de milhões de cientistas e cidadãos, que estão exigindo forte ambição e ação sobre o clima e a proteção da natureza".
Essas vozes incluem pessoas argumentando contra o greenwashing, ou pela proteção contra as mudanças climáticas como um direito humano, bem como autoridades públicas buscando compensação de corporações por danos relacionados ao clima, sob o princípio do "poluidor pagador". Em setembro passado, a Califórnia iniciou uma ação legal contra cinco das maiores empresas de petróleo do mundo, BP, Chevron, ConocoPhillips, Exxon e Shell, e suas subsidiárias, exigindo que paguem "pelos custos de seus impactos ao meio ambiente, à saúde humana e aos meios de subsistência dos californianos, e ajudem a proteger o estado contra os danos que as mudanças climáticas causarão nos próximos anos".
O Ministério Público do Brasil e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, estão buscando indenização por danos especificamente por emissões de gases de efeito estufa, causadas pelo desmatamento ilegal. A opinião do CIJ, embora não vinculativa, será especialmente importante para países de baixa e média renda, que têm comparativamente menos acesso a expertise em ciência, política e direito climático, do que países de alta renda.
Preocupações com a Corte
Uma crítica ao litígio climático afirma que os tribunais não devem se envolver no que são essencialmente processos políticos. O argumento é que, se as leis climáticas não têm um mecanismo de execução, os governos precisam legislar para um. De acordo com essa ideia, não deveria caber aos tribunais fazerem algo que é trabalho dos governos; isso seria um exagero judicial.
Os tribunais estão bem cientes dessas preocupações, e o TIJ também estará. A reparação legal é apenas uma ferramenta em uma caixa de ferramentas maior de ações. Em última análise, a ação climática em escala e ritmo, acontecerá apenas quando a comunidade internacional estiver convencida de que a humanidade não tem alternativa, a não ser descarbonizar de forma justa; não por causa da ameaça de processos, mas porque nossa sobrevivência coletiva depende disso.
Mas a lei tem um papel fundamental. E a opinião do TIJ, apoiada pelos mais altos padrões de evidência, será necessária para esclarecer a responsabilidade dos estados pelos danos climáticos e sua obrigação de proteger o meio ambiente das emissões.
A memória para música não desaparece e persiste com a idade
Comentário publicado na Nature em 24/07/2024, em que uma pesquisadora britânica afirma que pessoas de oitenta anos conseguem identificar melodias familiares tão bem quanto os adolescentes.
A capacidade de lembrar e reconhecer um tema musical, não parece ser afetada pela idade, ao contrário de muitas outras formas de memória.
"Você ouvirá anedotas o tempo todo sobre como pessoas com Alzheimer grave não conseguem falar, não conseguem reconhecer pessoas, mas cantam as músicas de sua infância ou tocam piano", diz Sarah Sauvé, uma cientista musical feminista, agora na Universidade de Lincoln, no Reino Unido.
Pesquisas anteriores mostraram, que muitos aspectos da memória são afetados pelo envelhecimento, como tarefas de recordação que exigem processamento em tempo real, enquanto tarefas de reconhecimento que dependem de informações bem conhecidas e processos automáticos, não são. O efeito da idade na capacidade de recordar música também foi investigado, mas Sauvé estava interessada em explorar esse efeito em um ambiente do mundo real, como um concerto.
Em seu estudo, ela testou o quão bem as pessoas de um grupo de aproximadamente 90 adultos saudáveis, com idades entre 18 e 86 anos, foram capazes de reconhecer temas musicais familiares e desconhecidos, em um concerto ao vivo. Os participantes foram recrutados em uma apresentação da Newfoundland Symphony Orchestra em St John's, Canadá. Outras 31 pessoas assistiram a uma gravação do concerto em um laboratório.
O estudo se concentrou em três peças musicais tocadas no concerto: Eine kleine Nachtmusik de Mozart, que os pesquisadores presumiram que a maioria dos participantes conhecia, e duas peças experimentais, especialmente encomendadas. Uma delas era tonal e fácil de ouvir; a outra era mais atonal, e não se conformava com as normas melódicas típicas da música clássica ocidental. Uma curta frase melódica de cada uma das três peças foi tocada três vezes no início daquela peça, e os participantes então registravam, sempre que reconheciam aquele tema na peça.
