CANTIM DA COVID (PARTE 8)
- Dylvardo Costa Lima
- 6 de mar. de 2021
- 71 min de leitura
Atualizado: 1 de out. de 2021

O impacto psicológico do COVID-19 na saúde mental na população em geral
Em um artigo publicado no An International Journal of Medicine em 30/06/2020, pesquisadores italianos comentam sobre o impacto psicológico do COVID-19 na saúde mental na população em geral.
Como resultado do surgimento do surto de doença de coronavírus 2019 (COVID-19) causado por infecção grave por síndrome respiratória aguda do SARS-CoV-2, ocorrido inicialmente na cidade chinesa de Wuhan, uma situação de crise socioeconômica e de sofrimento psicológico rapidamente ocorreu em todo o mundo.
Embora as atividades sociais tenham sido restritas na maioria dos países, quase todos os movimentos individuais não essenciais foram proibidos devido à quarentena, enquanto os hospitais locais receberam subitamente milhares de pacientes com COVID-19 em estado crítico, e foram forçados a implementar seus protocolos de emergência. Nesse contexto, a população em geral e a maioria dos profissionais de saúde da linha de frente, ficaram vulneráveis ao impacto emocional da infecção por COVID-19 devido à pandemia, e aos seus desdobramentos em todo o mundo.
Muitos problemas psicológicos e consequências importantes em termos de saúde mental, incluindo estresse, ansiedade, depressão, frustração e incerteza durante o surto de COVID-19, surgiram progressivamente. As reações psicológicas comuns relacionadas à quarentena de massa que foi imposta para atenuar a disseminação do COVID-19, são a ansiedade e o medo generalizados da comunidade, que normalmente estão associadas a surtos de doenças, que são aumentadas com a escalada de novos casos, e que são agravadas por informações inadequadas e provocadoras de ansiedade que são fornecidas pela mídia.
As reações psicológicas à pandemia de COVID-19 podem variar de um comportamento de pânico ou histeria coletiva a sentimentos difusos de desesperança e desespero, por vezes associados a desfechos negativos extremos, incluindo o comportamento suicida. Por este motivo é importante se identificar outras medidas de saúde que possam estar comprometidas por uma ansiedade anormalmente elevada. À medida que a população em geral se tornou cada vez mais exposta, é necessário identificar rapidamente outros tópicos que possam também provocar ansiedade, relacionados a esse surgimento da crise de saúde, com a consequente repercussão socioeconômica, para detectar precocemente processos disfuncionais e mudanças no estilo de vida adaptativo, que potencialmente possam levar ao aparecimento de condições psiquiátricas, às vezes, latentes.
O impacto psicológico da quarentena relacionado à infecção por COVID-19
No mundo moderno atual, em que todos os indivíduos são capazes de viajar e se comunicar rapidamente, raramente a população foi forçada como agora ao isolamento social e às atuais restrições, que estão ligadas a sentimento de frustração e incerteza. Essa situação sem precedentes relacionada ao surto da COVID-19, está demonstrando claramente que os indivíduos estão em grande parte emocionalmente despreparados para os efeitos prejudiciais dos desastres biológicos, e que mostram diretamente como todos podem estar igualmente frágeis e desamparados.
Embora sejam necessárias regulamentações governamentais, para manter o equilíbrio social e garantir a segurança de todos os indivíduos, falta atualmente uma estratégia direta para gerenciar os problemas psicossociais relacionados à crise do COVID-19 e às suas consequências na comunidade.
Os estudos relataram uma maior prevalência de indivíduos com sintomas psicológicos, distúrbios emocionais, depressão, estresse, alterações de humor e irritabilidade, insônia, sintomas de estresse pós-traumático, raiva e exaustão emocional, entre os que estão em quarentena. Notavelmente, o medo, a raiva, a ansiedade, a insônia, a confusão e a tristeza, foram identificadas como respostas psicológicas adicionais ao isolamento social.
Também foram relatadas mudanças comportamentais de longo prazo, como a lavagem frequente das mãos e o afastamento de multidões, bem como um retorno tardio à normalidade, mesmo depois de muitos meses após a quarentena. Assim, o período de quarentena parece ter consequências psicológicas importantes e disfuncionais na saúde mental do indivíduo, não apenas a curto prazo, mas mesmo a longo prazo.
Infecção por COVID-19 na saúde mental: quais são as principais reações psicológicas na população em geral?
