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  • Foto do escritorDylvardo Costa Lima

CANTIM CORPORE SANO (PARTE 9)

Atualizado: 27 de dez. de 2023


2024 se aproxima


Editorial publicado na Science em 11/12/2023, onde o editorialista americano afirma que estamos realmente vivendo em dois mundos, um de descoberta e admiração, e outro de divisão. Isto significa que a liderança científica deve ser simultaneamente ousada e pastoral. Todos devemos defender a ciência e ao mesmo tempo cuidar da comunidade que a produz. Esta não é uma tarefa fácil, mas nunca foi tão importante.

 

Na semana passada, a Science refletiu sobre grandes conquistas na ciência em 2023, de medicamentos para perda de peso e uma vacina contra a malária, à computação exaescala e aos avanços na inteligência artificial. Estes são desenvolvimentos impressionantes, e fornecem ainda mais testemunhos do poder da ciência para expandir continuamente a qualidade de nossas vidas, enquanto aprofunda nossa compreensão do mundo.

 

Mesmo assim, é difícil terminar o ano sem preocupações sobre 2024. As guerras na Ucrânia e em Gaza vão avançar no ano novo, e os Estados Unidos estão caminhando para talvez a eleição presidencial mais importante e divisiva em mais de 160 anos. Esses eventos, e outros semelhantes em todo o mundo, desafiarão a coesão e a determinação da comunidade científica, como nunca antes.

 

A situação na Argentina pode ser um prenúncio do perigo à frente. Lá, os eleitores elegeram Javier Milei, “um político bombástico de direita”, na esteira de graves problemas econômicos no país. Milei prometeu encolher ou eliminar a principal agência científica da Argentina, que ele disse ser “improdutiva”, apesar do amplo reconhecimento internacional de sua importância. É provável que surjam gritos semelhantes na eleição dos EUA, onde um candidato de partido independente, Robert F. Kennedy Jr., já prometeu suspender a pesquisa patrocinada pelo governo sobre doenças infecciosas, e o candidato republicano Vivek Ramaswamy está chamando a mudança climática de uma farsa. Nenhum dos dois deve vencer, mas servem como um aviso de como os demagogos podem enganar os eleitores com a sua ignorância e explorar um sentimento crescente de suspeita em relação ao conhecimento científico.

 

Nos EUA, a confiança na ciência continua a declinar e a se tornar mais polarizada. Apenas 57% dos americanos agora acreditam que a ciência teve um efeito positivo na sociedade, uma queda de 16 pontos desde o início do surto da síndrome respiratória aguda grave do coronavírus. Esta divisão é evidente num estudo recente que mostra que, embora os conservadores e os liberais tenham a mesma tendência para acreditar em teorias da conspiração, as crenças que envolvem a ciência, como a negação da COVID-19, a eficácia e segurança das vacinas e as alterações climáticas causadas pelo homem, inclinam-se muito para a direita em seu nível de aceitação. Até mesmo dúvidas infundadas sobre as culturas geneticamente modificadas, que outrora eram defendidas principalmente pela esquerda, passaram para o centro. Com uma base de acordo em erosão sobre o que é considerado um fato bem fundamentado, é agora ainda mais difícil defender a ciência sem parecer partidário.

 

A solução para isso é assustadora, mas factível. A comunidade científica deve descobrir como se manifestar contra as atitudes e crenças anticientíficas sem parecer condescendente, e sem promover a paranoia populista. O que não ajuda, é o fato de que a confiança do público nas instituições de ensino superior dos EUA, onde a maior parte da investigação é conduzida, ter caído para 38%. No mês passado, o embaixador dos EUA no Japão, Rahm Emanuel, acertou em cheio quando disse a Sudip Parikh, diretor executivo da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, editora da Science), que os cientistas precisam começar a falar com “vozes externas”.

 

“Vocês podem ter todas as reuniões uns com os outros”, disse ele, “compartilhar documentos, fazer revisões por pares, mas ainda assim, o que vocês fizerem estará sempre sob ataque”. Como mostram estas pesquisas, este é um problema que a comunidade científica ainda não resolveu. Deve procurar novas formas de chegar ao público e apoiar melhor, aqueles que estão diretamente envolvidos com o público, e tentando alargar a compreensão da ciência, como a tentativa evolutiva da humanidade para descobrir como o mundo funciona, e como uma compreensão profunda da natureza pode ser aproveitada para beneficiar todos, independentemente da orientação política.


Assim, a comunidade científica deve colocar a sua própria casa em melhor ordem. Deve prestar atenção à moral e ao bem-estar dos formandos e estudantes, denunciar e abordar o preconceito e a discriminação nos seus processos, e assegurar a produção de um registro científico fiável através de um mecanismo de correção que seja expedito e transparente. Os erros nestes domínios tornam mais fácil para aqueles que estão sempre à procura da menor desculpa para amplificar os seus ataques à ciência.

Estamos realmente vivendo em dois mundos, um de descoberta e admiração, e outro de divisão. Isto significa que a liderança científica deve ser simultaneamente ousada e pastoral. Todos devemos defender a ciência e ao mesmo tempo cuidar da comunidade que a produz. Esta não é uma tarefa fácil, mas nunca foi tão importante.

 



“Faça a vida valer a pena”

Dr. Russen Moreira Conrado

Cirurgião Plástico e Psicoterapêuta

Colaborador do Jornal do Médico

 

Aprimorar o valor da vida, ainda que ensopado pela lama do sofrer, da solidão, ou do desprezo.

Alimentar a energia de quem partiu, e de quem foi sem avisar, e se restaurar quando nele pensar.

Que a saudade seja força para ajudar o alheio e a nós mesmos; jamais um vínculo de tormento e dor.

Chorar quando a vontade chegar; e se banhar do banho de amor, ainda que ele venha misturado na lágrima.

Sentir a força do viver quando o sentido do morrer balançar o pensar e o poder.

Fazer bom senso daquilo que não é factível ser transformado; e transformar-se mudando o que deve ser mudado.

Aprender a ser vencedor, também captando, entendendo e ensinando, o aprender a vencer dores.

Pensar na luz do desejo e dos sonhos sonhados acordado, como alicerce sem limites para sonhar.

Ser leal aos seus princípios e essência; e não se deixar guiar pelos deslizes dos deslimites e prazeres desmedidos.

Andar com amigos que resgatam a vontade de sorrir, e que fazem valer a pena o existir.

Plantar a semente do amar a si mesmo, e do partilhar esse amor com os outros; e colher os frutos vindos da árvore maior da divindade que nos guia.

Não se deixar afetar pelo nó do laço do perdão escondido; e se restaurar pelo traço do perdão pedido, jamais perdido.

Revigorar-se pela força do bem e pelo sorriso do amigo, que sofre pela perda vinda do medo ou da ilusão.

Aprimorar-se com o amor que estaciona na frente do pensar; e a toda hora, quando ele vem ou vai passear.

Auxiliar os outros com a certeza e sentido da desnecessidade de espalhar aos cantos, o encanto desse bem-servir.

Ajudar o sofrido, dar lenço aos esquecidos, consolar a lágrima escondida, e o silêncio que cala no coração abatido.

Remar no barco da solução ajudando pessoas ou amigos que estão enclausurados e algemados pelo navio da solidão.

Congelar e educar eventualmente, nossa língua (no falar e no degustar); e aprimorar as nossas capacidades de admirar, escutar e ajudar.

Agradecer e agradar, revigorando o preço da solidariedade; mesmo para os que vivenciam o fim da idade, ou estão perto da eternidade.

Ser e servir sem pensar na certeza da troca ou do troco que vem pelo bem-servir. Agir com bondade, generosidade e altruísmo, sempre.

Perceber e resgatar o amigo que precisa da percepção; essa que passa despercebida pela maioria das pessoas que passeiam no seu viver.

Regressar para ouvir quem teve a palavra cortada, e quem sofre calado; e ser “amiguirmão” também de quem não lhe estendeu a mão.

Perscrutar o indeciso e retirar da sofreguidão quem carece ser auferido ou alcançado. Dar pão e conforto ao necessitado. 

Desbravar sonhos e deslimitar os limites dos desejos; e transformar vontades no que muda o mundo, pela boa forma de amar o bom mudar. 

Ter e oferecer o amor como alicerce do consolo da dor, para quem não sabe o que é ser amado. 

Sentir-se merecedor da alegria, da paz e do bom louvor, que brota em todo o lugar; e saber que não merece dores. 

Ajudar sem precisar receber o retorno do agradecer; e aprender que faz bem fazer o bem, até a quem não corresponder.

Entregar a mão estendida para apoiar quem necessita; sem esperar que seja pedido esse implorar.

Evitar ser impedido pelos condicionamentos mentais, vindos das crenças que não sabemos contornar.

Abrilhantar o valor da serenidade e da bondade; quando a desrazão quer fazer morada, ou insiste em estacionar.

Entender que ninguém é totalmente igual ao seu querer, e vive a essência única do seu limite individual.

Dominar as emoções e não se deixar afundar pelo devastador efeito das decepções. A vida não é um rascunho para ser corrigido; é uma verdade redigida.

Sentir o sabor da alegria nas pequenas coisas despercebidas que vivenciamos; e adicionar o brilho do existir nos sonhos que tentamos.

Trabalhar o valor da alma, do corpo e do espírito; e enveredar na triunfante labuta que forma um legado para se espelhar, ou copiar.

Captar um colega que precisa de apoio, e anteceder-se à necessidade de receber um pedido (ou grito) de socorro.

Ser luz, quando o mar das dúvidas de outros, se entrelaçar pelo desfiladeiro da indecisão. Acautelar-se com escolhas e caminhos duvidosos.

Ser arrimo de quem sofre, e rimar o fazer, com aquilo que demanda ser realizado; sem o mando da arrogância e do que é idealizado.

Resolver o que tem que ser feito, e ingressar no campo da boa decisão, quando o medo castigar o caminhar e sua infrutífera imaginação.

Faz bem fazer o bem; mais a quem o faz do que a quem o recebe. Exercitar e treinar fazê-lo, traz alegria e prazer, pelo trem que o bem faz.



A mudança climática também é uma crise de saúde. Três graves situações explicam por quê.


Artigo publicado na Nature em 01/12/2023, em que pesquisadores de diferentes países afirmam que a saúde do planeta está na agenda da reunião climática da COP28. O aumento das temperaturas aumenta a propagação de doenças infecciosas, encurta vidas e impulsiona a insegurança alimentar.

 

A mudança climática está piorando a saúde e custando vidas, de acordo com o relatório de 2023 da The Lancet Countdown sobre saúde e mudanças climáticas. Em 3 de dezembro, a cúpula climática da COP28 das Nações Unidas em Dubai, sediará um dia dedicado a combater os impactos da mudança climática na saúde, o primeiro para uma COP. Mais de 50 ministros da Saúde estarão presentes nas negociações, nas quais os países devem anunciar seus compromissos financeiros que priorizam a saúde.

 

Antes da reunião, a Nature descreve as três maneiras principais, pelas quais o clima está prejudicando a saúde humana.

 

As ondas de calor matam

 

“As pessoas estão morrendo de ondas de calor causadas pelas mudanças climáticas todos os anos”, diz a pesquisadora de clima e saúde Wenjia Cai, da Universidade Tsinghua, em Pequim. Altas temperaturas aumentam o risco de doença cardiovascular e insolação, que é quando o corpo não pode mais regular sua temperatura através da transpiração. Isso pode levar a falha e morte de múltiplos órgãos.

 

Entre os mais vulneráveis ao calor extremo, estão pessoas com mais de 65 anos. As pessoas mais velhas lutam para se refrescar porque suas glândulas sudoríparas são menos sensíveis aos sinais químicos do cérebro. Eles também são mais propensos a ter doenças cardiovasculares.

 

O relatório Lancet, publicado em 14 de novembro, estima que, na África, 11% mais pessoas com mais de 65 anos morreram de calor extremo durante 2017-22, em comparação com um período de referência de 2000-05, quando medido como uma fração das mortes por 100.000 pessoas. O aumento equivalente para a Europa foi de 8,8% e 7% para a América do Sul e Central durante o mesmo período.

 

Bebês com menos de um ano de idade também são altamente vulneráveis aos perigos do calor extremo, porque os sistemas que regulam a temperatura do corpo ainda não estão totalmente desenvolvidos, acrescenta Cai.

 

Um lar para a malária

 

O aquecimento global está contribuindo para que as doenças infecciosas se expandam para regiões mais novas. Caso da malária, que é causada pelos parasitas Plasmodium falciparum e P. vivax, transmitida para as pessoas quando os mosquitos Anopheles, portadores de parasitas, picam os seres humanos. Os mosquitos prosperam em temperaturas mais quentes e põem seus ovos em água parada.

 

Os cientistas do clima e saúde, Rachel Lowe e Martin Lotto Batista, no Centro de Supercomputação de Barcelona, na Espanha, estimaram que quase 10% da área terrestre do mundo, que antes era muito seca ou muito fria para transmissão da malária P. falciparum durante 1951-60, tornou-se adequada para transmissão da malária de 2013-22. No mesmo período, cerca de 17% da terra anteriormente inadequada para a transmissão da malária P. vivax, tornou-se adequada. As regiões eram consideradas adequadas para a transmissão da malária se tivessem níveis de precipitação, umidade e temperatura em que a malária poderia se espalhar por pelo menos um mês por ano, em média, mais de uma década.

 

Condições mais quentes também estão aumentando a taxa de propagação de doenças virais, como dengue, zika e chikungunya, e expandindo a gama de bactérias Vibrio nocivas.

 

O aumento da seca, o aumento do nível do mar, o acesso reduzido à água potável e a migração, também criam maiores locais de reprodução para patógenos, especialmente em países de baixa e média renda, diz Lowe, que também está na Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados, em Barcelona. “Uma combinação de mudanças climáticas, mudança no uso da terra e práticas agrícolas, pode aumentar o risco de transbordamento de doenças de animais para humanos, o que pode, é claro, levar a pandemias”, dizem eles.


Calor e fome

 

Como o mundo esquenta, mais pessoas estão perdendo o acesso a alimentos seguros e nutritivos. Altas temperaturas e secas matam colheitas, e eventos climáticos extremos significam que os trabalhadores ao ar livre não podem trabalhar, então eles perdem sua renda e lutam para pagar comida suficiente. “É um ciclo vicioso. A insegurança alimentar torna as pessoas mais vulneráveis a doenças, o que reduz o quanto elas podem trabalhar, então elas ganham menos renda para pagar por comida”, diz Shouro Dasgupta, economista ambiental do Centro Euro-Mediterrâneo de Mudanças Climáticas em Veneza, Itália.