A frase melódica de Eine kleine Nachtmusik foi igualmente bem reconhecida em todas as idades e origens musicais, sem perda de reconhecimento conforme a idade aumentava. Todos os participantes estavam menos confiantes em reconhecer o tema na peça tonal desconhecida, e ainda menos confiantes com a peça atonal desconhecida. Esse padrão também não variou com a idade. O estudo também não encontrou nenhuma diferença relacionada à idade, nos resultados entre os participantes do concerto e aqueles no laboratório.
Steffen Herff, um neurocientista cognitivo da Universidade de Sydney, Austrália, diz que a razão pela qual a memória musical parece ser resistente a declínios cognitivos relacionados à idade, pode ter a ver com as emoções que a música desperta nas pessoas, o que a torna mais codificada na memória. "Sabemos pela pesquisa geral sobre memória que, efetivamente, a amígdala, ou processamento emocional, opera um pouco como um selo de importância", diz ele.
A música também tende a seguir certas regras, então "é relativamente fácil ter uma boa ideia do que aconteceu no meio", diz Herff.
O estudo coletou dados limitados sobre a saúde cognitiva de alguns participantes e, portanto, não forneceu insights detalhados sobre como deficiências cognitivas ou doenças neurodegenerativas, afetam a recuperação da memória. Mas Herff diz que há grande interesse em usar a música como uma forma de "andaime cognitivo", ou seja, como um auxílio de memória para outras informações, em indivíduos com condições neurogenerativas, como demência.
Estudo de imagens cerebrais em crianças mostra que sexo e gênero operam em diferentes redes do cérebro
Comentário publicado na Science em 12/07/2024, em que um pesquisador britânico afirma que o estudo reforça a necessidade de considerar sexo e gênero separadamente na pesquisa biomédica.
Existe realmente um cérebro “masculino” ou “feminino”? O sexo certamente parece afetar o risco de uma pessoa desenvolver várias condições psiquiátricas e outras doenças relacionadas ao cérebro, mas os cientistas não sabem ao certo por quê. O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, por exemplo, é mais comumente diagnosticado em indivíduos designados como homens ao nascer (AMAB), enquanto aqueles designados como mulheres ao nascer (AFAB), têm maior probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade. Não está claro, no entanto, se estas diferenças são realmente motivadas pelo sexo, ou se têm mais a ver com a forma como as pessoas são percebidas e tratadas com base no seu sexo ou gênero.
Agora, uma nova investigação sugere que o sexo e o gênero estão associados a redes cerebrais distintas. Publicadas hoje na Science Advances, as descobertas baseiam-se em dados de imagens cerebrais de quase 5.000 crianças, para revelar que gênero e sexo não são apenas distintos um do outro na sociedade, eles também desempenham papéis únicos na biologia.
Na ciência, o termo “sexo biológico”, abrange uma variedade de características genéticas, hormonais e anatômicas. As pessoas são normalmente designadas como “masculino” ou “feminino” como o seu sexo à nascença, embora a instituição médica nos últimos anos tenha começado a reconhecer, que o sexo nem sempre se enquadra perfeitamente em categorias binárias. Na verdade, cerca de 0,05% das crianças nascidas nos Estados Unidos são consideradas intersexuais ao nascer. O gênero, por outro lado, tem mais a ver com as atitudes, sentimentos e comportamento de uma pessoa, e pode nem sempre estar alinhado com o sexo que lhe foi atribuído no nascimento.
Estas nuances muitas vezes passam despercebidas na neurociência, diz Sheila Shanmugan, psiquiatra reprodutiva da Universidade da Pensilvânia, que não esteve envolvida no novo estudo. As diferenças cerebrais baseadas no sexo e no gênero “têm sido historicamente pouco estudadas”, explica ela, “e os termos que descrevem cada uma são frequentemente confundidos”.