As evidências existentes mostraram claramente os impactos psicológicos mais relevantes e profundos dos surtos na população em geral. Embora os medos específicos e não controlados relacionados à infecção, a ansiedade generalizada, a frustração, o tédio, e a solidão tenham sido sugeridos como prejudiciais ao bem-estar subjetivo e à qualidade de vida; a resiliência e o suporte social aprimorados, são fatores de proteção essenciais, que podem ajudar no que diz respeito às mudanças no estilo de vida e nos mecanismos de readaptação.
Reações psicológicas mais relevantes à infecção por COVID-19
- Medos inespecíficos e não controlados relacionados à infecção => essa é geralmente uma das reações psicológicas mais frequentes às pandemias. Vários estudos existentes demonstraram que aqueles que foram expostos ao risco de infecção, podem desenvolver medos generalizados sobre sua saúde, preocupações em infectar outras pessoas e principalmente, medo de infectar outros membros da família.
Esses indivíduos são os mais vulneráveis do que outros a manifestar preocupações, especialmente se experimentarem sintomas físicos potencialmente ligados à infecção, e temem que os sintomas estejam diretamente associados à infecção ativa, mesmo vários meses após a exposição. Outros estudos relataram que mulheres grávidas e indivíduos com crianças pequenas, correm maior risco de desenvolver o medo de serem infectados ou de transmitirem o vírus.
- Ansiedade descontrolada => o isolamento social relacionado às restrições e às medidas de bloqueio, está ligado a sentimentos de incerteza no futuro, medo de agentes infecciosos novos e desconhecidos, que resulta em aumento anormal da ansiedade. A ansiedade pode estar diretamente relacionada à privação sensorial e à solidão generalizada; neste caso, primeiro vem a insônia, mas posteriormente, podem ocorrer a depressão e o estresse pós-traumático. Além disso, a ansiedade está intimamente associada à fadiga e ao desempenho reduzido nos profissionais de saúde, enquanto o tédio e a solidão estão diretamente relacionados à raiva, frustração e sofrimentos relacionados às restrições de quarentena. Além disso, efeitos trágicos adicionais associados à ansiedade generalizada em um período pandêmico, podem estar relacionados ao menor apoio social recebido, à separação dos entes queridos, à perda de liberdade, à incerteza e ao tédio.
- Frustração e tédio => angústia, tédio, isolamento social e frustração, estão diretamente relacionados ao confinamento, ao contato social e físico anormalmente reduzido com outras pessoas e à perda de hábitos usuais. A frustração e a solidão generalizada, parecem derivar da inibição de atividades diárias, da interrupção das necessidades sociais e da não participação em atividades nas redes sociais.
Infelizmente, neste contexto, a desesperança juntamente com outras características individuais como a experiência de maus-tratos na infância, bem como a padrões extremos de processamento sensorial, pode prever o comportamento suicida, mas mesmo a raiva insuportável relacionada à imposição de quarentena, também pode levar a resultados negativos mais drásticos.
- Solidão incapacitante => o efeito final do isolamento social é a solidão generalizada e o tédio, que têm efeitos dramáticos em potencial no bem-estar individual físico e mental. A solidão generalizada pode estar significativamente associada ao aumento da depressão e do comportamento suicida. Infelizmente, o isolamento é progressivamente aumentado pela ansiedade, pânico ou histeria coletiva. As funções cognitivas e a tomada de decisão são primeiramente prejudicadas pela hiperexcitação e pela ansiedade, e mais tarde, pela incapacidade de lidar com os sentimentos da solidão.
Além disso, o isolamento social e a solidão, também estão associados ao abuso de álcool e drogas, que podem agravar o quadro. Tanto a frustração quanto a solidão generalizada, parecem derivar da inibição das atividades diárias, da interrupção de necessidades sociais, da incapacidade de participar de atividades em redes sociais, e com isso aumenta o risco de desesperança e o comportamento suicida nesse contexto específico. Em geral, já se sabe que longos períodos de isolamento social ou quarentena, podem ter efeitos prejudiciais no bem-estar mental para algumas doenças específicas.