 

Dasgupta e outra economista ambiental, Elizabeth Robinson, do Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente em Londres, construíram um modelo matemático, usando dados anteriores sobre como ondas de calor e secas mais frequentes, afetam a insegurança alimentar. Usando esse modelo, eles estimaram que mais 127 milhões de pessoas terão experimentado insegurança alimentar moderada a grave, como resultado da mudança climática em 2021, em comparação com um cenário sem aquecimento global. Insegurança alimentar severa significa coisas como ficar sem comida ou passar um dia inteiro sem refeições.

 

Adapte-se para sobreviver

 

Se os países puderem ser ajudados a se tornarem mais resilientes às mudanças climáticas, os benefícios para a saúde seguirão, dizem os pesquisadores.

 

Dominic Kniveton, cientista climático da Universidade de Sussex, no Reino Unido, descobriu que as mortes causadas por tempestades e eventos de inundação, diminuíram de uma média de 86 mortes por evento durante 1990-99, para 16 mortes durante 2013-22, em países que são classificados como “altamente desenvolvidos”, de acordo com o índice de desenvolvimento humano, uma medida construída sobre o perfil de um país em educação, saúde e padrão de vida. Esse declínio pode ser atribuído aos esforços de adaptação, como a limitação da construção em áreas costeiras de alto risco, e a construção de estruturas defensivas que protegem contra inundações repentinas, diz Kniveton.

 

Prevenção, cura e justiça: uma estrutura centrada no sobrevivente para acabar com a violência contra mulheres e crianças


Artigo publicado na The Lancet em 23/11/2023, em que pesquisadoras de diferentes países comentam que o setor de saúde deve procurar ajudar os sobreviventes a transcenderem seu trauma, para levar vidas vibrantes e saudáveis, e facilitar o acesso a vários serviços e apoio de saúde mental a longo prazo. O processo contínuo de cura exige uma abordagem abrangente, inteira e multissetorial, que aborde as necessidades culturais, comunitárias, espirituais, físicas, psicológicas e emocionais dos sobreviventes, em uma abordagem de toda a pessoa, bem como uma estratégia coletiva, para aqueles que trabalham para enfrentar a violência.


A violência contra mulheres e crianças é uma grave violação dos direitos humanos, afetando um terço das mulheres em todo o mundo, e quase 1 bilhão de crianças por ano.


A violência pode ter consequências graves, incluindo lesões, deficiências e morte. Indivíduos expostos à violência são mais propensos a enfrentar vários riscos para a saúde e social ao longo de suas vidas, por exemplo, doenças mentais, transtornos de ansiedade, comportamentos de alto risco, como abuso de substâncias e sexo inseguro, doenças crônicas e infecciosas, além de questões sociais, como baixo nível educacional e envolvimento em violência e crime.


A prevalência e os efeitos de longo alcance dessa violência, exigem uma ação urgente e abrangente. Várias estruturas têm procurado abordar as questões complexas em torno da violência contra mulheres e crianças. Entre os quadros globais internacionalmente aceitos, os conceitos centrais de prevenção e resposta, têm orientado ações contra ambas as formas de violência.


No entanto, esta abordagem é insuficiente de formas cruciais. Embora a prevenção se alinhe com o objetivo de eliminar a violência, que apoiamos de todo o coração, o conceito de resposta não oferece orientação suficiente para defensores e formuladores de políticas públicas ou aborda de forma abrangente as necessidades multifacetadas, muitas vezes duradouras, de sobreviventes, de suas famílias e de comunidades.


O Movimento Global Brave, lançado em 2022, baseia-se no trabalho dos defensores dos sobreviventes, e apresenta uma nova e abrangente estrutura de ação, que engloba prevenção, cura e justiça. Essa estrutura inovadora, foi o resultado de várias consultas globais com os sobreviventes, que repetidamente articularam que as estruturas existentes, não oferecem uma visão inspiradora para a verdadeira transformação, ou capturam adequadamente o que os sobreviventes precisam.


Como indivíduos com experiência vivida de trauma (nós usamos os termos sobrevivente e pessoas com experiência vivida de forma intercambiável, observando que há uma grande variação na terminologia preferida), endossamos essa estrutura centrada no sobrevivente, como um guia para ação transformadora. Apelamos aos tomadores de decisão, profissionais, pesquisadores, acadêmicos e defensores, para adotar essa estrutura em políticas, programas, pesquisas e alocação de recursos.


Como sobreviventes, somos movidos pela fervorosa esperança de que nenhum indivíduo suportará o que experimentamos. A prevenção é o primeiro componente e o fulcro, dedicado aos objetivos de acabar com a violência contra mulheres e crianças, e parar os danos antes que ocorra. Os esforços devem persistir na sensibilização, na promoção da educação e na facilitação da intervenção precoce, para reduzir a incidência de violência, como evidenciado por intervenções bem-sucedidas baseadas em evidências, para reduzir a violência contra crianças e mulheres.


O termo prevenção também orienta defensores, pesquisadores, legisladores e prestadores de serviços em direção a um futuro livre de violência, incluindo um papel importante para o sistema de saúde, conforme descrito em orientação da OMS.


Para aqueles de nós que sofreram violência, a cura é uma aspiração transformadora. Ressalta a jornada essencial em direção à integridade, alegria e vigor renovado após o trauma, e o objetivo de viver uma vida longa, gratificante e produtiva. O trauma muitas vezes perturba vários aspectos da vida e da saúde de um sobrevivente. Reconhecer, diagnosticar e aliviar os sintomas de trauma, e apoiar a saúde mental, se enquadram na competência do setor de saúde, o que deve fazer mais do que identificar e tratar doenças, e garantir que as ligações sejam feitas a outros serviços relevantes, incluindo justiça, moradia, educação e proteção social.


O setor de saúde deve procurar ajudar os sobreviventes a transcenderem seu trauma, para levar vidas vibrantes e saudáveis, e facilitar o acesso a vários serviços e apoio de saúde mental a longo prazo. O processo contínuo de cura exige uma abordagem abrangente, inteira e multissetorial, que aborde as necessidades culturais, comunitárias, espirituais, físicas, psicológicas e emocionais dos sobreviventes, em uma abordagem de toda a pessoa, bem como uma estratégia coletiva para aqueles que trabalham para enfrentar a violência.


A justiça tem uma importância profunda para aqueles de nós que somos sobreviventes. Um conceito amplo que engloba princípios como o devido processo legal, a justiça também prevê um mundo desprovido de violência e exploração. A justiça é um pilar central no quadro para a prevenção, cura e justiça.


A verdadeira justiça ressalta o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais dos sobreviventes, incluindo a igualdade perante a lei e o acesso a um recurso efetivo por meio de tribunais competentes, e reconhece a responsabilidade da sociedade com os sobreviventes, suas famílias e comunidades. Embora a justiça possa se manifestar de forma diferente, com base nas preferências e circunstâncias individuais, qualquer mecanismo de resolução de disputas, deve priorizar consistentemente e defender a agência e os direitos de um sobrevivente.


Uma visão de justiça centrada no sobrevivente deve abranger toda a totalidade dos direitos humanos protegidos internacionalmente para mulheres e crianças, considerando sua cura e bem-estar geral, e servir como uma referência fundamental para avaliar políticas, legislação e mecanismos de resolução de disputas a nível nacional e global.


Os mecanismos de justiça restaurativa também podem ter um lugar, se eles priorizam rigorosamente a agência e os direitos de um sobrevivente. Em nossa busca pela justiça, particularmente em iniciativas de justiça restaurativa não formal, é imperativo evitar reverter para métodos de resolução de disputas ultrapassados, que historicamente negligenciaram o bem-estar das mulheres e das crianças. Tais abordagens antiquadas, tipicamente defendem noções patriarcais prejudiciais, como perdoar um estuprador que se casa com sua vítima.


Estes três pilares de prevenção, cura e justiça, aprofundam a nossa compreensão da natureza multifacetada da violência, necessitando de uma resposta social abrangente. Como indivíduos com experiência de vida contribuindo para a Comissão Lancet sobre violência, baseada no gênero e maus-tratos contra jovens, defendemos a adoção generalizada deste quadro, para abordar a violência contra mulheres e crianças.


Os decisores políticos devem integrar a prevenção, a cura e a justiça na legislação e nas políticas públicas, enquanto os programas sociais devem ser adaptados às diversas necessidades, reconhecendo os percursos de cura individuais. Este quadro pode orientar a nossa missão coletiva de erradicar a violência contra mulheres e crianças, servindo como um farol para a ação. A adoção desta abordagem centrada nos sobreviventes na investigação e na atribuição de recursos, garantiria que os esforços baseados em evidências na prevenção, cura e justiça, fossem integrados na elaboração de políticas nacionais e globais e adequadamente financiados.


Crucialmente, a saúde global e outras comunidades-chave empenhadas em acabar com a violência contra mulheres e crianças, precisam dar prioridade ao envolvimento significativo de indivíduos com experiência vivida na prática, na investigação e na elaboração de políticas, reconhecendo o potencial para criar um mundo mais seguro e mais compassivo para as gerações futuras.



É tarde demais para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C? O desafio em 7 pontos.


Artigo publicado na Nature em 21/11/2023, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que as chances estão desaparecendo rapidamente para limitar o aumento da temperatura da Terra à marca globalmente acordada, mas os pesquisadores dizem que há alguns sinais positivos de progresso.


Quando representantes de 197 países chegarem a Dubai este mês, para a última rodada de negociações climáticas, eles terão que enfrentar uma questão básica: as nações estão cumprindo a meta que estabeleceram de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais?


Esta será a primeira vez que a humanidade avalia formalmente seu progresso, desde o acordo climático de Paris de 2015. O objetivo deste “balanço global” obrigatório, é garantir que os líderes políticos confrontem os dados a cada cinco anos, com a esperança de que eles reforcem seus esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Os países devem seguir com novos compromissos climáticos em 2025.


Do lado positivo, agora está claro que muitos governos estão tomando medidas concretas, para mitigar as mudanças climáticas. Os investimentos climáticos estão aumentando nos setores público e privado, e as fontes renováveis de energia estão deslocando os combustíveis fósseis a taxas históricas em muitos países. Mas o progresso é muito lento e, por quase todas as medidas, o mundo está muito aquém da meta de 1,5°C. As emissões de gases de efeito estufa estão em alta, as florestas tropicais estão sendo cortadas a taxas quase recordes, os subsídios aos combustíveis fósseis estão subindo e as usinas a carvão ainda estão sendo construídas.


“Ao entrar no balanço global, os governos precisam ser claros sobre esse progresso sem avanço, para que possam iniciar uma correção de curso urgentemente necessária”, diz Sophie Boehm, que acompanha as tendências climáticas do World Resources Institute, em Washington DC.


Aqui, a Nature analisa ponto a ponto, o progresso até agora, e o que seria necessário para manter o sonho de Paris vivo.


Recorde de calor


À primeira vista, parece que as nações não têm chance de cumprir a meta principal do acordo de Paris, de limitar o aquecimento a 1,5°C. A taxa de aquecimento aumentou na última década, e a temperatura média global para 2023 provavelmente será de 1,4°C acima da média de 1850 a 1900.


“O acerto de contas político está chegando em breve”, diz Detlef van Vuuren, cientista climático da Agência de Avaliação Ambiental da Holanda (PBL) em Haia, que usa modelos para avaliar as tendências climáticas, energéticas e econômicas futuras.


A esse ritmo, pode levar menos de uma década, possivelmente muito mais cedo, antes que o aquecimento global atinja 1,5C acima dos níveis pré-industriais. Variações naturais, como o atual aquecimento do El Nino no Pacífico tropical, podem influenciar significativamente as temperaturas no curto prazo. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) usa médias contínuas de 10 e 20 anos quando calcula a temperatura da superfície da Terra. Isso significa que pode haver um longo atraso entre a estimativa oficial do IPCC sobre o aquecimento global e as temperaturas médias em qualquer ano.


“Poderíamos efetivamente atingir 1,5° graus de aquecimento a cada ano durante uma década, antes que a média de longo prazo passe essa marca”, diz Zeke Hausfather, cientista climático da Berkeley Earth, uma organização sem fins lucrativos na Califórnia que rastreia as temperaturas globais.


Não vai parar por aí. Modelos que usam as emissões projetadas de carbono estimam, que as temperaturas globais aumentarão de 2,4 a 2,6°C acima dos valores pré-industriais até 2100, com base nas promessas atuais que os países fizeram como parte do acordo de Paris.


O atraso não compensa


Uma coisa é clara: quanto mais esperamos, mais difícil se torna alcançar as metas de Paris, e os especialistas dizem que esperamos muito tempo. Os líderes globais comprometeram-se a prevenir “perigosas interferências antropogênicas no sistema climático” quando assinaram a Convenção Enquadramento das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas em 1992. Se eles tivessem honrado esse compromisso e pressionado as reduções de emissões na época, eles teriam tido um século para deter as emissões de gases de efeito estufa e ainda limitar o aquecimento a 1,5°C.


A imagem parece diferente três décadas depois. Com base nas atuais tendências de emissões, o mundo queimará carbono suficiente para causar cerca de 1,5°C de aquecimento em pouco mais de cinco anos, de acordo com as últimas estimativas do Climate Change Tracker, um consórcio científico que rastreia as tendências climáticas, usando metodologias do IPCC. O mundo precisaria reduzir as emissões de carbono em 8% a cada ano, entre agora e 2034, para manter uma chance de 50% de ficar abaixo de 1,5°C de aquecimento.


Em comparação, foi preciso uma pandemia global, para reduzir as emissões de carbono em 7% em 2020. “Nós nos colocamos nessa bagunça estúpida por não agirmos mais cedo”, diz van Vuuren.


Remoção de carbono

Sem nenhuma esperança real de tal ação drástica para cessar as emissões, o consenso entre os

Pesquisadores, é que há apenas uma maneira viável de sair dessa bagunça. Isso é ultrapassar a marca de 1,5°C por um tempo, e depois reduzir as temperaturas na segunda metade do século, extraindo dióxido de carbono da atmosfera.