“Não creio que alguém tenha olhado para esta questão, de como as redes cerebrais estão relacionadas com o sexo versus como estão relacionadas com o gênero”, diz Lucina Uddin, professora de psiquiatria e ciências bio-comportamentais no Instituto Semel de Neurociência e Comportamento Humano em da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que não esteve envolvido no estudo. Na verdade, muitos estudos anteriores “nunca se preocuparam em perguntar sobre gênero”.
E, no entanto, tanto o sexo como o gênero são importantes para estudar, porque são “componentes essenciais da identidade”, diz Elvisha Dhamala, neurocientista dos Institutos Feinstein de Investigação Médica e do Hospital Zucker Hillside, e autora principal do novo estudo. “Está ficando cada vez mais claro que apenas olhar para o sexo não é suficiente”, diz ela. “Isso não vai nos dar todas as respostas.”
Para separar os efeitos do sexo na atividade cerebral daqueles de gênero, Dhamala e seus colegas, analisaram dados de imagens cerebrais coletados como parte do Estudo de Desenvolvimento Cognitivo do Cérebro Adolescente (ABCD), o maior estudo de longo prazo sobre o desenvolvimento do cérebro e a saúde infantil no mundo. A equipe analisou exames de ressonância magnética funcional (fMRI) de 4.727 crianças de 9 e 10 anos, todas do sexo feminino (2.315 crianças) ou do sexo masculino (2.442) ao nascer.
A recolha de dados de gênero foi um pouco mais complicada. O Estudo ABCD adota uma abordagem diferenciada, fazendo aos participantes quatro perguntas centradas no gênero, incluindo se se sentem satisfeitos com o gênero que lhes foi atribuído à nascença, explica Uddin, que atua como diretor associado de justiça, equidade, diversidade e inclusão do Estudo ABCD.
Como as crianças de 9 e 10 anos podem não ter um sentido completamente desenvolvido da sua própria identidade de gênero, o Estudo ABCD também faz aos pais dos participantes, um conjunto mais amplo de perguntas sobre certos comportamentos dos seus filhos, e sinais de disforia de gênero. Por exemplo, se notaram que o seu filho AMAB imita personagens femininas na televisão, ou que o seu filho AFAB expressa consistentemente o desejo de ser menino ou homem. “Esperamos acertar as perguntas, para captar esta construção complexa de gênero”, diz Uddin.
Durante a ressonância magnética funcional, os participantes do Estudo ABCD foram convidados a realizar um conjunto de testes neuro cognitivos, relacionados com coisas como memória e processamento emocional, para ver como diferentes regiões e redes do cérebro comunicam entre si. Dhamala e seus colegas, então alimentaram algoritmos de aprendizado de máquina com essas varreduras, para determinar se esses padrões de atividade no cérebro de uma criança, poderiam ser usados para identificar seu sexo e gênero.
Embora os algoritmos previssem com precisão o sexo atribuído a um participante no nascimento, eles tiveram mais dificuldade em determinar o sexo. Os modelos não conseguiram prever o gênero autorrelatado para nenhum dos sexos, mas identificaram alguns padrões de atividade cerebral que foram consistentemente associados ao gênero relatado pelos pais, possivelmente porque esta última medição capturou múltiplas dimensões da identidade de gênero.
Estas redes cerebrais associadas ao gênero eram distintas daquelas associadas ao sexo atribuído no nascimento. As redes que mostraram padrões de conectividade associados ao sexo, incluíam aquelas que desempenham um papel no processamento sensorial e no controle motor, enquanto as redes associadas ao gênero, estavam mais amplamente distribuídas por todo o cérebro, e tendiam a estar envolvidas em habilidades cognitivas como atenção, cognição social, e processamento emocional.
Dhamala e a sua equipe também têm o cuidado de observar, que as suas descobertas não devem ser mal interpretadas como evidência de que homens e mulheres nascem com cérebros distintamente diferentes, o que os leva a comportar-se de formas distintas. “Nada em nosso trabalho estabelece qualquer aspecto de causalidade”, explica ela. Os efeitos do sexo e do gênero no cérebro também podem surgir devido a fatores sociais e ambientais, incluindo papéis e estereótipos de gênero.