Fatores de risco
- Alexitimia => é uma desordem psicológica inadaptada, caracterizada pela incapacidade de identificar e descrever verbalmente emoções e sentimentos em si mesmo, bem como em outros. O risco de sofrimento relacionado à quarentena também pode ser devido à presença de traços alexitímicos que podem reduzir a resiliência psicológica em alguns subgrupos de indivíduos. A alexitimia pode ser literalmente definida como “sem palavras para a emoção” e foi inicialmente identificada para descrever aspectos cognitivos e características afetivas em pacientes com distúrbios psicossomáticos. Os indivíduos com alexitimia podem mostrar níveis significativamente mais altos de ansiedade, depressão e sofrimento psicológico do que os sem a doença.
- Suprimentos inadequados => é importante ressaltar que os sentimentos de frustração e a incerteza tendem a ocorrer mesmo em relação aos suprimentos básicos inadequados (por exemplo, comida, água, roupas, medicamentos, etc.) durante o período de quarentena, que é uma das principais fontes de preocupações, de ansiedade e de raiva, mesmo após 4 a 6 meses após a quarentena. Existem estudos demonstrando que os suprimentos fornecidos pelas autoridades de saúde pública para combater o surto, podem ser inapropriados, ou que a sua liberação pode ser realizada tarde demais para atender com êxito às necessidades básicas da população. Por exemplo, termômetros ou máscaras podem ser recebidos tarde demais, enquanto a água e os alimentos podem ser distribuídos de maneira inconsistente.
- Informações inadequadas => as evidências existentes sugerem que as informações precárias ou inadequadas das autoridades de saúde pública, podem ser um estressor adicional significativo, pois fornecem diretrizes inadequadas a respeito das medidas efetivas de controle, ou levam à confusão sobre o objetivo da quarentena, ou relevam a importância das medidas necessárias para combater a propagação da pandemia. A confusão pode estar diretamente relacionada a diferentes abordagens, a mensagens contraditórias de diferentes agentes de saúde pública e de uma má coordenação durante a epidemia.
Há claramente uma falta de transparência das autoridades sanitárias e governamentais em relação à gravidade do surto. Finalmente, afirmam os autores, os sintomas de estresse pós-traumático podem estar relacionados às dificuldades percebidas pela população na interpretação dos protocolos de quarentena, bem como na falta de justificativas e de diretrizes claras.
Fatores de proteção
Resiliência => a resiliência psicológica pode ser geralmente definida como a capacidade de apoiar ou recuperar o bem-estar psicológico durante ou depois de abordar condições estressantes incapacitantes. Embora a interconectividade tenha aumentado drasticamente nas últimas décadas, da mesma forma a vulnerabilidade de bilhões de indivíduos em todo o mundo a patógenos novos ou existentes, aumentou tragicamente sem um aprimoramento correspondente nas habilidades de enfrentamento.
Notavelmente, uma mensagem geral de esperança e proteção social dada pelas autoridades reguladoras da saúde, e por cientistas não apenas sobre o risco de ser infectado, mas também sobre a existência de medidas de contenção que podem ser implementadas nos hospitais e na comunidade como um todo, podem melhorar a resiliência e as habilidades individuais para reagir com sucesso às ameaças sociais.
Suporte social => uma mais alta e significativa percepção do apoio social sentida por parte da população, está associada a uma probabilidade reduzida de cada indivíduo desenvolver sofrimento psíquico ou uma condição psiquiátrica. Por outro lado, o apoio social adequado para a população em geral em relação a populações de risco específicas (por exemplo, pacientes infectados, indivíduos em quarentena e profissionais da área médica) deve ser fornecido, oferecendo mensagens direcionadas e personalizadas de acordo com as evidências científicas mais confiáveis.
Relevantemente, são necessárias várias estratégias de apoio à saúde mental em áreas de pandemia, a fim de facilitar as mudanças no estilo de vida e as atividades de readaptação necessárias após a ocorrência de surtos incapacitantes.
Estratégias preventivas => estratégias preventivas específicas no nível da comunidade, como (i) implementação de comunicação eficaz e (ii) prestação de serviços psicológicos adequados, devem ser realizadas para atenuar o impacto psicológico e psicossocial do surto de COVID-19. A educação em saúde precisa ser aprimorada usando plataformas on-line, o medo social relacionado ao COVID-19 precisa ser tratado corretamente, enquanto o estigma e a discriminação precisam ser reconhecidos como grandes desafios, capazes de reforçar os sentimentos de incerteza em um período de crise social.