Esse cenário de superação é uma das principais escolhas de modelos de computador que são encarregados de encontrar o caminho mais barato, e é uma das razões pelas quais, muitos cientistas continuam dizendo que o objetivo ainda é, tecnicamente, alcançável.


Cientistas e empresas estão buscando uma série de opções muitas vezes controversas para remover o carbono da atmosfera, também conhecidas como emissões negativas. Alguns se concentram em atividades baseadas na natureza, como o plantio de florestas e a alteração sutil da química dos oceanos, para promover a absorção de carbono. Outros usam soluções industriais, incluindo a captura e redução de emissões de usinas de energia e usinas siderúrgicas, ou extrair CO 2 diretamente da atmosfera.


O problema é que nenhuma das metodologias de remoção de carbono foi demonstrada em qualquer coisa próxima de uma escala relevante para o clima, e os potenciais efeitos colaterais, são muitas vezes pouco compreendidos. Mesmo plantar florestas, por exemplo, pode prejudicar a biodiversidade ou inflacionar os preços dos alimentos, através da perda de terras agrícolas. Mas com investimento e pesquisa suficientes, muitos cientistas esperam que as emissões negativas tenham que desempenhar um papel.


“É importante desenvolver tecnologias de apoio para remoção de carbono, e estou bastante confiante de que seremos capazes de fazê-lo”, diz Sally Benson, engenheira de energia da Universidade de Stanford, na Califórnia. Uma questão maior, acrescenta ela, “é se estaremos dispostos a gastar o dinheiro”.


Assumindo um custo de US $ 100 por tonelada, para extrair CO 2 da atmosfera, uma meta comum para tecnologias de remoção de carbono, Hausfather diz que custaria cerca de US $ 22 trilhões, para sequestrar carbono suficiente para reduzir as temperaturas globais em apenas 0,1°C. Isso é aproximadamente 16 vezes mais do que as despesas climáticas anuais dos governos e empresas em todo o mundo no ano passado. “Estamos falando de intervenções muito, muito caras”, diz Hausfather.


Esta é uma das razões pelas quais, os cientistas invariavelmente enfatizam a necessidade de primeiro reduzir as emissões o mais rápido possível.


Redução de emissões


Após uma queda de um ano causada pela pandemia de COVID-19, as emissões globais de CO2 de combustíveis fósseis, atingiram um novo máximo de 37,2 bilhões de toneladas no ano passado. As taxas de geração de energia renovável também estão aumentando, no entanto, e muitos especialistas em energia agora consideram a transição para longe dos combustíveis fósseis, quase inevitável. Este é um dos poucos pontos brilhantes que se dirigem para a COP28.


Mesmo diante da inflação, da guerra e de uma crise energética concomitante, as implantações de energia limpa, aumentaram para níveis recordes. As tecnologias limpas estão atraindo a maior parte dos novos investimentos em energia em todo o mundo, e parece que os combustíveis fósseis estão preparados para um declínio iminente, embora lento.


Tudo isso levou a Agência Internacional de Energia a projetar, que as emissões anuais de combustíveis fósseis, que representam mais de 90% de todas as emissões de carbono, devem atingir o pico nos próximos anos e cair para 35 bilhões de toneladas até 2030. Em comparação com uma projeção de base de 2015, antes da assinatura do acordo de Paris, isso representaria uma redução de 7,5 bilhões de toneladas por ano, o que equivale a eliminar as emissões de energia dos Estados Unidos e da União Europeia combinadas.


A eletricidade mais limpa


Avançando, o primeiro passo é acelerar esse progresso e limpar a rede elétrica. Em muitos lugares, diz Lezcano, isso significa remover gargalos, atualizando e expandindo as linhas de transmissão de energia em coordenação com novos projetos de geração de eletricidade. “O ritmo precisa ser muito, muito mais rápido”, diz ele.


Mas o pagamento potencial é enorme. Uma nova rede elétrica fornecida por abundante energia limpa também poderia aquecer edifícios e alimentar veículos elétricos. “Essas coisas juntas lhe darão uma redução de 50% nas emissões”, diz Benson, “e isso é motivo de esperança”.


O caminho à frente é assustador. A eletricidade de fontes renováveis e outras fontes de baixa emissão, precisarão aumentar quase sete vezes, para quase 77 trilhões de watts-hora por ano até 2050, de acordo com a Agência Internacional de Energia. A geração de carvão, gás e petróleo, deve cair para quase zero até 2040, a menos que seja acompanhada por tecnologias que capturam e de alguma forma sequestram carbono da atmosfera.


Essa é a parte mais fácil. Muito mais complexo será a limpeza de setores como a indústria pesada, a aviação e os transportes de longa distância, bem como a agricultura e os sistemas alimentares. E as nações precisam reduzir as emissões de outros gases de efeito estufa também.


De particular interesse é o metano, que representa cerca de 16% das emissões totais. Reduzir as emissões deste poderoso gás de efeito estufa, é uma das únicas maneiras pelas quais as nações podem diminuir a taxa de aquecimento nas próximas décadas. Além do mais, cenários de modelagem para 1,5°C usado pelo IPCC, assumem que a humanidade fará exatamente isso. Isso também significa que as temperaturas podem subir ainda mais rápido do que o projetado nas próximas décadas se o mundo não agir sobre o metano.


Mudança de responsabilidades


Os países industrializados no norte global são responsáveis pela maior parte dos gases de efeito estufa que se acumularam na atmosfera. Os Estados Unidos e a Europa, por exemplo, emitiram 37% do total histórico. Mas as emissões dos países ocidentais mais ricos têm diminuído há décadas, enquanto a participação de outras nações aumentou. A China é agora o maior emissor de CO2 do mundo, e apenas este ano as emissões de CO2 da índia passaram pelas da União Europeia.


A expectativa desde o início, quando a convenção climática da ONU foi assinada, era que os países ricos liderariam o caminho na redução de emissões e no desenvolvimento de tecnologias de energia limpa. Até certo ponto, isso agora está acontecendo: grande parte da implantação de energia limpa está ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa, diz Lezcano. Mas o maior motor da atual revolução energética é a China.


A BNEF estima que a China adicionará mais de 200 gigawatts (GW) de capacidade solar apenas este ano, em comparação com 34 GW nos Estados Unidos e 48 GW na União Europeia. As fábricas da China também ajudaram a reduzir o preço dos painéis solares, permitindo que a indústria se expandisse muito além de suas fronteiras.


Tudo isso é uma boa notícia, mas a indústria precisa se espalhar para o resto do mundo. Além da China e de alguns outros países, como o Brasil e a África do Sul, diz Lezcano, a energia verde tem sido lenta para penetrar em países de baixa e média renda, onde as emissões de combustíveis fósseis estão aumentando rapidamente.


Aumento dos investimentos


Outro flash de boas notícias que entram na COP28: os investimentos climáticos globais, incluindo gastos privados e públicos, dispararam para US $ 1,1 trilhão em 2021 e US $ 1,4 trilhão em 2022, de acordo com a mais recente análise da Climate Policy Initiative (CPI), um grupo internacional de defesa. Tudo dito, isso representa uma quase duplicação dos dois anos anteriores.


“Esta é uma mudança de passo”, diz a analista da CPI Baysa Naran, que tem sede em Londres. “Estou definitivamente encorajado.”


No entanto, é apenas um começo. O IPC estima que o mundo precisará aumentar os gastos climáticos para cerca de US $ 9 trilhões por ano até 2030, e para quase US $ 11 trilhões até 2035, para implantar fontes limpas de energia, e se preparar para os impactos inevitáveis de um clima mais quente durante as próximas décadas. Mais dinheiro também precisará fluir para países de baixa renda.


Naran diz que há financiamento mais do que suficiente flutuando: os governos investiram quase US $ 12 trilhões em alívio econômico durante a pandemia de COVID-19, e atualmente estão gastando m

ais de US $ 1 trilhão por ano em subsídios diretos aos combustíveis fósseis (ou US $ 7 trilhões se forem incluídos incentivos indiretos, como alívio regulatório). Revogar esses subsídios não é uma questão simples por causa dos efeitos potenciais sobre os cidadãos mais pobres do mundo, diz Naran, mas é mais uma fonte de dinheiro à medida que o mundo olha para o futuro.


Tal como acontece com tantas coisas, Naran diz que a questão mais uma vez se resume a escolhas. “Se você se esforçar, as coisas podem acontecer”, diz ela. “É apenas uma questão de urgência e vontade política.”


A Terra teve seu ano mais quente já registrado, e a mudança climática é a culpada


Artigo publicado na Nature em 10/11/2023, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que cerca de 7,3 bilhões de pessoas enfrentaram temperaturas fortemente influenciadas pelo aquecimento global no ano passado.


Os últimos 12 meses foram os mais quentes já registrados na Terra. Cerca de 7,3 bilhões de pessoas em todo o mundo foram expostas, por pelo menos 10 dias, a temperaturas que foram fortemente influenciadas pelo aquecimento global, com um quarto das pessoas enfrentando níveis perigosos de calor extremo nos últimos 12 meses, de acordo com um relatório da organização sem fins lucrativos Climate Central.


“Esses impactos vão continuar crescendo, enquanto continuarmos a queimar petróleo e gás natural”, diz Andrew Pershing, vice-presidente de ciência da Climate Central.


Pesquisadores estimaram anteriormente a influência das mudanças climáticas em eventos climáticos extremos específicos, um processo conhecido como alteração climática. Agora, os cientistas calcularam o impacto das mudanças climáticas induzidas pelo homem, nas temperaturas diárias do ar em 175 países e 920 cidades, de novembro de 2022 até o início de outubro de 2023.


Eles descobriram que a temperatura média global nos últimos 12 meses foi de 1,32°C acima do período de linha de base pré-industrial de 1850 a 1900, superando o recorde anterior de 1,29°C, que foi estabelecido de outubro de 2015 a setembro de 2016. O relatório está como previu o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia, que 2023 será o ano civil mais quente já registrado na história, com a temperatura média até outubro sendo de 1,43°C acima da média pré-industrial.


“Esta é a temperatura mais quente que nosso planeta experimentou em algo como 125 mil anos”, diz Pershing, vice-presidente de ciência da Climate Central.


A maior parte desse aquecimento, cerca de 1,28°C, resulta da mudança climática induzida pelo homem, com a variação natural no clima, causada por eventos como o aquecimento oceânico em andamento, o El Nino, que contribuindo muito menos, diz o pesquisador climático Friederike Otto, do Imperial College London.


Ao analisar dados diários de temperatura do ar, e usar modelos climáticos computacionais, a equipe calculou o efeito das mudanças climáticas nas temperaturas diárias em todo o mundo, usando uma medida chamada Climate Shift Index (CSI). A escala CSI é executada de – 5 a + 5. Um valor CSI de zero, significa que não há influência detectável da mudança climática causada pelo homem na temperatura diária, enquanto um valor CSI positivo, indica o quanto mais provável a mudança climática é responsável pela temperatura diária. Um valor CSI negativo, significa que a mudança climática tornou a temperatura observada menos provável.


Os pesquisadores descobriram que 7,3 bilhões de pessoas em todo o mundo foram expostas, por pelo menos 10 dias, a temperaturas que foram fortemente impactadas pelas mudanças climáticas. Na primeira metade dos últimos 12 meses, as regiões tropicais da América do Sul, da África e do arquipélago malaio, experimentaram mais dias com temperaturas que eram fortemente atribuíveis às mudanças climáticas, definidas como tendo um valor CSI de três ou mais. Esses efeitos foram sentidos ainda mais fortemente no segundo semestre do período de um ano.


Na Jamaica, o país onde o aquecimento global teve o maior impacto nas temperaturas diárias, as pessoas experimentaram temperaturas, onde foram observadas mais de 4,5 vezes mais chances de serem pelas mudanças climáticas. Guatemala e Ruanda também experimentaram temperaturas que foram feitas mais de quatro vezes mais chances pelas mudanças climáticas.


Os pesquisadores também estimaram a extensão, em que 700 cidades com populações de pelo menos 1 milhão de habitantes, experimentaram calor extremo nos últimos 12 meses, definidas como temperaturas diárias que devem ocorrer por menos de 1% do tempo naquela região. Eles fizeram isso comparando dados de temperatura recentes, com os dados coletados durante um período de referência de 1991-2020.


A equipe descobriu que 156 cidades em 37 países, experimentaram cinco ou mais dias consecutivos de calor extremo, com 144 cidades experimentando temperaturas que foram feitas pelo menos 2 vezes mais chances pelas mudanças climáticas. Houston no Texas, teve a maior sequência de calor de 22 dias. Isto foi seguido por Jacarta, Nova Orleans, Louisiana, Tangerang na Indonésia e Quijing na China, onde as pessoas enfrentaram pelo menos 16 dias de calor extremo consecutivo. Em todo o mundo, 1,9 bilhão de pessoas, ou 24% da população mundial, sofreram cinco dias consecutivos de calor extremo.


O calor extremo, juntamente com inundações e secas, é muitas vezes mortal e desloca milhares de pessoas. “Ao continuar a queimar combustíveis fósseis da maneira que fazemos, é uma violação maciça dos direitos humanos realmente básicos da grande maioria do planeta”, diz Otto.


No próximo ano, o El Nino, deve durar pelo menos até abril de 2024, o que elevará ainda mais as temperaturas, diz Pershing. O estudo fornece claramente evidências robustas para a ciência da atribuição das alterações climáticas, afirma a investigadora climática Cecilia Conde, da Universidade Nacional Autónoma do México, na Cidade do México.


“Este é um esforço muito apreciado”, afirma o investigador climático Karsten Haustein, da Universidade de Leipzig, na Alemanha. “É ótimo porque esta abordagem pode fornecer actualizações contínuas sobre os 12 meses mais quentes, e não apenas sobre o ano mais quente do calendário, de modo que esperamos que ajude a aumentar a consciencialização sobre os impactos das alterações climáticas todos os meses.”

Os resultados destacam a necessidade de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, dizem os pesquisadores. “Se não eliminarmos gradualmente os combustíveis fósseis agora, e pararmos de as queimar em breve, este será um ano muito frio em breve”, diz Otto.