Mas as descobertas da equipe sugerem, que os neurocientistas precisam de considerar o sexo e o gênero separadamente na investigação biomédica, argumentam Dhamala e os seus colegas. É possível, observa Uddin, que agrupar os participantes do estudo por sexo, possa fazer com que os investigadores ignorem a influência de outras variáveis, como o gênero, na saúde e no comportamento humanos. A descoberta de que o sexo e o gênero influenciam o cérebro de diferentes maneiras, acrescenta ela, “poderia mudar a forma como fazemos ciência”.
Uma grande limitação do estudo é que inclui apenas dados de pessoas que ainda não atingiram a puberdade, diz Tobias Kaufmann, neurocientista com nomeações conjuntas na Universidade de Tübingen e na Universidade de Oslo, que não esteve envolvido no trabalho. “O mapeamento entre sexo e gênero pode mudar” durante a puberdade, explica ele, juntamente com a forma como estas duas características aparecem no cérebro. As normas de gênero também podem variar amplamente entre culturas, pelo que o Estudo ABCD, que inclui apenas crianças nos EUA, não reflete a população global, observam ele e outros, num artigo relacionado.
Este tipo específico de investigação também corre o risco de ser exagerado ou mal interpretado, acrescenta Kaufmann, observando que o trabalho sobre diferenças sexuais no cérebro tem sido usado para reforçar estereótipos de gênero prejudiciais. No século XIX, por exemplo, os cientistas usaram a diferença no peso médio do cérebro entre homens e mulheres, para argumentar que estas últimas eram menos inteligentes. E ainda recentemente, em 2003, o psicólogo clínico Simon Baron-Cohen afirmou, que os homens são naturalmente melhores a compreender e a construir sistemas, enquanto os cérebros das mulheres, estão programados para a empatia. “Tirados do contexto ou colocados sob uma luz errada”, diz Kaufmann, “os resultados podem ser facilmente usados para apoiar ou diminuir pontos de vista, ou para estigmatizar”.
A melhor maneira de evitar tais equívocos e realizar ciência rigorosa, diz Dhamala, é convidar pessoas transgênero e não conformes de gênero, cujos corpos e identidades foram historicamente excluídos ou tratados como anormais pelos cientistas, e podem ter percepções únicas sobre a natureza do sexo e gênero, no processo, tanto como participantes, quanto como colaboradores. “Você não pode necessariamente fazer pesquisas sobre uma população”, acrescenta ela, “se não incluir essa população em sua equipe de pesquisa”.
Atenção passageiros, forte turbulência pela frente: como os cientistas podem manter os viajantes aéreos seguros em um mundo em aquecimento
Comentário publicado na Nature em 16/07/2024, em que um pesquisador da Malásia afirma que os pesquisadores precisam descobrir como as alterações climáticas estão alterando o comportamento atmosférico, que vão desde o enfraquecimento das correntes de jato, que podem levar à ocorrência de voos mais agitados.
As alterações climáticas não estão apenas a provocar mais ondas de calor e furacões, estão também a tornar a atmosfera mais turbulenta. Como descobri enquanto voava de Kuala Lumpur para Londres há algumas semanas, solavancos repentinos do ar agitado, podem fazer seu café voar. Andar em jatos pode ser como estar em uma montanha-russa.
A turbulência aérea tem sido notícia, porque dezenas de passageiros de um voo da Singapore Airlines em maio ficaram feridos e uma pessoa morreu, quando o avião perdeu 54 metros de altitude em segundos sobre Mianmar. Esses passageiros não tiveram apenas azar; a frequência de tais eventos está a aumentar, porque o aquecimento global está a tornar o ar mais tempestuoso.
Como investigador em dinâmica de fluidos e alterações climáticas, posso assegurar-vos que voar, continua a ser um dos modos de viagem mais seguros. Mas também sei que as mudanças nos padrões de turbulência atmosférica, necessitam de muito mais investigação. Os cientistas precisam compreender como as alterações climáticas estão a alterar a pressão atmosférica, a flutuabilidade e as correntes de ar. Os pilotos precisam de ferramentas que possam prever e identificar áreas de extrema turbulência, que muitas vezes são invisíveis e podem ocorrer do nada.