Os protocolos dos hospitais vinculados ao gerenciamento precoce e eficaz das emergências de saúde precisam ser implementados, enquanto os profissionais de saúde precisam ter instalações com proteções adequadas. A comunidade científica deve fornecer informações apropriadas para atenuar o impacto da ansiedade, frustração e todas as emoções negativas que representam importantes barreiras para o gerenciamento correto da crise social e as consequências psicológicas relacionadas à pandemia.
As necessidades não atendidas devem ser rapidamente identificadas pela equipe médica, que precisa se comunicar com frequência e em tempo hábil com a maioria dos pacientes, para entender o risco de desenvolver novos sintomas ou agravar um sofrimento psicológico preexistente.
Além disso, linhas de apoio telefônico, acesso à Internet, redes sociais ativas, blogs e fóruns dedicados devem ser implementados para reduzir o isolamento social e a solidão, além de permitir que populações específicas (por exemplo, indivíduos infectados em hospitais, em asilos ou em quarentenas) tenham uma comunicação bem-sucedida com seus entes queridos.
Populações marginalizadas, como idosos ou pessoas com problemas psicológicos, devem poder consultar ativamente psicoterapeutas clínicos para detectar rapidamente sinais de alerta. Finalmente, a telemedicina deve ser realmente implementada, especialmente em áreas onde os serviços de saúde mental estão mal representados ou gravemente prejudicados pela rápida disseminação de restrições de pandemia e bloqueio. É importante ressaltar que os sintomas relacionados à crise psicológica inicial, juntamente com a necessidade de realizar intervenções eficazes usando a personalização e o monitoramento de reações adversas a drogas psicoativas, devem ser detectados pelos psiquiatras.
Em conclusão, a implementação de estratégias baseadas na comunidade para apoiar a resiliência em indivíduos psicologicamente vulneráveis durante a crise do COVID-19, é fundamental para qualquer comunidade. O impacto psicológico do medo e da ansiedade, induzido pela rápida disseminação da pandemia, precisa ser claramente reconhecido como uma prioridade de saúde pública pelas autoridades e formuladores de políticas públicas, que devem adotar rapidamente estratégias comportamentais claras para reduzir o ônus da doença e as dramáticas consequências para a saúde mental provocados pela Covid-19.

O pedágio da COVID-19 na saúde mental: como os cientistas estão rastreando um aumento na depressão
Em um comentário publicada na Nature em 03/02/2021, pesquisadores de vários países do mundo estão usando enormes conjuntos de dados para vincular as mudanças na saúde mental às medidas de resposta ao coronavírus.
À medida que a pandemia COVID-19 entra em seu segundo ano, novas variantes de rápida disseminação causaram um surto de infecções em muitos países e renovaram os bloqueios. A devastação da pandemia, milhões de mortes, conflitos econômicos e restrições sem precedentes na interação social, já teve um efeito marcante na saúde mental das pessoas. Pesquisadores de todo o mundo estão investigando as causas e impactos desse estresse, e alguns temem que a deterioração da saúde mental possa perdurar por muito tempo, depois que a pandemia tiver diminuído. Em última análise, os cientistas esperam poder usar as montanhas de dados coletados em estudos sobre saúde mental, para vincular o impacto de medidas de controle específicas, a mudanças no bem-estar das pessoas e para informar na gestão de futuras pandemias.
Os dados que surgirem desses estudos serão enormes, diz o sociólogo James Nazroo, da Universidade de Manchester, no Reino Unido. “Esta é uma ciência realmente ambiciosa”, diz ele.
Mais de 42% das pessoas pesquisadas pelo US Census Bureau em dezembro de 2020, relataram sintomas de ansiedade ou depressão, um aumento de 11% do ano anterior. Dados de outras pesquisas sugerem que a imagem é semelhante em todo o mundo. “Não acho que isso vá voltar à linha de base tão cedo”, diz a psicóloga clínica Luana Marques, da Harvard Medical School em Boston, Massachusetts, que está monitorando os impactos da crise na saúde mental nas populações dos EUA e em outros lugares.
Os principais eventos que abalaram as sociedades, como o ataque terrorista de 11 de setembro em Nova York, deixaram algumas pessoas em sofrimento psicológico durante anos, diz Marques. Um estudo com mais de 36.000 residentes de Nova York e em equipes de resgate, revelou que mais de 14 anos após o ataque, 14% ainda tinham transtorno de estresse pós-traumático, e 15% experimentaram depressão, taxas muito mais altas do que em populações comparáveis (5% e 8%, respectivamente).