Joyce Kimutai, meteorologista do Departamento Meteorológico do Quênia, em Nairóbi, diz que a análise ressalta a necessidade urgente de os países agirem. Ela acrescenta que, na cúpula climática da COP 28 das Nações Unidas neste mês, o mundo precisa progredir na eliminação gradual dos combustíveis fósseis e na implementação do fundo de Perdas e Danos, através dos quais, os países mais ricos concordariam em ajudar os países mais pobres a lidar com a devastação social e física causada pelas mudanças climáticas.


Civis, profissionais de saúde e instalações de saúde devem ser protegidos durante conflitos


Comentário publicado na Nature em 03/11/2023, onde uma pesquisadora britânica afirma que a vida e a segurança dos civis e dos profissionais de saúde devem ser protegidas durante o conflito. Para fazer isso, todas as partes devem defender o direito internacional humanitário.


Uma situação humanitária catastrófica está se desenrolando em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados. Em tempos de conflito, é crucial que vidas civis sejam respeitadas, e as necessidades humanitárias atendidas. É essencial manter o direito internacional humanitário, pois isso é fundamental para proteger as pessoas e as comunidades envolvidas em conflitos, e permitir que os trabalhadores humanitários e os profissionais de saúde, façam em segurança, seu trabalho de salvamento de vidas. Quando o direito internacional não é respeitado, torna-se muito mais difícil, se não impossível, preservar vidas e prestar ajuda àqueles que mais precisam.


A capacidade de prestar apoio e cuidados médicos precisa ser salvaguardada agora mais do que nunca, uma vez que os civis em Gaza precisam urgentemente de água potável, alimentos, apoio médico, higiene, abrigo e segurança. Os hospitais, que já estavam sob pressão, estão agora a funcionar com a capacidade mínima, uma vez que os fornecimentos de eletricidade, medicamentos, equipamento e pessoal, estão escassos.

Incidentes como a explosão no Hospital Al Ahli em 17 de outubro, e os danos a outros hospitais em Gaza, mostram os riscos que os profissionais de saúde enfrentam na realização de seu trabalho essencial. Não é para nós, a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho, estabelecer a causa do incidente, apenas para responder às consequências humanitárias.


No atual conflito, os profissionais de saúde estão sendo mortos no cumprimento do seu dever. Magen David Adom (MDA), parte do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, e o serviço médico de emergência em Israel, perdeu um de seus funcionários de ambulância em 7 de outubro, e outros dois em 11 de outubro. Quatro funcionários do PRCS foram mortos em Gaza, quando suas ambulâncias foram atacadas enquanto cuidavam dos feridos, em 11 de outubro. Os paramédicos ficaram feridos e houve danos a ambulâncias e instalações de ajuda. Na Cisjordânia, as ambulâncias foram atacadas e as equipes médicas enfrentaram desafios para acessar os doentes e feridos. Os profissionais de saúde devem ser protegidos e ter acesso seguro e sem obstáculos, para realizar trabalhos que salvam vidas.


As necessidades humanitárias e de saúde em Gaza e Israel são imensas. As vidas e a segurança dos civis e dos profissionais de saúde devem ser protegidas em tempos do conflito armado, quando os riscos são agudos. É preciso respeitar o Direito Internacional Humanitário. O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho pediram, que todas as partes exerçam a contenção e cumpram suas obrigações sob o direito internacional humanitário. Isso é crucial para garantir que a ajuda e o apoio médico possam ser entregues àqueles que precisam.


A humanidade está na linha de frente e deve ser protegida.


Tempo para tratar a crise climática e da natureza como uma emergência de saúde global indivisível


Editorial publicado na British Medical Journal em 25/10/2023, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que mais de 200 revistas de saúde pedem às Nações Unidas, líderes políticos e profissionais de saúde, que reconheçam que as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são uma crise indivisível, e devem ser enfrentadas juntas, para preservar a saúde e evitar a catástrofe. Esta crise ambiental global é agora tão grave que é uma emergência de saúde global.


O mundo está atualmente respondendo à crise climática e à crise da natureza, como se fossem desafios separados. É um erro perigoso. A 28a Conferência das Metas da ONU sobre Mudanças Climáticas, está prestes a ser realizada em Dubai, enquanto a 16a COP sobre biodiversidade, deve ser realizada na Turquia em 2024. As comunidades de pesquisa que fornecem as evidências para as duas COPs são, infelizmente, em grande parte separadas, mas foram reunidas para um workshop em 2020, quando concluíram: “Só considerando o clima e a biodiversidade como partes do mesmo problema complexo, podem ser desenvolvidas soluções que evitem a má adaptação e maximizem os resultados benéficos”.


Como o mundo da saúde reconheceu com o desenvolvimento do conceito de saúde planetária, o mundo natural é composto por um sistema interdependente geral. Os danos a um subsistema podem criar feedback que danifique outro, por exemplo, seca, incêndios florestais, inundações e outros efeitos do aumento das temperaturas globais, destroem a vida das plantas e levam à erosão do solo e, assim, inibem o armazenamento de carbono, o que significa mais aquecimento global. As mudanças climáticas devem ultrapassar o desmatamento e outras mudanças no uso da terra, como o principal fator de perda da natureza.

A natureza tem um poder notável para se restaurar. Por exemplo, a terra desmatada pode reverter para a floresta através da regeneração natural, e o fitoplâncton marinho, que atua como estoque natural de carbono, entrega um bilhão de toneladas de biomassa fotossintetizante a cada oito dias. As abordagens dos povos indígenas para a gestão da terra e do mar, têm um papel particularmente importante na regeneração e nos cuidados contínuos.

Restaurar um subsistema pode ajudar outro, por exemplo, o reabastecimento do solo, poderia ajudar a remover os gases de efeito estufa da atmosfera em grande escala. Mas as ações que podem beneficiar um subsistema, podem prejudicar o outro, por exemplo, o plantio de florestas com um tipo de árvore pode remover o dióxido de carbono do ar, mas pode danificar a biodiversidade, que é fundamental para ecossistemas saudáveis.


Os impactos na saúde


A saúde humana é prejudicada diretamente tanto pela crise climática, quanto pela crise da natureza. Essa crise planetária indivisível terá grandes efeitos sobre a saúde como resultado da interrupção dos sistemas sociais e econômicos, redução de terra, abrigo, comida e água, exacerbando a pobreza, o que, por sua vez, levará à migração em massa e ao conflito.


O aumento das temperaturas, os eventos climáticos extremos, a poluição do ar e a disseminação de doenças infecciosas, são algumas das principais ameaças à saúde humana, exacerbadas pelas mudanças climáticas. “Sem a natureza, não temos nada”, foi o resumo contundente do secretário-geral da ONU, António Guterres, na biodiversidade em Montreal no ano passado. Mesmo que pudéssemos manter o aquecimento global abaixo de um aumento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, ainda poderíamos causar danos catastróficos à saúde destruindo a natureza.


O acesso à água potável é fundamental para a saúde humana, e ainda assim, a poluição danificou a qualidade da água, causando um aumento nas doenças transmitidas pela água contaminada. A contaminação da água na terra também pode ter efeitos de longo alcance em ecossistemas distantes, quando essa água corre para o oceano.


A boa nutrição é sustentada pela diversidade na variedade de alimentos, mas tem havido uma perda impressionante de diversidade genética no sistema alimentar. Globalmente, cerca de um quinto das pessoas dependem de espécies selvagens para alimentação e seus meios de subsistência. Os declínios na vida selvagem são um grande desafio para essas populações, particularmente em países de baixa e média renda. Os peixes fornecem mais da metade da proteína dietética em muitas nações africanas, do sul da Ásia e pequenas ilhas, mas a acidificação dos oceanos reduziu a qualidade e a quantidade de frutos do mar.

As mudanças no uso da terra forçaram dezenas de milhares de espécies a um contato mais próximo dos humanos, aumentando a troca de patógenos e o surgimento de novas doenças e pandemias. As pessoas que perdem o contato com o meio ambiente natural e o declínio da perda de biodiversidade, têm sido associadas a aumentos de doenças não transmissíveis, autoimunes e inflamatórias e doenças metabólicas, alérgicas e neuropsiquiátricas. Para os povos indígenas, cuidar e conectar-se com a natureza é especialmente importante para a sua saúde.


As comunidades são mais saudáveis se tiverem acesso a espaços verdes de alta qualidade que ajudam a filtrar a poluição do ar, reduzir as temperaturas do ar e do solo e proporcionar oportunidades de atividade física. A conexão com a natureza reduz o estresse, a solidão e a depressão, promovendo a interação social. Esses benefícios estão ameaçados pelo aumento contínuo da urbanização.

Finalmente, os efeitos sobre a saúde humana das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade serão experimentados de forma desigual entre e dentro dos países, com as comunidades mais vulneráveis muitas vezes carregando o maior fardo. Ligados a isso, a desigualdade também está indiscutivelmente alimentando essas crises ambientais. Os desafios ambientais e as desigualdades sociais e de saúde são desafios que partilham os condutores, e há potenciais co-benefícios de abordá-los.

Emergência de saúde global


Em dezembro de 2022, a COP da biodiversidade concordou com a conservação e gestão efetivas de pelo menos 30% das terras, áreas costeiras e oceanos do mundo até 2030. Os países industrializados concordaram em mobilizar US $ 30 bilhões por ano, para apoiar as nações em desenvolvimento a fazê-lo. Esses acordos ainda ecoam as promessas feitas nas COPs climáticas.


No entanto, muitos compromissos assumidos nas COPs ainda não foram cumpridos. Isso permitiu que os ecossistemas fossem empurrados ainda mais à beira do abismo, aumentando muito o risco de chegar a “pontos de inflexão”, colapsos abruptos no funcionamento da natureza. Se esses eventos ocorressem, os impactos na saúde seriam globalmente catastróficos.


Esse risco, combinado com os graves impactos na saúde já ocorridos, significa que a Organização Mundial da Saúde deve declarar a crise climática e natural indivisível, como uma só emergência de saúde global. As três pré-condições para a OMS declarar uma situação como uma emergência de saúde pública de interesse internacional são de que seja grave, súbita, incomum ou inesperada; que carregue implicações para a saúde pública além da fronteira nacional do estado afetado; e que possa exigir ação internacional imediata. As alterações climáticas parecem preencher todas essas condições. Embora a aceleração das alterações climáticas e a perda de biodiversidade não sejam repentinas ou inesperadas, são certamente graves e incomuns. Por isso, pedimos à OMS que faça esta declaração antes ou na 77a Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2024.


Combater esta emergência exige, que os processos da COP sejam harmonizados. Como primeiro passo, as respectivas convenções devem pressionar por uma melhor integração dos planos climáticos nacionais com equivalentes de biodiversidade. Como concluiu o workshop de 2020, que reuniu cientistas do clima e da natureza, “os pontos de alavancagem críticos incluem explorar visões alternativas de boa qualidade de vida, repensar o consumo e o desperdício, mudar os valores relacionados à relação homem-natureza, reduzir as desigualdades, e promover a educação e a aprendizagem”. Todos eles beneficiariam a saúde.


Os profissionais de saúde devem ser poderosos defensores, tanto para restaurar a biodiversidade, quanto para combater as mudanças climáticas, para o bem da saúde humana. Os líderes políticos devem reconhecer tanto as graves ameaças à saúde decorrentes da crise planetária, quanto os benefícios que podem fluir para a saúde ao enfrentar a crise. Mas, em primeiro lugar, devemos reconhecer esta crise pelo que é: uma emergência de saúde global.


O tratado global de plásticos: por que é necessário?


Comentário publicado na The Lancet em 17/10/2023, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que um limite global para a produção de plástico será essencial para preservar a Terra e a saúde humana.


Em 2 de março de 2022, a Assembleia Ambiental da ONU adotou uma resolução histórica para desenvolver um tratado global de plásticos. O objetivo é reduzir a poluição por plásticos, incluindo a poluição dos oceanos e os microplásticos, em todo o ciclo de vida do plástico. As negociações do Tratado estão em um caminho rápido. Uma comissão de negociação intergovernamental se reuniu duas vezes. Uma terceira reunião está marcada para novembro de 2023, em Nairobi, Quênia. A intenção é elaborar o tratado até o final de 2024.


A poluição por plásticos é uma ameaça global. Cresceu insidiosamente enquanto o foco tem sido no clima. Como o plástico é persistente e menos de 10% é reciclado, quase 6 bilhões de toneladas agora poluem o planeta. Este resíduo contém mais de 10.500 produtos químicos incorporados ao plástico, incluindo agentes cancerígenos, neurotóxicos, desreguladores endócrinos e muitos outros de toxicidade desconhecida.


Esses produtos químicos são liberados do plástico e dos resíduos de plástico. Somente nos EUA, eles são responsáveis por mais de 85 mil mortes prematuras a cada ano, 1 milhão de casos de doença cardiovascular, e custos relacionados à saúde de US $ 675 bilhões.


Os resíduos plásticos carregados de produtos químicos acumulam-se nas praias e obstruem os aterros sanitários. Muito é exportado para países de baixa renda. Quando queimado, ele libera poluentes tóxicos no ar, incluindo benzeno e dioxinas. A cada ano, estima-se que 10 a 12 milhões de toneladas de poluição plástica entrem no oceano.


Todos os anos, cerca de 10 a 12 milhões de toneladas de poluição plástica entram no oceano, onde enredam baleias, matam aves marinhas e se decompõem em partículas microplásticas e nanoplásticas que perturbam os ecossistemas, entram nas cadeias alimentares e são consumidas pelas pessoas.


Aumentos implacáveis na produção são o principal motor da poluição plástica. A produção global cresceu 200 vezes, de 2 milhões de toneladas em 1950, para mais de 400 milhões de toneladas hoje. Está a caminho de dobrar novamente em 2040 e triplicar em 2060.


O plástico de uso único representa 35-40% da produção atual e, ano a ano, essa fração aumenta. Mais de 98% do plástico é feito de carvão, petróleo e gás. A produção é intensiva em energia e gera quase 2 bilhões de toneladas de CO 2 anualmente.


Aumentos indecentes na produção, uso e descarte de plásticos, colocam em risco a saúde e criam injustiças sociais. A doença e a morte prematura, causadas por plásticos, resultam em custos de saúde e perdas de produtividade totalizando pelo menos US$ 1 a 2 trilhões de dólares por ano.


Eles refletem a crescente conversão de carvão, petróleo e gás em plásticos, em resposta à diminuição da demanda do mercado por combustíveis fósseis, à medida que o mundo se volta cada vez mais para energia renovável. Esses aumentos não são sustentáveis.