Enquanto as nuvens de tempestade são óbvias e podem voar, a “turbulência em ar limpo”, é invisível a olho nu e ao radar convencional. As alterações climáticas estão a aumentar a gravidade e a frequência destas perturbações atmosféricas. Por exemplo, entre 1979 e 2020, a frequência de turbulência severa em ar limpo aumentou 55% nos Estados Unidos e no Oceano Atlântico Norte.
O aquecimento global está alterando os gradientes horizontais e verticais de temperatura na atmosfera, afetando a estabilidade atmosférica e os padrões de movimento do ar. Por exemplo, a turbulência do ar ocorre frequentemente em torno de correntes de jato, correntes de ar rápidas impulsionadas por diferenças de temperatura entre o Equador e os polos. Mudanças repentinas na velocidade e direção do vento, conhecidas como cisalhamento do vento, causam irregularidades. Dado que as regiões polares aquecem mais rapidamente do que as tropicais, as alterações climáticas estão a reduzir os gradientes de temperatura que provocam as correntes de jato, o que altera o seu comportamento.
Os gradientes verticais de temperatura também são afetados pelas mudanças climáticas. Os gases de efeito estufa retêm o calor nas camadas inferiores da atmosfera e a estratosfera esfria. Gradientes de temperatura maiores podem levar a convecções mais frequentes e intensas, resultando em tempestades mais fortes. Aviões próximos a áreas com forte convecção podem encontrar turbulência mais severa do que em qualquer outro lugar, fazendo com que pareça que seu voo está navegando em um mar tempestuoso.
As alterações climáticas também estão a fazer com que a gravidade, a flutuabilidade, a pressão, a inércia e a rotação interajam na atmosfera, de formas cada vez mais complexas. Por exemplo, à medida que a Terra aquece, as oscilações atmosféricas conhecidas como ondas gravitacionais, tornam-se mais frequentes e intensas. Essas ondas podem criar turbulência ao gerar forte cisalhamento vertical do vento. Eles também interagem com a corrente de jato e outras forças atmosféricas, levando a padrões climáticos mais imprevisíveis. Compreender essas mudanças dinâmicas é crucial para o desenvolvimento de modelos e estratégias preditivas para garantir a segurança da aviação.
É necessária ação em três áreas. Em primeiro lugar, os cientistas podem utilizar simulações computacionais da atmosfera da Terra, para obter uma compreensão teórica mais profunda dos mecanismos de turbulência do ar e como estes são afetados pelas alterações climáticas. O aumento da frequência de incidentes relacionados com turbulência, fornece estudos de caso e dados para refinar os modelos.
Em segundo lugar, os investigadores precisam desenvolver tecnologias para detectar e prever a turbulência atmosférica. Por exemplo, uma tecnologia chamada lidar, radar que utiliza lasers em vez de ondas de rádio, é capaz de detectar turbulências em ar puro, que o radar não consegue. No entanto, os sistemas atuais são grandes e pesados. Sistemas lidar mais compactos e econômicos, são urgentemente necessários para a indústria da aviação. Os satélites e as tecnologias meteorológicas também podem fornecer dados em tempo real, sobre as condições atmosféricas em vastas áreas. Esses dados podem ser inseridos em simulações, para modelar a turbulência ao longo da trajetória de uma aeronave em tempo real. Ao integrar estas ferramentas e tecnologias, os investigadores podem desenvolver modelos preditivos robustos e confiáveis.
Terceiro, a inteligência artificial (IA) pode ser usada para otimizar modelos preditivos. O treinamento de algoritmos de IA, em vastos conjuntos de dados de turbulência aérea, incluindo dados meteorológicos, leituras de sensores de aeronaves, registros históricos de voo, relatórios de pilotos, radar meteorológico e dados lidar, permitiria detectar mudanças sutis e padrões complexos em turbulência, aumentando a precisão das previsões. O uso de sistemas de IA também aceleraria os cálculos, tornando possíveis previsões de turbulência em tempo real. Para incorporar a IA, os investigadores precisam desenvolver algoritmos que possam lidar com a complexidade dos dados atmosféricos, melhorar a precisão e a velocidade das simulações e criar sistemas preditivos em tempo real, que possam ser aplicados para aumentar a segurança e a eficiência na aviação.