Medo e isolamento
A angústia na pandemia provavelmente se origina das interações sociais limitadas das pessoas, tensões entre famílias em confinamento e medo da doença, diz a psiquiatra Marcella Rietschel do Instituto Central de Saúde Mental em Mannheim, Alemanha.
Os estudos e pesquisas conduzidos até agora na pandemia, mostram de forma consistente que os jovens, e não os idosos, são os mais vulneráveis ao aumento do sofrimento psicológico, talvez porque sua necessidade de interações sociais, seja mais forte. Os dados também sugerem que as mulheres jovens são mais vulneráveis do que os homens, e as pessoas com filhos pequenos, ou com um transtorno psiquiátrico previamente diagnosticado, correm um risco particularmente alto de problemas de saúde mental. “As coisas que sabemos, predispõem as pessoas a problemas, e as doenças de saúde mental aumentaram como um todo”, diz Victor Ugo, um oficial de campanha que se especializou em políticas de saúde mental na United for Global Mental Health, um grupo de defesa da saúde mental em Londres.
Cientistas que realizam estudos internacionais extensos e detalhados, afirmam que podem eventualmente ser capazes de mostrar, como medidas específicas de controle da COVID, como bloqueios ou restrições à interação social, reduzem ou exacerbam o estresse mental; e se algumas populações, como grupos étnicos e grupos minoritários, são desproporcionalmente afetadas por certas políticas. Isso poderia ajudar a informar a resposta certa a esta pandemia e às futuras, dizem os pesquisadores.
“Temos uma oportunidade real, um experimento natural, de como as políticas em diferentes países impactam a saúde mental das pessoas”, diz a epidemiologista Kathleen Merikangas, do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos em Bethesda, Maryland.
Comparações internacionais
Para reunir os estudos, Daisy Fancourt, psiconeuroimunologista da University College London, lançou o programa CovidMinds, financiado pela Wellcome, que reuniu cerca de 140 estudos longitudinais em mais de 70 países. Eles recrutaram um grande número de participantes, e coletam informações de saúde em tempo real e em intervalos regulares. A CovidMinds conecta cientistas em diferentes países, e incentiva o uso de questionários padronizados, para que os resultados possam ser comparados diretamente em colaborações internacionais. “Isso pode nos permitir comparar a resposta psicológica com a resposta política entre os países”, diz ela.
Esta coleção de estudos é uma mistura de coortes populacionais existentes, e estudos estabelecidos no início da pandemia. As coortes existentes são vantajosas porque suas composições tendem a refletir a da população em geral, de modo que seus resultados podem ser generalizados. E como as coortes populacionais de longa duração terão dados sobre os participantes de antes da pandemia, elas podem quantificar as mudanças na saúde mental com precisão, diz o epidemiologista Klaus Berger da Universidade de Münster, na Alemanha, que preside a Coorte Nacional Alemã, uma das maiores coortes de saúde do mundo.
Mas coortes grandes e estabelecidas movem-se de forma relativamente lenta e, na maioria das vezes, amostram com pouca frequência. As coortes mais recentes não possuem a linha de base dos dados coletados antes da pandemia, mas muitas podem acompanhar a dinâmica da crise de maneira mais ágil.
Fancourt lidera um dos maiores novos estudos, o UK COVID-19 Social Study. O estudo recrutou, principalmente por meio da mídia social, mais de 72.000 adultos do Reino Unido nas primeiras semanas do primeiro bloqueio do país, em março. Os participantes preenchem um questionário online semanal de 10 minutos, que inclui perguntas que identificam sentimentos de ansiedade ou depressão.
Dados em tempo real
“Com as respostas da pesquisa chegando a uma taxa de uma a cada 20 segundos, recebemos informações sobre como as pessoas estão respondendo psicológica e socialmente à pandemia em tempo real, e vemos especificamente como isso mudou em resposta a coisas como novas medidas governamentais chegando, ou as medidas de bloqueio sendo facilitadas”, diz Fancourt. Por exemplo, ela diz, os altos níveis de ansiedade e depressão que o estudo encontrou nas primeiras semanas, reduziram durante o bloqueio, em vez de aumentar como alguns haviam previsto.