Como a produção de plástico e a sua poluição são transnacionais, e os danos causados pelos plásticos caem desproporcionalmente sobre as nações mais pobres do mundo, um tratado global é um remédio apropriado. Para ser eficaz, um tratado deve ser juridicamente vinculativo, ao mesmo tempo que encoraja abordagens voluntárias.


Os objetivos gerais do tratado devem ser proteger a saúde, salvaguardar os direitos humanos e preservar a terra, nossa casa comum. Um limite global para a produção de plástico será essencial para alcançar esses objetivos. Deveria ser uma disposição central do tratado. Este limite deve ser obrigatório e não voluntário. Deve especificar objetivos, calendários e quotas de produção nacionais acordadas. O grande poder de uma tampa de produção é que ela reduz a poluição na fonte. É uma prevenção primária.


Os opositores de uma limitação na produção, defenderão abordagens a jusante para o controle da poluição, como melhor gerenciamento de resíduos plásticos e reciclagem aprimorada, chamada de reciclagem química, pirólise ou reutilização. A falha nesse argumento é que a reciclagem de plástico não é apenas menos eficiente do que reduzir a poluição na fonte, mas também que é ineficaz. Ela fica muito atrás da reciclagem de papel, vidro e alumínio, e não está melhorando porque os plásticos à base de carbono fóssil, atualmente complexo e químico, não podem ser facilmente reciclados ou reutilizados. Diferentes polímeros não podem ser misturados na fabricação de produtos reciclados. Os plásticos reciclados não podem ser incorporados com segurança em materiais como embalagens de alimentos, roupas ou brinquedos infantis, porque eles contêm produtos químicos tóxicos.


A reutilização de resíduos plásticos como combustível para motores não é uma opção, porque contém substâncias cancerígenas que, segundo estimativas da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, causarão câncer em até uma em cada quatro pessoas expostas.


As restrições ao crescente fabrico de plásticos descartáveis, devem ser outra disposição fundamental. Os limites à produção de plástico de utilização única no âmbito das quotas nacionais, permitirão aos países manter a fabricação de plásticos duráveis e essenciais, reduzindo simultaneamente os resíduos plásticos. O uso generalizado de garrafas de água descartáveis e sachês de plástico, em países de baixa renda, poderia ser reduzido através de investimentos em infraestrutura em sistemas de água urbana.


A responsabilidade alargada do produtor deve ser incluída no tratado, e aplicada a uma vasta gama de produtos. Já em uso na Califórnia (EUA) e na União Europeia, a responsabilidade estendida do produtor exige, que os fabricantes retomem ou paguem pelo descarte de produtos e embalagens de plástico. Incentiva a produção de plásticos reutilizáveis, embalagens não plásticas e a transição para uma economia circular. As leis de depósito de garrafas são um exemplo eficaz.


Os milhares de produtos químicos em plásticos são uma das principais causas dos danos que os plásticos causam à saúde. Para evitar esses danos, o tratado deve abranger todos os produtos químicos plásticos e resistir a propostas para excluir qualquer um de cobertura.


Deve exigir a divulgação completa e a rastreabilidade de todos os produtos químicos em plástico, e exigir que eles atendam aos padrões de proteção à saúde, sejam submetidos a testes de toxicidade pré-comercialização em laboratórios independentes e, como nos produtos farmacêuticos, estejam sujeitos a vigilância pós-comercialização.


Essas ações exigirão uma mudança de paradigma nas políticas químicas. Eles exigirão quebrar as barreiras de confidencialidade, que protegem muitas informações sobre produtos químicos manufaturados da divulgação pública, e a revisão de leis que favorecem a inovação industrial em detrimento da saúde pública, e exigem poucos testes de novos produtos químicos para segurança ou toxicidade, antes de entrarem nos mercados.


O tratado precisa proibir todas as formas de combustão de plástico, incluindo a queima de resíduos plásticos, uma prática generalizada em países de baixa e média renda, e o uso de combustíveis derivados de plástico para abastecer barcos e aviões.


O comitê de negociação intergovernamental tem a oportunidade de reduzir a toxicidade do plástico, melhorar a reciclagem e proteger a saúde, incentivando o desenvolvimento de plásticos não tóxicos e projetados de forma sustentável, que não sejam baseados em carbono fóssil.


A estimulação de uma transição em larga escala para o chamado plástico verde exigirá investimentos de governos nacionais e acordos internacionais, que nivelem o campo de jogo financeiro. Esses investimentos precisarão estar na mesma escala que os que agora entram em energia renovável. Acabar com os subsídios multibilionários e isenções fiscais dadas pelos governos nacionais e subnacionais à indústria de combustíveis fósseis, pode ser um primeiro passo fundamental.


Para garantir que o tratado seja justo e proteja a saúde e os direitos humanos de crianças, mulheres grávidas, catadores, pessoas que vivem em comunidades de cercas adjacentes às indústrias plásticas, populações indígenas e outras populações vulneráveis, o comitê de negociação intergovernamental precisa incluir representantes desses grupos nos processos de negociação e implementação do tratado.

O tratado global de plásticos exigirá uma governança adequada. Deve evitar a armadilha da tomada de decisões por consenso, em que uma nação pode manter o mundo como refém e, em vez disso, permitir a implementação por países que endossam o tratado, por meio de disposições comerciais não partidárias.


A implementação precisará ser guiada por um órgão consultivo científico internacional independente das indústrias de plástico e petroquímica, e livre de conflitos de interesse.


Nós, médicos, enfermeiros, profissionais de saúde e cientistas, somos vozes confiáveis que podem ajudar a mitigar a poluição plástica e reduzir seus danos à saúde. Podemos educar nossos pacientes sobre os perigos ocultos dos plásticos de uso único. Podemos reduzir o consumo desnecessário de plástico em nossos hospitais e sistemas de saúde. Podemos defender proibições nacionais e subnacionais de plásticos descartáveis. Podemos apoiar o tratado global de plásticos, pois apoiamos o Acordo Climático de Paris.


A diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, descreve o tratado global de plásticos como “o acordo multilateral ambiental mais significativo desde o Acordo de Paris. Uma apólice de seguro para esta geração e as futuras, para que eles possam viver com plástico e não estar condenados por ele”.


Se o calor extremo prejudica a saúde, qual é o limite do corpo humano?


Comentário publicado na Nature em 09/10/2023, onde pesquisadores de diferentes países afirmam que, como as ondas de calor mortais se tornam mais comuns, os pesquisadores estão estudando o que as pessoas podem tolerar.


O verão do Hemisfério Norte deste ano foi diferente de qualquer outro. Em julho, em Mexicali, no norte do México, as temperaturas atingiram 47°C, forçando as pessoas a permanecerem dentro de casa, para evitar tonturas e desmaios. Em todo o México, uma onda de calor em junho e julho matou pelo menos 167 pessoas. Em julho, uma estação meteorológica na região de Xinjiang, no noroeste da China, registrou 52,2°C; o Vale da Morte da Califórnia viu um punitivo de 53,3°C. E em agosto, no aeroporto de Qeshm Dayrestan, no Irã, altas temperaturas e umidade se combinaram para criar condições que matariam pessoas saudáveis em apenas algumas horas.


Estes são apenas alguns exemplos das intensas ondas de calor que apareceram no verão do Hemisfério Norte deste ano, que tem sido o mais quente já registrado por uma grande margem. Embora os meses de verão tenham terminado, ondas de calor extremas e seus efeitos sobre as pessoas, provavelmente serão um desafio em todo o mundo nas próximas décadas. Esses eventos de calor se tornarão mais comuns e mais severos com a mudança climática, dizem os pesquisadores, levantando preocupações sobre o que o corpo humano pode tolerar, e se as sociedades podem se adaptar.


“O que estamos vendo muito claramente, é que o calor está afetando a saúde humana diretamente”, diz Marina Romanello, pesquisadora de clima e saúde da University College London. “O aumento da incidência de calor muito extremo está ligado a um aumento da morbidade e mortalidade.”


“Há poucas dúvidas de que continuaremos vendo verões mais quentes, e ondas de calor mais frequentes e intensas e longas com o aquecimento global”, diz o epidemiologista ambiental Josep Antó, do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha.


Disfunção renal


Este ano, um forte evento de aquecimento oceânico do El Nino, está ajudando a Terra a quebrar recordes de temperatura. Mas os cientistas do clima calcularam que os eventos de calor em julho na Europa e nos Estados Unidos teriam sido quase impossíveis sem o aquecimento global, e a mudança climática tornou a onda de calor da China 50 vezes mais provável.


Alguns lugares ainda podem ocasionalmente ver períodos mais frios e verões mais suaves devido à variação anual, diz Colin Raymond, cientista climático da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Mas a tendência geral de aquecimento, levará a ondas de calor que empurram os limites humanos, e expõem as pessoas a perigos para a saúde. Os efeitos do calor no corpo são bem conhecidos: ele sobrecarrega o coração e os rins, causa dores de cabeça, perturba o sono e retarda a cognição. Em casos extremos, a insolação pode levar a uma falha de múltiplos órgãos. “O AVC de calor é uma emergência médica. Isso é letal”, diz Romanello.


O efeito do calor nos rins pode contribuir para as altas taxas de doença renal crônica inexplicável entre jovens trabalhadores agrícolas em países como El Salvador, índia e Paquistão, diz Ollie Jay, fisiologista da Universidade de Sydney, Austrália. Esses trabalhadores “estão passando horas no calor, muitas vezes com pouco acesso à água”, diz o pesquisador de saúde pública Dileep Mavalankar, do Instituto Indiano de Saúde Pública Gandhinagar. Um estudo de 2021 na índia encontrou um aumento de 1,4 vezes no risco de disfunção renal entre os trabalhadores ao ar livre, incluindo aqueles na agricultura e na construção, em comparação com pessoas que fazem trabalhos físicos dentro de casa.


As ondas de calor são especialmente perigosas para pessoas vulneráveis, incluindo idosos, recém-nascidos e pessoas com doenças subjacentes, como diabetes e doenças cardíacas. Crianças com menos de um ano de idade lutam para lidar com essa situação, porque seu sistema de termorregulação não está totalmente desenvolvido, diz Mavalankar. E as pessoas mais velhas, particularmente aquelas com mais de 75 anos, lutam para se refrescar porque suas glândulas sudoríparas se tornam menos sensíveis aos sinais químicos do cérebro, diz Jay.


Um planeta quente significará aumentos na mortalidade e nas taxas de doenças respiratórias e cardíacas, diz Antó. Também pode aumentar o número de suicídios, e espera-se que as taxas de nascimento prematuro e baixo peso ao nascer cresçam, porque o calor reduz o fluxo sanguíneo através da placenta e, assim, interrompe o fornecimento de oxigênio e nutrientes para o feto, diz ele. Isso, sem dúvida, vai sobrecarregar os sistemas de saúde, acrescenta.


Em julho, as regiões mais quentes dos Estados Unidos, incluindo Califórnia, Arizona e Nevada, registraram taxas aumentadas de doenças relacionadas ao calor, entre as pessoas que visitam hospitais, em comparação com estados mais frios. A Espanha viu as mortes relacionadas ao calor aumentarem em julho e agosto. “O calor é um assassino silencioso, que se esgueira para as pessoas”, diz Kristie Ebi, que estuda os impactos da saúde das mudanças climáticas na Universidade de Washington, em Seattle.


Calor úmido


Os pesquisadores estão buscando entender os limites de calor, com os quais o corpo humano pode lidar. Não há um limite de temperatura geralmente aceito, em parte porque o calor afeta as pessoas de forma diferente, dependendo de condições como a umidade de ambiente.


As temperaturas dadas nos boletins meteorológicos são tipicamente temperaturas de ar seco tomadas pelos termômetros comuns, que não refletem outros fatores que podem afetar o corpo. Para considerar efeitos como umidade, os cientistas usam uma medida chamada de temperatura da lâmpada úmida. Isso explica o fato de que o suor evapora menos facilmente quando o ar está saturado com água, diz Jay.


Os pesquisadores estimaram que uma temperatura crítica da lâmpada úmida para as pessoas é de 35°C. Neste limiar, uma pessoa saudável pode sobreviver por apenas cerca de seis horas, porque nenhum calor é perdido do corpo através da transpiração ou radiação, levando a insolação até mesmo nas pessoas mais saudáveis. “Todo mundo vai morrer nesse ponto”, diz Jay.


As temperaturas de lâmpadas úmidas são mais altas em locais subtropicais e costeiros no sul da Ásia, no Oriente Médio e no sudoeste da América do Norte, onde há uma potente mistura de calor e umidade.


Uma análise de dados de estações meteorológicas que remontam a 1979 mostra, que as temperaturas das lâmpadas úmidas no Paquistão e no Golfo, ultrapassaram o limite de 35°C por uma ou duas horas de cada vez em várias ocasiões, principalmente desde 2003. Em 6 de julho, o dia mais quente do mundo, as temperaturas atingiram até 27°C nos países do sul da Europa, incluindo Espanha e Itália.


Mas o limite estimado de 35°C é imperfeito, diz Jay: o corpo provavelmente cederia a uma temperatura muito mais baixa. Esse limite foi definido por modelos computacionais, que tratam o corpo como um objeto sem contabilizar alguns fatores fisiológicos, como o quanto de suor as pessoas podem realmente produzir, diz ele. “Em ambientes quentes e muito secos, você não seria capaz de sobreviver muito abaixo do limite de 35°C, porque você não seria capaz de produzir suor suficiente”, diz Jay. Esses modelos também assumem que uma pessoa é completamente sedentária e, portanto, não produz calor do movimento. Um limite mais útil explicaria uma pessoa que realizasse algumas tarefas, diz Jay.


A equipe de Jay está procurando definir um limite mais preciso para a sobrevivência humana, que considere esses fatores. “Vamos validar esse modelo em participantes humanos usando a câmara climática”, diz Jay. A câmara, da Universidade de Sydney, na Austrália, permite que a equipe meça a tensão cardíaca e a função renal de um participante, enquanto aumentar o calor e a umidade, até que as temperaturas corporais atinjam 39,5°C. Usando esses dados, os pesquisadores irão prever como várias condições induzem o desenvolvimento de insolação, diz Jay. “Podemos extrapolar essas mudanças corporais em temperaturas centrais sub-críticas para limites críticos”, diz ele.