Tal como o resto do planeta, os céus contam uma história de mudança: a mão invisível do aquecimento global está a agitar a atmosfera de formas inesperadas. O incidente da Singapore Airlines deve ser um sinal de alerta. Os céus podem estar mais tempestuosos, mas com esforço e engenhosidade, os investigadores podem ajudar os viajantes a encontrarem um ar mais suave e seguro à frente.
‘Reciclagem química’: reação de 15 minutos transforma roupas velhas em moléculas úteis
Comentário publicado na Nature em 04/07/2024, onde um pesquisador americano afirma que a moda passageira cria milhões de toneladas de resíduos todos os anos, mas que uma reciclagem química inteligente poderia ajudar a resolver o problema.
Os pesquisadores desenvolveram uma técnica de processamento químico, que pode quebrar os tecidos em moléculas reutilizáveis, mesmo quando contêm uma mistura de materiais.
O processo mostra que a reciclagem química pode dar aos têxteis velhos uma nova vida. Se for ampliado, poderá ajudar a combater a crescente montanha de resíduos gerados pela indústria da moda, afirma o coautor do estudo Dionisios Vlachos, engenheiro da Universidade de Delaware, em Newark.
As estimativas sugerem que menos de 1% dos têxteis são reciclados, e quase três quartos das peças de vestuário usadas, acabam incineradas ou despejadas em aterros. Um terço ou mais dos microplásticos que acabam no oceano, vêm das roupas, diz Vlachos. “Nossa capacidade de desenvolver tecnologia para lidar com todos esses resíduos e removê-los do meio ambiente, dos aterros sanitários e dos oceanos, é muito importante.”
Miriam Ribul, que investiga materiais sustentáveis no Centro de Circularidade Têxtil do UKRI, afirma que embora a reciclagem deva ser considerada como um último recurso depois de reparar e reutilizar roupas velhas, a indústria acolheria com agrado “o investimento nestes novos processos e tecnologias para poder aumentar a escala”.
Têxteis complicados
Grande parte da reciclagem envolve a separação física dos resíduos em matérias-primas, mas esta abordagem apresenta deficiências, quando se trata de lidar com têxteis. Muitos tecidos são feitos de uma mistura de materiais, por exemplo algodão misturado com fibras sintéticas como o poliéster. As técnicas de reciclagem mecânica lutam para separar os têxteis multifibras em produtos que possam ser reutilizados. “A qualidade do que você obtém é reduzida”, diz Vlachos.
Em vez disso, os pesquisadores recorreram à reciclagem química, para decompor alguns componentes sintéticos, dos tecidos em blocos de construção reutilizáveis. Eles usaram uma reação química chamada glicólise assistida por micro-ondas, que pode quebrar grandes cadeias de moléculas, os polímeros, em unidades menores, com a ajuda de calor e um catalisador. Eles usaram isso para processar tecidos com diferentes composições, incluindo 100% poliéster e 50/50 polialgodão, que é composto de poliéster e algodão.
Para tecidos de poliéster puro, a reação converteu 90% do poliéster em uma molécula chamada BHET, que pode ser reciclada diretamente para criar mais tecidos de poliéster. Os pesquisadores descobriram que a reação não afetou o algodão, e portanto, em tecidos de poliéster-algodão, foi possível quebrar o poliéster e recuperar o algodão. O mais importante é que a equipe conseguiu otimizar as condições de reação para que o processo levasse apenas 15 minutos, tornando-o extremamente econômico. “Normalmente, essas coisas levam dias para serem quebradas. Então, passando de dias para alguns minutos, acho que esta é uma grande renovação”, diz Vlachos. Eventualmente, ele diz: “Acho que podemos realmente chegar a segundos”.