“Juntos, esses tipos de estudo nos dirão como as políticas governamentais são experimentadas em diferentes segmentos da sociedade, e nos ajudarão a entender como devemos gerenciar esta pandemia e futuras pandemias”, disse Nazroo, que está participando da Pesquisa em toda a União Europeia sobre coorte de Saúde, Envelhecimento e Aposentadoria na Europa e outros inquéritos relacionados com COVID e saúde mental.
Outro estudo, denominado COVID-19 Health Care Workers Study, tem como objetivo quantificar como os profissionais de saúde, que enfrentaram níveis sem precedentes de doença e morte, têm enfrentado o problema. O estudo está coletando dados em 21 países, incluindo nações de baixa renda na América Latina e na África, onde os recursos de saúde mental são limitados. “Queremos comparar os países para saber o que está acontecendo de diferente”, diz Olatunde Ayinde, uma pesquisadora no braço nigeriano do estudo. Ele acredita que as variações geográficas provavelmente resultarão de diferenças na qualidade dos serviços de saúde mental, na disponibilidade e nos tipos de assistência social oferecidos e nos níveis de pobreza. Muitos países da África têm apenas uma fração dos profissionais de saúde mental, em comparação com os países de alta renda. “Queremos saber o que é responsável pelas diferenças”, diz Ayinde.
Monitorando a saúde mental
Lidar com o impacto psicológico da pandemia COVID em um país em desenvolvimento como a Índia, tem sido particularmente difícil, diz Mythili Hazarika, psicólogo clínico do Guwahati Medical College em Assam, Índia. Os recursos públicos são escassos e a consciência dos problemas de saúde mental é baixa, diz ela. Quando a crise da COVID atingiu, Hazarika lançou um serviço de aconselhamento por telefone com seis linhas de ajuda de emergência emprestadas a ela pela polícia de Assam.
Em um estudo preliminar com 239 ligações em abril passado, ela e colegas, descobriram que 46% tinham ansiedade, 22% alguma forma de depressão e 5% pensamentos suicidas. Isso foi o suficiente para convencer o governo a agir e, após meses de disputa com as autoridades, Hazarika e seus colegas lançaram um serviço de saúde mental remoto em todo o estado chamado Monon em junho.
Eles desenvolveram diretrizes para tele-aconselhamento durante um desastre, e treinaram 400 conselheiros voluntários. Qualquer pessoa com teste positivo para COVID-19 em Assam, recebe uma chamada do serviço. Essa abordagem proativa é crucial, diz Hazarika, porque o estigma e a falta de consciência, significam que poucas pessoas pensariam em ligar para uma linha de apoio. “Nas áreas rurais, a doença mental significa que você tem que ir para um asilo e ninguém pode curá-lo”, diz ela.
Facilitar as restrições significa que o aconselhamento pessoal é possível novamente. Mas, em dezembro, o serviço ligou para mais de 43.000 pessoas, e coletou dados preliminares sobre o bem-estar mental de quase metade. Eles descobriram que 9% tinham sintomas de ansiedade, 4% tinham alguma forma de depressão e mais de 12% das pessoas sofriam de estresse relacionado à COVID-19.

A controvérsia aumenta sobre a Ivermectina para COVID-19
Em um comentário publicada na Medscape Pulmonary Medicine em 20/01/2021, pesquisadores americanos comentam sobre o discutível papel da Ivermectina no tratamento da Covid-19.
O National Institutes of Health (NIH), o sistema nacional de saúde americano, em sua última atualização de 11/02/2021, retirou sua recomendação contra o antiparasitário barato ivermectina para o tratamento de COVID-19, e a agência agora informa que não pode recomendar a favor ou contra seu uso, deixando a decisão para os médicos e seus pacientes.
"Os resultados de ensaios clínicos com potência adequada, bem planejados e bem conduzidos, são necessários para fornecer uma orientação mais específica e baseada em evidências sobre o papel da ivermectina no tratamento de COVID-19", de acordo com a nova orientação do NIH divulgada na semana passada. Discussões apaixonadas têm sido travadas a favor e contra o uso da droga.
A atualização do NIH, desapontou os membros da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC), que expôs seu caso para endossar a ivermectina em uma declaração pública na segunda-feira. Ponto a ponto, o grupo de 10 médicos argumentou contra cada limitação que motivou a decisão do NIH.