Jay também planeja determinar as maneiras mais eficazes de lidar com o calor extremo. A maioria das recomendações para métodos de proteção, baseia-se em estudos de laboratório realizados em condições altamente controladas, diz ele. “O próximo passo é testar essas intervenções em ondas de calor do mundo real.” Sua equipe espera realizar tal estudo em pessoas indianas durante a estação quente, e os pesquisadores estão desenvolvendo dispositivos vestíveis que monitorem a desidratação, a função renal, a pressão arterial e as frequências cardíacas.


Como se adaptar


Enquanto os pesquisadores investigam os limites do corpo e as melhores maneiras de se adaptar, países e cidades estão fazendo uma série de esforços para proteger as pessoas de calor severo. “Está se tornando uma situação de mudar ou morrer”, diz Eugenia Kargbo, diretora de calor da Freetown em Serra Leoa.


Em regiões ricas, muitas vezes no norte global, o ar-condicionado é talvez a estratégia mais eficaz para esfriar as pessoas. Mas isso requer eletricidade, produzindo gases de efeito estufa que aquecem o planeta queimando combustíveis fósseis, diz Jay. Além disso, porque os corpos humanos podem se adaptar a temperaturas mais altas até certo ponto através da exposição, o ar-condicionado pode até reduzir a capacidade das pessoas de lidar sem ele, diz Ebi.


Estratégias mais sustentáveis podem ser mais frutíferas a longo prazo. Hidratar a pele com água usando um frasco de spray ou esponja, e imergir os pés em água fria, são maneiras baratas e fáceis de diminuir a temperatura do corpo. Os ventiladores elétricos usam apenas um quinto da eletricidade do ar-condicionado para a mesma quantidade de resfriamento. No Japão, uma campanha de economia de energia incentiva uma mudança simples: trocar o traje pesado dos negócios por roupas mais frias e leves.


Adaptar o ambiente também pode ajudar. Em Freetown, Kargbo e outros moradores locais plantaram 750.000 árvores; as árvores podem esfriar as cidades, fornecendo sombra e liberando vapor de água. Kargbo também ajudou a colocar coberturas reflexivas nas barracas do mercado para sombrear os comerciantes de frutas e legumes.


Em países como a índia, França, Reino Unido e Espanha, os mecanismos de alerta precoce alertam os sistemas de saúde e o público, para os dias quentes à frente. Quando foi testado em Ahmedabad, na índia, um sistema de alerta precoce levou a uma diminuição de 30 a 40% na mortalidade durante as ondas de calor, diz Mavalankar. Muitas cidades e estados em toda a índia implementaram a estratégia.


Ainda assim, as regiões pobres, muitas no sul global, enfrentam desafios. “Uma delas é uma enorme falta de dados de cuidados de saúde sobre as taxas de doenças e mortalidade”, diz Mavalankar. “Isso torna difícil quantificar o quão bem as abordagens de adaptação ao calor estão funcionando”, diz Kargbo.


Quando o corpo humano é exposto a altas temperaturas, os órgãos lutam para realizar suas tarefas essenciais. A exposição a longo prazo pode causar doenças crônicas.


Orgão Efeito do calor

Cérebro ==> O calor causa tonturas e desmaios, se o corpo estiver desidratado. Também pode atrapalhar o sono, o que reduz a capacidade de uma pessoa se concentrar e aprender.

Coração ==> Conforme o corpo aquece, os vasos sanguíneos dilatam, diminuindo a pressão arterial. O coração bombeia mais sangue e mais rápido, para manter a consciência, o que pode causar ataques cardíacos em pessoas com doenças cardiovasculares.

Pulmões ==> O ar quente agrava as condições respiratórias, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica, causando dificuldades respiratórias.

Rins ==> A desidratação reduz a pressão arterial, o que pode limitar o fluxo sanguíneo para os rins. Isso pode reduzir o suprimento de oxigênio, causando danos. A exposição prolongada ao calor extremo pode levar a doença renal crônica.


Um clima insalubre


Comentário publicado na Science em 26/09/2023, onde um pesquisador americano afirma que as mudanças climáticas trazem terríveis consequências, não apenas para o funcionamento do planeta, mas para a nossa própria saúde.


Os cientistas da Terra muitas vezes chamam a mudança climática de um “grande experimento global”, que a humanidade está realizando descuidadamente, enquanto bombeamos gases de efeito estufa para a atmosfera. As terríveis consequências já estão se tornando claras, não apenas para o funcionamento do planeta, mas para a nossa própria saúde. Nos próximos dias, as histórias deste pacote especial irão explorar as ameaças e como podemos minimizá-las.


As doenças transmitidas por vetores são uma preocupação especial. Um clima mais quente favorece o mosquito que espalha a dengue, e já pode estar alimentando um aumento mundial dessa doença debilitante. O aquecimento também pode ter permitido que os mosquitos portadores de malária florescessem nas terras altas, e carrapatos em zonas mais frias da África, que transportam a doença de Lyme para avançar rumo ao norte. As aves migratórias, que transportam cargas de patógenos como o vírus do Nilo Ocidental e a gripe aviária em todos os continentes, estão mudando o tempo e as rotas de suas viagens, com consequências que ainda não surgiram.


Depois, há os efeitos diretos do calor no corpo humano. O agravamento do número de ondas de calor é inconfundível, com milhares morrendo a cada verão, mas os pesquisadores também estão discernindo impactos mais sutis. Entre os mais vulneráveis ao calor extremo, estão as mulheres grávidas e seus fetos. Estudos epidemiológicos já revelaram ligações com o nascimento prematuro, baixo peso ao nascer, natimorto e outras complicações, e agora os cientistas estão tentando entender os mecanismos.


Como sempre, quando se trata de mudanças climáticas, os efeitos na saúde provavelmente atingirão as partes mais quentes e pobres do mundo. Mas mesmo em países onde o ar-condicionado e as telas de janelas são escassos, a adaptação é possível, já que as cidades estão agora se mostrando esforços para planejar ondas de calor e promover casas mais frias e espaços públicos mais arejados.


E quando se trata de doenças infecciosas, estamos longe de ser impotentes face às ameaças crescentes. “As mudanças climáticas são importantes”, disse o ecologista de doenças Colin Carlson à Science. “Mas as intervenções de saúde pública são 200 vezes mais importantes.”



A temperatura média da Terra em 2023 provavelmente atingirá 1,5 °C de aquecimento


Comentário publicado na Nature em 22/09/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que para violar o limite do acordo de Paris, o aquecimento deve ser sustentado durante muitos anos.


A Terra está a avançar rumo à sua temperatura média, que aumenta 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Um modelo climático sugere que a probabilidade de atingir esse limiar em 2023 é agora de 55%.


O valor de 1,5 °C foi o limite máximo de aquecimento preferido estabelecido pelas Nações Unidas no histórico acordo de Paris de 2015 sobre as alterações climáticas. Os cientistas climáticos usam diferentes modelos para fazer previsões.


Ultrapassar o limite de Paris requer uma tendência de longo prazo de aquecimento de 1,5 °C ou mais, mas alguns grupos de investigação, que monitorizam isoladamente as temperaturas médias anuais, já preveem um aquecimento de 1,5 °C este ano. Em maio, um relatório da Organização Meteorológica Mundial afirmou, que havia 66% de probabilidade de a temperatura média anual ultrapassar os 1,5 °C de aquecimento entre 2023 e 2027.


Em sua atualização mensal de agosto de 2023, Berkeley Earth, uma organização sem fins lucrativos de monitoramento do clima, estimou em 55% a chance de 2023 ser em média 1,5 °C mais quente. Isto é superior a uma probabilidade de menos de 1% prevista pela equipe antes do início do ano, e à probabilidade de 20% estimada com base nos números de julho. “Portanto, este ano decorreu de uma forma muito incomum”, afirma Robert Rohde, principal cientista da Berkeley Earth em Zurique, Suíça.


“Admito que estou surpreso”, diz Rohde. “Fiquei surpreso com o quão quente chegou o mês de agosto.”


Joeri Rogelj, investigador de ciências climáticas e políticas do Imperial College London, adverte que os números não significam que a Terra esteja a aquecer mais rapidamente do que se pensava anteriormente. “Não há absolutamente nenhuma indicação de que a tendência subjacente ao aquecimento, que é muito preocupante por si só, tenha acelerado significativamente.”


Verão quente


Rohde esperava que as coisas arrefecessem um pouco depois de um julho extremamente quente. No entanto, fatores, incluindo o fortalecimento do evento de aquecimento dos oceanos denominado El Niño, contribuíram para o aumento da temperatura. “Estamos começando a chegar a esta posição em que podemos chegar a 1,5 °C” em 2023, diz Rohde. “Achamos que era muito improvável que 1,5°C chegasse este ano.”


Ele atribui algumas das temperaturas extraordinariamente altas a fenómenos que não estão diretamente ligados à atividade humana. “Um dos mais significativos é que havia pouca poeira saindo do Saara no início da temporada”, diz ele. Isto permitiu que o Oceano Atlântico aquecesse a temperaturas mais altas do que o normal.


“Na verdade, trata-se de como o El Niño se desenrolou, o que não é fácil de prever”, diz Rogelj.


A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) também acompanha de perto as mudanças de temperatura. A sua análise não mostra que 2023 atingirá uma média de 1,5 °C de aquecimento. “Nossa análise concorda amplamente com Berkeley, no sentido de que agosto de 2023 foi o agosto mais quente em nosso registro, e que as chances de 2023 ser o ano mais quente desde 1850, excedem 90%”, diz o cientista climático Russell Vose, do National National da NOAA. Centro de Dados Climáticos em Asheville, Carolina do Norte. “Nossa anomalia de agosto de 2023 é de 1,25 °C, mas isso é relativo à média do século XIX, enquanto Berkeley usa 1850–1900. “Isso explica parte da diferença entre nossos números.”


Rohde acompanha de perto outras organizações que fazem previsões semelhantes, incluindo NOAA e NASA. “Com base em onde estamos rastreando, não há muita diferença entre nossa análise e outros grupos. Então pode muito bem ser no final do ano, alguns de nós estão um pouco acima de 1,5 e alguns de nós estão um pouco abaixo”, diz ele.


O colega de Rohde na Berkeley Earth, Zeke Hausfather, analisou as diferenças entre quatro grupos principais que monitoram as temperaturas globais. Cada grupo usa valores ligeiramente diferentes para a média histórica da temperatura da Terra. Para que cada modelo mostrasse 2023 como estando 1,5 °C acima da média pré-industrial, Hausfather analisou o quanto mais quente do que a média, o resto do ano teria de ser. Para o conjunto de dados da NOAA, ele estima que as temperaturas precisariam ser “implausíveis ~2 °C” mais altas. Para o conjunto de dados GISTEMP da NASA, esse valor é de 1,9 °C, e para os dados ERA5 do programa europeu Copernicus, é de 1,8 °C.


“O número exato de 1,5°C é menos importante do que o fato de que esta será novamente a temperatura anual mais alta já registrada”, diz Rogelj. O conjunto de dados de Berkeley mostra uma temperatura média global estimada apenas para este ano, enquanto a meta do acordo de Paris que foi estabelecida em 2021 como sendo o meio de um período de 20 anos durante o qual a temperatura média global atinge 1,5 °C acima da temperatura média entre 1850 e 1900. “Estes dados não significam que violamos o limite de segurança inferior de 1,5 °C do Acordo de Paris, porque isso se aplicará a longo prazo”, diz Rogelj.


Ciência necessária agora, para ação


Editorial publicado na Science em 15/09/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que somente com uma cooperação global pode direcionar o progresso rumo a um futuro comum e sustentável.


No início da 77.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU 77), em setembro de 2022, os membros da ONU concordaram em conceber e implementar soluções para garantir alimentos, água e educação para todos; melhorar o desenvolvimento humano; reformar o sistema financeiro global; garantir um ambiente saudável; e embarcar num caminho em direção a uma sociedade global menos injusta. São necessárias soluções transformadoras para responder às múltiplas crises relacionadas do Antropoceno, e para ajudar a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).


No momento em que se inicia a 78.ª sessão da AGNU, a importância da ciência para ajudar a ONU a progredir nestas questões é tão clara e crítica, como sempre. No entanto, a participação da comunidade científica não é o que poderia e precisa ser.


Na ONU, o papel da ciência como plataforma unificadora de negociação política para enfrentar desafios globais e sistêmicos, é bem reconhecido, através de entidades como o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas e a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Os relatórios desses organismos fornecem os conhecimentos mais recentes à comunidade internacional, para ajudar a resolver questões sistêmicas, e a identificar soluções transformadoras para uma ação coordenada a nível local, nacional e global.


No entanto, os mecanismos científicos existentes, que apoiam o trabalho da ONU, reconheceram deficiências. Por exemplo, a maior parte dos dados e das informações não são apresentados em tempo real, o que significa que o apoio científico, muitas vezes não está atualizado e não é relevante.


Além disso, os dados são frequentemente fornecidos e analisados por instituições, que representam apenas parcialmente os membros da ONU. Os dados refletem muitas vezes avaliações instantâneas, em vez de uma monitorização e análise conjunta e consistente das tendências, ao longo do tempo e do espaço. Além disso, as externalidades positivas e negativas do desenvolvimento muitas vezes não são compreendidas; portanto, muitos investimentos aparentemente bons, saem pela culatra noutros setores.


Na tentativa de enfrentar tais desafios, está a ser convocada uma “reunião científica” na AGNU 78. O objetivo é desenvolver e lançar colaborações, que demonstrem mecanismos e atividades científicas globais, que apoiem e validem o desenvolvimento sustentável. Os líderes da ONU estão empenhados em trabalhar com cientistas para identificar soluções transformadoras, e apresentá-las aos Estados membros. Outros esforços incluem o Fórum Multilateral sobre Ciência, Tecnologia e Inovação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o recentemente anunciado conselho consultivo científico do secretário-geral da ONU e o Grupo de Amigos sobre Ciência para Ação, lançado durante a AGNU 77.


Para apoiar a transformação dentro da ONU e a nível nacional, a investigação precisa ser intersetorial, incentivando a colaboração entre domínios, setores e ministérios, centrada em missões para promover um futuro equitativo e sustentável. No centro das discussões na AGNU nos próximos anos, está a forma como as nações podem garantir alimentos e água para todos, aumentar a absorção de carbono nos ecossistemas naturais, e dissociar o consumo de recursos do desenvolvimento.