Aumentando a escala
O estudo também investigou como outras combinações de materiais respondem ao processo de reação. Os resultados foram bons, mesmo quando os têxteis continham proporções desconhecidas de fibras, incluindo algodão, poliéster, náilon ou spandex. O spandex se decompôs em uma molécula útil chamada MDA, e o náilon, assim como o algodão, pôde ser extraído intacto. No entanto, alguns materiais de poliéster produziram níveis reduzidos de BHET, incluindo tecidos tingidos, e aqueles que foram tratados para serem resistentes à luz ultravioleta ou ao fogo. A equipe sugere que mais pesquisas são necessárias para otimizar as condições para tais materiais.
Numa análise integrada no seu estudo, Vlachos e os seus colegas estimaram que, com um maior desenvolvimento, 88% das roupas em todo o mundo poderiam ser recicladas.
“Temos um processo simples que podemos dimensionar para tratar grandes quantidades de roupas”, afirma Vlachos. “Estamos muito otimistas de que isso possa realmente ser levado para o mundo real.”
Hormônios produzidos pelos mosquitos impulsionam a sua sede por sangue
Comentário publicado na Nature em 01/07/2024, em que pesquisadores de diferentes países comentam que um hormônio parece aumentar a sede dos insetos por uma refeição de sangue, enquanto outro hormônio, a reduz.
Um par de hormônios trabalha em conjunto para ativar ou suprimir o desejo de sangue dos mosquitos, de acordo com um estudo publicado hoje.
As descobertas revelam um possível mecanismo que impulsiona a atração dos mosquitos pelas pessoas e outros animais, que permaneceu um mistério até agora. “A descoberta poderá fornecer novos alvos de pesticidas, para prevenir a reprodução de mosquitos e a transmissão de doenças”, diz Zhen Zou, entomologista do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências, em Pequim.
As fêmeas da maioria das espécies de mosquitos, incluindo o Aedes aegypti, portador dos vírus que causam a dengue, a febre amarela e o zika, alimentam-se de sangue animal para o desenvolvimento dos seus ovos. Mas depois de fazerem uma refeição de sangue, o apetite por sangue diminui, até depois de botarem os ovos.
Michael Strand, entomologista da Universidade da Geórgia, em Atenas, queria compreender melhor o mecanismo que controla este ciclo de atração. Ele notou que os níveis de um hormônio produzido no intestino do inseto, chamado neuropeptídeo F (NPF), aumentavam quando os mosquitos procuravam um hospedeiro, e desapareciam depois de se banquetearem com sangue. “Isso nos motivou a verificar se a presença desse hormônio era um fator determinante na busca por uma refeição de sangue”, diz Strand.
Com seus colegas, Strand analisou células enteroendócrinas de mosquitos, que produzem hormônios no trato gastrointestinal. Como esperado, os níveis de NPF dispararam antes dos mosquitos se alimentarem de sangue, e caíram seis horas depois de se alimentarem. A atração dos mosquitos pelos humanos correspondia a esta oscilação hormonal: eles não demonstravam interesse pela mão humana no dia da refeição, mas iam direto para lá, depois de terem posto os ovos. “Havia uma imagem espelhada quase perfeita”, diz Strand.
Em seguida, os pesquisadores suprimiram o gene que produz NPF nas fêmeas dos mosquitos, e descobriram que isso reduzia sua atração pelos humanos. Quando injetaram o hormônio nesses mosquitos mutantes, ele restaurou seu interesse pelos humanos, mas teve pouco efeito nos mosquitos que carregavam ovos.
A equipe também descobriu, que certos neurônios que chegam ao intestino, produzem outro hormônio chamado RYamida, que regula o comportamento alimentar dos insetos. Assim como os níveis de NPF caíram após uma refeição de sangue, os níveis de RYamida aumentaram. Em mosquitos sem ovos, uma injeção de RYamida reduziu os seus níveis de NPF e suprimiu a sua atração por hospedeiros humanos, enquanto os mosquitos de controle, com níveis hormonais naturais, dispararam em direção à mão humana. Isto sugere que o NPF e a RYamide trabalham juntos, para estimular e para suprimir a atração do hospedeiro nos mosquitos.
Strand e seus colegas planejam investigar outros fatores moleculares envolvidos na atração do hospedeiro, para construir um quadro mais completo. “A vida nunca é simples”, diz ele.
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