Outras questões incluem como os países podem garantir saúde e educação sustentáveis e acessíveis para todos, e como podem restaurar e proteger o ciclo da água, para melhorar a saúde humana e dos ecossistemas, mitigar e adaptar-se às alterações climáticas, e tornar a nossa economia mais resiliente aos choques. Também será importante perguntar como as nações podem conceber e implementar um futuro sistema de fornecimento de energia inteligente, acessível, inclusivo e em termos de recursos naturais, e como podem gerir a urbanização; construir e modernizar cidades e comunidades seguras, resilientes e sustentáveis para acabar com a pobreza; e priorizar a equidade, o bem-estar humano e a saúde ecológica.


As formas como os países se afastam dos perigosos modelos de negócio extrativos, alteram o conceito de produto interno bruto para incluir a sustentabilidade social e ambiental, e ajustam o sistema financeiro internacional em conformidade, também serão questões fundamentais.


Um passo em direção a um sistema em tempo real, para descrever tendências que são relevantes para a formulação de políticas na AGNU, ocorreu durante o 3º Fórum Internacional sobre Big Data para Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em Pequim. A Organização Meteorológica Mundial e o Grupo de Observação da Terra convocaram um painel de líderes de instituições mundiais, para discutir a melhor forma de apoiar o desenvolvimento de políticas através de descritores-chave de sustentabilidade. Estes descritores integram indicadores dos 17 ODS; para fornecer produtos de informação em tempo real sobre economia, meio ambiente e desenvolvimento social; e destacar tendências que podem ser usadas para corrigir políticas e financiamento para o desenvolvimento sustentável.


A desconfiança, o conflito e a insegurança, estão a minar a cooperação global e a abrandar o nosso progresso rumo a um futuro comum e sustentável. Mas 2024 apresenta uma nova oportunidade e, com fortes bases científicas e ampla participação, ainda poderemos construir caminhos para um futuro unificado e sustentável.


Igualdade de gênero: o caminho para um mundo melhor


Editorial publicado na Nature em 06/09/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que os resultados em termos de saúde, a erradicação da pobreza e uma melhora na ecologia do ambiente são melhorados, quando o poder é partilhado igualmente entre os gêneros masculino e feminino.


A luta pela igualdade de gênero global não está nem perto de ser vencida. Vejamos o exemplo da educação: em 87 países, menos de metade das mulheres e meninas completam o ensino secundário, de acordo com dados de 2023. Os talibãs do Afeganistão, continuam a proibir mulheres e meninas de frequentarem escolas secundárias e universidades. Ou vejamos o caso da saúde reprodutiva: o direito ao aborto foi restringido em 22 estados dos EUA, desde que o Supremo Tribunal derrubou as proteções federais, privando mulheres e jovens de autonomia, e restringindo o acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva.


O ODS 5, cujo objetivo declarado é “alcançar a igualdade de gênero e capacitar todas as mulheres e meninas”, é o quinto dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. O ODS 5 inclui metas para acabar com a discriminação e a violência contra mulheres e meninas nas esferas pública e privada, erradicar o casamento infantil e a mutilação genital feminina, garantir os direitos sexuais e reprodutivos, alcançar a representação igual das mulheres em posições de liderança, e conceder direitos iguais aos recursos econômicos. Globalmente, o objetivo não está no bom caminho para ser alcançado, e apenas alguns países atingiram todas as metas.


Em julho, a ONU introduziu dois novos índices, o Índice de Empoderamento das Mulheres (WEI) e o Índice Global de Paridade de Gênero (GGPI). O WEI mede a capacidade e a liberdade das mulheres para fazerem as suas próprias escolhas; o GGPI descreve a disparidade entre mulheres e homens em áreas como a saúde, a educação, a inclusão e a tomada de decisões. Os índices revelam, de forma deprimente, que mesmo quando se reduz uma pequena disparidade de gênero, não se traduz automaticamente em elevados níveis de empoderamento das mulheres: 114 países aparecem em ambos os índices, mas os países que têm bons resultados em ambas as pontuações cobrem menos de 1% de todas as meninas e mulheres.


A pandemia da COVID-19 piorou a situação, com as mulheres a suportarem o fardo mais elevado de cuidados infantis adicionais não remunerados quando as escolas tiveram de fechar, e sujeitas a uma violência doméstica intensificada. Embora os casamentos infantis tenham diminuído de 21% de todos os casamentos em 2016 para 19% em 2022, a pandemia ameaçou até mesmo este progresso incremental, empurrando até mais de 10 milhões de meninas para o risco de casamento infantil durante a próxima década, para além dos 100 milhões de meninas que estavam em risco antes da pandemia.


Dos 14 indicadores do ODS 5, apenas um ou dois estão perto de serem cumpridos até o prazo de 2030. Em 1 de Janeiro de 2023, as mulheres ocupavam 35,4% dos assentos nas assembleias governamentais locais, um aumento em relação aos 33,9% em 2020 (a meta é a paridade de gênero até 2030). Em 115 países para os quais havia dados disponíveis, foram promulgados cerca de três quartos, em média, das leis necessárias que garantem o acesso pleno e igualitário à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos. Mas a ONU estima que, em todo o mundo, apenas 57% das mulheres casadas ou em união estável, tomam as suas próprias decisões em relação à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos.


A discriminação sistêmica contra meninas e mulheres por parte dos homens, em muitos contextos, continua a ser uma barreira colossal para alcançar a igualdade de gênero. Mas o patriarcado não é uma “ordem natural das coisas”, argumenta Ruth Mace, antropóloga da University College London. Existem centenas de sociedades centradas nas mulheres em todo o mundo. Como descreve a escritora científica Angela Saini no seu último livro, Os Patriarcas, estes não são muitas vezes o polo oposto dos sistemas dominados pelos homens, mas sim sociedades nas quais homens e mulheres partilham a tomada de decisões.


Um exemplo vem do povo Mosuo, na China, que tem comunidades “matrilineares” e “patrilineares”, com direitos como a herança transmitida pela linhagem masculina ou feminina. Os investigadores compararam os resultados da inflamação e da hipertensão em homens e mulheres nestas comunidades, e descobriram que as mulheres em sociedades matrilineares, nas quais têm maior autonomia e controlo sobre os recursos, tiveram melhores resultados de saúde. Os pesquisadores não encontraram nenhum efeito negativo significativo da matrilinearidade nos resultados de saúde dos homens.

Quando se trata dos ODS, estão a surgir evidências de que uma abordagem mais igualitária de gênero à política e ao poder, beneficia muitos objetivos. Num estudo publicado em maio, Nobue Amanuma, vice-diretora do Centro Integrado de Sustentabilidade do Instituto de Estratégias Ambientais Globais em Hayama, Japão, e dois dos seus colegas, testaram se os países com mais mulheres legisladoras e mais legisladores mais jovens, têm um melhor desempenho nos ODS. Descobriram que era sim, com o efeito mais acentuado para objetivos socioeconômicos, como acabar com a pobreza e a fome; do que para objetivos ambientais, como a ação climática ou a preservação da vida na terra. Os pesquisadores recomendam mais estudos qualitativos e quantitativos para entender melhor os motivos.


A realidade de que a igualdade de gênero leva a melhores resultados noutros ODS, não é, no entanto, tida em conta na maioria dos próprios objetivos. Dos 230 indicadores únicos dos ODS, 51 fazem referência explícita às mulheres, às meninas, ao gênero ou ao sexo, incluindo os 14 indicadores do ODS 5. Mas não há colaboração suficiente entre as organizações responsáveis pelos diferentes ODS, para garantir que o sexo e o gênero sejam tidos em conta. O indicador para a meta de saneamento (ODS 6) não inclui dados desagregados por sexo ou gênero. A menos que tenhamos este conhecimento, será difícil acompanhar as melhorias neste e noutros ODS.


O caminho para um mundo com igualdade de gênero é longo e o poder e a liberdade das mulheres para fazerem suas próprias escolhas, ainda são muito limitados. Mas as evidências da ciência estão apontando que elas precisam tornar-se mais fortes: a distribuição de poder entre gêneros cria o tipo de mundo em que todos precisamos e queremos viver.




“Cura da Loucura”

Dr. Russen Moreira Conrado

Cirurgião Plástico e Psicoterapêuta


O filósofo Nietzsche, numa de suas reflexivas afirmações, assim expressou enigmaticamente suas palavras: “se minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras”. Com esse aforismo, aqui flutuo o meu pensar, buscando encontrar a ação que explica esse incongruente ou inconsequente modo de ser. Quer dizer que o louco, uma vez louco, sempre assim será? Fujo da ideia de querer entender isso como uma verdade absoluta; ainda que tenha certeza, que há loucos que apresentam uma alteração psíquica tão severa, que jamais terão um pingo sequer de sadia ou sábia sanidade. Esse mesmo austríaco também complementa nas suas elucubrações que: “há sempre alguma loucura no amor; mas há sempre um pouco de razão na loucura”. É nesse pingo de razão, mesmo sem tantos fundamentos ou justificativas, que minha imaginação tenta pescar essa cura, ainda que eu não encontre a isca ou o chamariz da solução. Neste texto, eu misturo um pouco o que é ético, moral ou legal, com aquilo que vem do intelecto, da imaginação, ou da ação de entender para ajudar, a louca loucura que nem os loucos conseguem expor, decifrar, penetrar, ou expressar...!!

Mesmo que meus colegas (mais entendedores do que eu em relação ao funcionamento do psiquismo) acreditem ser isso fruto de uma grande ignorância, a minha suspeita ou desconfiança flutua nessa possibilidade e ânsia, de querer ajudar ou encontrar essa ausência de explicação. Talvez, esse primeiro nome do título seja apenas a cura que existe no nome loucura (raciocinando em termos da origem da palavra), não a cura da loucura propriamente dita. Filosofar não arranca pedaços; é factível, porém, de gerar ou criar o que se esconde na maioria das mentes que não o fazem. Etimologicamente, loucura vem da junção das palavras louco (que perdeu a razão), e ura (sufixo que indica uma ação ou efeito dela). Será que para o louco, na filosofia de seu penso pensar, pessoas consideradas relativamente normais, são os verdadeiros loucos da história...?? Ou eles não teriam essa dimensão...?? Como imaginar e entender a loucura, se não somos ou não temos a capacidade e a “empatia” para ingressar no mundo do louco...?? Estaria essa cura na espiritualidade, na pesca da ciência ou no anzol da consciência...?? Decerto, temos ou escondemos (deus)cisões que (deus)afiam (deus)tinos ou (deus)ejos...!!

A procura da obscura cura que se esconde na mente do louco (e do estudioso do psiquismo) é possível trazer surpresas, e até mesmo certezas. Aristóteles diz: “nunca existiu uma grande inteligência, sem uma veia de loucura”. Provavelmente, seja sutil a linha que separa a genialidade da loucura; ainda que, para alguns, ela seja uma estrutura cimentada; e noutras ocasiões, para outras pessoas, pareçam ser frágil e estreita. O mundo hoje é uma fábrica de seres que passeiam nos arredores ou nas beiras dos desfiladeiros da loucura. Mesmo sabendo que, muitas vezes, é nessa busca de entendê-la que encontramos o autoconhecimento que tanto procuramos. A razão (ou desrazão) “diferente” que se esconde no abismo da loucura seria capaz de buscar essa cura que imaginamos não existir, quando estamos longe dessa situação...?? Bem, aqui exponho indagações para transformar em trivial (ou desigual), a essência do necessário real e da solução essencial vindas do ensino (e da existência) da loucura. Com responsabilidade, e limites, façamos parte da cura da loucura, do mundo, ou de quem quer que assim seja – assim seja.


A ciência é clara: o desenvolvimento sustentável e a ação climática são inseparáveis


Editorial publicado na Nature em 29/08/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que a sustentabilidade não pode ser alcançada sem ação climática e vice-versa. O que é necessário é uma luta em ambas as frentes.


Quando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram adoptados em setembro de 2015, o resultado da próxima reunião das Nações Unidas sobre o clima, que teria lugar em Paris três meses depois, estava tudo, menos garantido. Os líderes globais, diplomatas, ambientalistas e cientistas estavam todos perfeitamente conscientes do fracasso do mundo, em garantir um acordo sobre um novo pacto climático em Copenhague, seis anos antes, e as negociações ainda estavam em fluxo. Esta é uma das razões pelas quais o 13.º dos 17 ODS, “tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos”, não inclui nenhuma meta numérica para limitar o aumento da temperatura global.


Contudo, a magnitude e a urgência da tarefa nunca estiveram em dúvida. Várias décadas de ciência chegaram a uma conclusão consistente e incontestável: as temperaturas globais continuarão a subir até que as pessoas parem de lançar gases com efeito de estufa na atmosfera.


A questão agora é saber qual a melhor forma de reduzir as emissões, dado que o desafio envolve mais de 8 bilhões de pessoas e muitas peças móveis. O ODS 13 fornece um esboço básico para o sucesso: adoptar políticas climáticas nacionais, fazer a transição para as energias renováveis, aumentar a resiliência aos riscos e desastres climáticos e levar ajuda e investimento internacionais aos países que mais necessitam.


Promessas, promessas


O mundo está a avaliar o progresso alcançado em cada um dos ODS antes da reunião da ONU em Nova Iorque, no próximo mês. Com 2030 definido como prazo original para alcançar os ODS, a reunião servirá como ponto médio dos objetivos.


A história na frente climática é tristemente familiar: não faltam promessas, mas nem de longe ações suficientes. As consequências do aquecimento contínuo estão agora a tornar-se muito claras, à medida que as pessoas em todo o mundo são afetadas por tempestades, inundações, ondas de calor, secas e incêndios. Este ano poderá muito bem ser o mais quente já registado e os cientistas esperam que o próximo ano seja pior.


O problema não é falta de clareza. O acordo climático negociado em Paris em dezembro de 2015, criou um objetivo simples de limitar o aquecimento global a 2 °C, e idealmente 1,5 °C, acima dos níveis pré-industriais, e os cientistas do clima definiram o que precisa ser feito para atingir esse objetivo.


Em 2022, o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas estimou que, para manter uma probabilidade de 50% de limitar o aquecimento a 1,5 °C, as emissões globais de carbono teriam de cair quase a metade até 2030, e atingir zero emissões líquidas no início da década de 2050; quaisquer emissões residuais teriam de ser compensadas através da sucção dos gases com efeito de estufa da atmosfera.


Em algumas medidas, houve progresso. Todos os 193 países que ratificaram o Acordo de Paris, apresentaram compromissos climáticos nacionais, e mais de 100 reforçaram os seus compromissos climáticos, durante os últimos dois anos. A disponibilidade de energia renovável está a acelerar, com 107 gigawatts de capacidade, mais do que a capacidade energética total combinada da Alemanha e Espanha, prevista para ser colocada em funcionamento este ano, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). E mais de 30 países, principalmente nações ricas, demonstraram que é possível reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e, ao mesmo tempo, aumentar o tamanho das suas economias, de acordo com o Breakthrough Institute.


Altos e baixos


No entanto, após uma breve queda durante a pandemia, as emissões de carbono relacionadas com a energia, atingiram um recorde de quase 37 mil milhões de toneladas em 2022, segundo a AIE. As emissões têm diminuído há décadas em muitos países ricos, mas não com rapidez suficiente para compensar os aumentos na China, na Índia e em outros países de baixo e médio rendimento.


A mais recente avaliação da ONU sobre o progresso ao abrigo do Acordo de Paris prevê que, até 2030, as emissões globais deverão cair apenas 0,3%, em relação aos níveis de 2019. Supondo que os países cumpram todos os seus compromissos e metas, o aquecimento global poderá ser limitado a cerca de 2 °C, de acordo com o Climate Action Tracker, um consórcio de investigadores que monitoriza as políticas climáticas governamentais. No entanto, com base nas políticas atuais, o consórcio afirma que o mundo está no caminho certo para algo mais próximo dos 2,7 °C.


O que o acordo de Paris não faz, é determinar quem deve fazer o quê, e até quando, para dobrar a curva. A implementação real está nas mãos de cada nação e região. A orientação existe sob o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, que remonta à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas de 1992. Segundo este princípio, os países ricos, que há muito beneficiavam dos combustíveis fósseis, concordaram em ser os primeiros a agir para reduzir as emissões. Em 1997, muitas destas nações tinham aceitado as primeiras metas de redução de emissões juridicamente vinculativas, ao abrigo do Protocolo de Kioto, a serem alcançadas, além de fornecerem apoio contínuo aos países mais pobres para o desenvolvimento sustentável.


Balanço global


Neste contexto, o acordo de Paris foi concebido como uma espécie de exercício de construção de confiança. Os países de baixo e médio rendimento concordaram que eles também reduziriam as emissões e prosseguiriam com as estratégias de desenvolvimento mais limpas. O primeiro balanço global dos progressos rumo ao acordo de Paris está previsto para ser concluído este ano. Todas as partes são instadas a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para atingir os seus objetivos e, à medida que a confiança e a cooperação aumentem ao longo do tempo, o mesmo acontecerá com a ambição climática.


No entanto, essa confiança é escassa. O ODS 13 também repete um compromisso específico que foi feito pela primeira vez na reunião falha de Copenhague em 2009: que os países ricos aumentariam o financiamento climático para 100 mil milhões de dólares anuais até 2020. Isto é apenas uma fração do que é necessário, e, 14 anos mais tarde, mesmo essa meta ainda não foi alcançada. Em contraste, entre o grupo de potências econômicas do G20, o apoio financeiro público aos combustíveis fósseis, mais do que duplicou entre 2019 e 2022, para 1,4 biliões de dólares, à medida que os preços da energia dispararam na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, de acordo com o consórcio de investigação Energy Policy Tracker. Esse total inclui 440 mil milhões de dólares para apoiar o desenvolvimento de novos combustíveis fósseis.


O tempo não está do nosso lado. O mundo já está perto de 1,5°C de aquecimento. À medida que os impactos climáticos aumentam, propagar-se-ão em cascata pelas sociedades, tornando mais difícil alcançar outros ODS em áreas que vão do saneamento e da saúde pública à desigualdade, à pobreza e à fome.


Limitar o aquecimento tornará mais fácil alcançar outros objetivos, mas, como observamos no nosso editorial sobre o objetivo energético, ODS 7, pesquisas recentes mostraram que o inverso também é verdadeiro: quanto mais progressos os governos fizerem no desenvolvimento de soluções holísticas, que abordem os objetivos como um todo, mais fácil será alcançar os objetivos energéticos e climáticos.


O que o mundo precisa é de líderes que possam construir coligações políticas viáveis para promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e mais equitativo. Alguns chamam a isto a “transição justa”, de uma economia global baseada em combustíveis fósseis para uma economia impulsionada por energias limpas. O trabalho dos cientistas e acadêmicos é estar preparado para opções políticas quando esse dia chegar. Não é apenas a coisa certa a fazer; é também a nossa melhor esperança para o futuro.


“Adia dia a dia”

Dr. Russen Moreira Conrado

Cirurgião Plástico e Psicoterapêuta


Neste texto, fundamentalmente, alerto a todos que, no amanhã sempre haverá de reinar o sol; e por mais que estejamos embutidos e sepultados em inquietações, dúvidas e temores, que o raiar dele nos traga a gratidão de vê-lo, nos conduza pela certeza do reinício que passeia na mente, e nos guie pela alegria de espreitar a beleza que o tempo, muitas pessoas, e a natureza irradiam. Quando tivermos um dia cheio de contratempos, que prove, comprove ou reprove a nossa capacidade de aceitação e readaptação, e que nos testes com testes que imaginamos não ter a condição de tolerar e superar, nesse instante, saibamos sim, que o novo dia reinará, e haverá de ser mais tranquilo e generoso com a nossa tranquilidade de aceitar. Adie para amanhã quando o dia termina e já não há mais o que fazer; porque dia a dia o tempo nos mostra essa verdade. Amar também é acalentar e serenar o desconforto ou desalento, quando estamos sofrendo. Tentar amanhã e viver hoje.

Aqui, não falo da procrastinação, de colocar para adiante o que não deve ser adiado. Disserto sim, decerto, sobre esse fim que termina com o dia, e sobre um novo sim, que reinicia no amanhã. Que consertemos o que seja factível de consertar, renovemos esperança, meditemos sobre o que deve ser mudado e façamos o que carece ser feito. A ação move o homem, e o mundo se transforma pelo seu efeito. Lembro de uma reflexão de Picasso louvando e enlevando o valor da ação, quando disse: “a ação vale mais do que a intenção”. Minha vontade é enaltecer a certeza de que dias de angústia terminam, mesmo que se imagine que esse momento (de consolo, conserto e conforto) não chegará. No dia que raiar um outro sol do viver, desperte para o novo que estaciona no psiquismo; e que fica insistente, trancado e lacrado na prisão da mente; com esse deslumbre jovial, que quer nos ensinar mesmo que não queiramos aprender...!! No dia a dia, renovemos sempre o espírito e a alma; e o corpo que é saciado com atividade física, bons alimentos, um sereno sono, e outras coisas mais.

O amanhecer que vem adiante, quer queiramos ou não, que seja um instante do novo que quer nascer...!! Mesmo no velho que insiste no limite (a despeito do não querer), ele deve carregar um algo jovem e moço, a despertar. Muitas vezes, esquecemos aprendizados do passado e vivemos, mais frequentemente, os ensinos, vivências e experiências do dia a dia. A essência viva, a evidência do que passou, e a eternidade enxuta da criança que se formou, entretanto, se faz e se repete a todo o instante. A tatuagem das perdas e das coisas que não desejamos trazem sim, mesmo na alegria, uma repetição de sombras ausentes, que persistem em existir. Faço ênfase, insistente, que o amanhã haverá de surgir, e um resplandecente céu claro vai aflorar, com exceção para os seres que não tem o privilégio de acordar...!! Quando terminar um dia de provação, cheio de dor, tristeza e aflição, adie ou cancele, a ideia do sofrer. O sol vai ressuscitar...!! O “adia dia a dia” é uma ode ao alvorecer; e também, um louvor ao nosso ser, que construímos todos os dias...!! Vivamos a essência maior de nosso enigmático inconsciente; e sejamos felizes.

Quer um futuro sustentável? Então olhe para as cidades do mundo


Editorial publicado na Nature em 16/08/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que num mundo em rápida urbanização, o que acontece nas cidades é importante, e as histórias de sucesso em sustentabilidade mostram, o que pode ser alcançado quando investigadores e políticos com poder de decisão, trabalham em conjunto.


Mais de metade da população mundial vive em cidades, e essa proporção deverá crescer. Até 2050, mais dois mil milhões de pessoas serão residentes urbanos, estimam as Nações Unidas. As cidades estão no centro de todos os aspectos do desenvolvimento humano, desde a construção de economias prósperas, até ao enfrentamento das alterações climáticas.


O 11º dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU visa até 2030 “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. O progresso em direção a este objetivo é fraco, tal como acontece com muitos outros ODS. Um relatório de 2023 da ONU-Habitat, a agência da ONU encarregada de construir um futuro urbano sustentável, demonstra claramente que o mundo está fadado a falhar a maior parte ou todas as metas do ODS 11.


As cidades são locais complexos, onde inúmeras questões podem evoluir para uma crise, em diferentes escalas e ao longo de longos períodos de tempo. Os principais temas incluem habitação, gestão de resíduos e transporte. Os pesquisadores podem ajudar a mudar a situação conectando todos esses aspectos, usando pesquisa de complexidade, pensamento sistêmico e outros métodos para fornecer informações acionáveis.


A lista de desafios que as cidades do mundo enfrentam é sustentada pela desigualdade persistente, o tema do ODS 10. Mais de 1 bilhão de pessoas vivem em assentamentos informais sem acesso regular a água canalizada, saneamento e outros serviços municipais. Centenas de milhões de pessoas não têm casa alguma. As pessoas que vivem em aglomerados populacionais extensos têm muitas vezes de percorrer longas distâncias para chegar ao trabalho; esses deslocamentos agravam a poluição do ar e reduzem a produtividade dos trabalhadores.


No entanto, menos de duas em cada cinco nações, que adotaram o amplo conjunto de ODS, têm estratégias explícitas para as cidades, observou o World Resources Institute num relatório de 2021. Mesmo cidades do mesmo país podem enfrentar desafios diferentes, mas os dados relevantes são frequentemente recolhidos apenas a nível nacional. As tentativas de traduzir os dados em metas de desenvolvimento sustentável, também podem ser dificultadas por limitações de recursos, preocupações com a privacidade e divergências sobre a propriedade dos dados.


Os líderes locais capacitados podem, no entanto, desenvolver soluções úteis. Bangkok, por exemplo, enfrentou o duplo desafio dos assentamentos habitacionais informais e das inundações, trabalhando com cooperativas de pessoas que vivem nestas áreas. Kampala na Uganda, reformulou as relações entre as agências municipais e os seus residentes, adotando práticas de gestão de resíduos, que deram prioridade às comunidades de baixos rendimentos, e aumentaram significativamente a quantidade de resíduos humanos que a cidade podia tratar. Na Indonésia, Surabaya introduziu um programa no qual as pessoas podem usar garrafas plásticas para pagar passagens de ônibus; o plástico é recolhido para reciclagem, e os fundos aplicados na operação dos autocarros, reduzindo simultaneamente o lixo e reforçando o transporte público.


Apesar destas necessidades diferentes, muito mais pode ser feito para estabelecer quadros holísticos para o estudo das cidades. Algumas ideias estão a emergir de uma pequena mas focada colaboração internacional, chamada PEAK Urban, que liga investigadores de instituições na China, Colômbia, Índia, África do Sul e Reino Unido. Estes investigadores estão entre aqueles que apelam a uma “nova narrativa urbana para o desenvolvimento sustentável”, que coloque em primeiro plano, a complexidade e a ciência dos sistemas.


Há uma longa e rica história de estudo das cidades como sistemas complexos. Isso vai desde o trabalho do físico Geoffrey West, do Santa Fe Institute, no Novo México, mostrando como leis matemáticas simples governam as taxas de criminalidade, a velocidade média de caminhada, e muitos outros aspectos da vida na cidade, até os insights de Michael Batty e Paul Longley, da University College London, sobre a natureza fractal do crescimento urbano. A investigação também deve incorporar aspectos como a desigualdade e as alterações climáticas, e deve adaptar os resultados às necessidades de cada cidade.


Isso significa, por exemplo, não apenas executar um modelo climático para descobrir quais partes de Jacarta serão as mais quentes nos próximos anos, mas também descobrir como o calor afetará os motoristas de microônibus, cuja perda, mesmo que temporariamente, poderá interromper a atividade de transporte pela cidade. Outro exemplo vem da Colômbia, onde investigadores que trabalham com o PEAK Urban, estão a utilizar a aprendizagem automática para analisar imagens de satélite e prever as necessidades de água e esgotos das cidades. Esta abordagem combina dados do governo, da indústria e das pessoas que necessitam dos serviços para alocar recursos escassos.


Outros investigadores deveriam adotar abordagens semelhantes, e começar a enfrentar os desafios urbanos numa abordagem ampla, de sistemas de sistemas. O trabalho será confuso, demorado e difícil. Exigirá uma colaboração detalhada com as pessoas no terreno, e um sentido bem apurado do que é possível politicamente. Considere o exemplo de David Hondula, especialista em calor extremo na Arizona State University e diretor do Escritório de Resposta e Mitigação de Calor em Phoenix, um departamento formado em 2021. Ele trabalhou no cenário fragmentado de serviços municipais para mobilizar recursos como centros de resfriamento e na divulgação, para ajudar pessoas sem-teto, durante a brutal onda de calor de julho na cidade.


Uma fragmentação semelhante e mais ampla deve ser abordada para que as experiências, intervenções e histórias de sucesso de uma cidade, possam ser aplicadas de uma forma mais ampla. Atualmente, as cidades carecem de visibilidade e proeminência nos sistemas de governação internacionais e multilaterais. Os especialistas em políticas e os cientistas sociais, com conhecimento de governação internacional, devem colaborar com os planeadores urbanos e os governos locais, para ajudá-los a dirigir as suas mensagens às pessoas certas, de forma a alimentar o discurso político internacional. Só através de tais esforços é que as cidades a nível mundial, e, portanto, o mundo, poderão ser colocadas no caminho de um futuro sustentável.


Como diz Susan Parnell, da Universidade de Bristol, no Reino Unido: “As cidades são os lugares onde estas coisas serão ganhas ou perdidas”.


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