Os membros do grupo disseram que, embora gratos pela recomendação contra a droga ter sido abandonada, uma abordagem neutra não é aceitável, já que o total de mortes nos Estados Unidos ultrapassou 400.000 desde a última primavera, e atualmente se aproxima de 4.000 por dia. Os resultados da pesquisa são suficientes para apoiar seu uso, e a droga salvará vidas imediatamente, dizem eles. “Os pacientes não têm tempo para esperar”, escrevem, “e nós, como provedores de saúde na sociedade, também não temos esse tempo”.
O NIH, que em agosto havia recomendado contra o uso de ivermectina, convidou o grupo a apresentar evidências para seu painel de orientação de tratamento em 6 de janeiro, para detalhar a ciência emergente em torno da ivermectina. O grupo citou evidências crescentes da eficácia da droga.
Pierre Kory, MD, presidente da FLCCC e especialista em cuidados pulmonares e intensivos no Aurora St. Luke's Medical Center em Milwaukee, também falou perante um painel do Senado em 8 de dezembro, em um vídeo apaixonado amplamente compartilhado, divulgando a ivermectina como uma droga "milagrosa" na COVID-19, um termo que ele disse não usar levianamente. Kory implorou ao NIH para considerar os dados emergentes. "Por favor, estou apenas pedindo que revisem nosso manuscrito", disse ele aos senadores. "Temos uma quantidade imensa de dados para mostrar que a ivermectina deve ser implementada, e implementada agora", disse ele.
Alguns traçam paralelos com a hidroxicloroquina
Críticos disseram que não há dados suficientes para instituir um protocolo, e alguns traçam paralelos com outro medicamento reaproveitado, a hidroxicloroquina (HCQ), que já foi considerado um tratamento promissor para COVID-19, com base em evidências falhas e incompletas, e agora não é recomendado.
Paul Sax, MD, professor de medicina em Harvard, e diretor clínico do Programa de HIV e Divisão de Doenças Infecciosas do Hospital Brigham and Women's em Boston, escreveu em um blog no início deste mês no New England Journal of Medicine Journal Observe, que ivermectina tem evidências mais robustas para isso do que o HCQ jamais teve. "Mas ainda não estamos no nível de 'mudança de prática'", escreve ele. “Os resultados de pelo menos 5 ensaios clínicos randomizados são esperados em breve, o que pode corroborar ainda mais a decisão”. Ele disse que o melhor argumento para a droga é visto nesta explicação de uma meta-análise de estudos entre 100 e 500 pacientes por Andrew Hill, MD, com o Departamento de Farmacologia da Universidade de Liverpool, Reino Unido.
Sax desaconselha dois vieses ao considerar a ivermectina. Supõe-se que, como o HCQ falhou, outros medicamentos antiparasitários também falharão. O segundo viés a evitar, diz ele, é descontar estudos feitos em países de baixa e média renda, porque "eles não foram feitos nos lugares certos". "Isso não é apenas preconceito", diz ele. "Também é esnobismo."
A ivermectina foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para o tratamento de oncocercose (cegueira dos rios) e estrongiloidíase, mas não é aprovada pela FDA para o tratamento de qualquer infecção viral. Às vezes também é usado para tratar animais.
Ao descartar a recomendação contra a ivermectina, o NIH deu a ela a mesma declaração neutra que os anticorpos monoclonais e plasma convalescente.
Alguns médicos dizem que não vão prescrever
Alguns médicos dizem que não o recomendarão a seus pacientes com COVID-19. Amesh Adalja, médico, um especialista em doenças infecciosas e estudioso sênior do Centro de Segurança Sanitária da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, disse ao Medscape Medical News, que a atualização do NIH não mudou sua mente e ele não está prescrevendo para seus pacientes. Ele disse que embora "haja sinal suficiente", que gostaria de ver mais dados, e que "não vimos nada em termos de um estudo realmente robusto". Ele observou que a Infectious Diseases Society of America (IDSA) tem 15 recomendações para o tratamento de COVID-19 "e nenhuma delas tem a ver com a ivermectina." Ele acrescentou: "Não é suficiente ver se funciona, mas precisamos ver em quem funciona e quando funciona." Ele também reconheceu que "alguns médicos proeminentes" o estão recomendando.
Entre eles está Paul Marik, médico, professor de medicina e chefe de medicina pulmonar e de cuidados intensivos na Eastern Virginia Medical School em Norfolk. Co-fundador da FLCCC, Marik defendeu a ivermectina e desenvolveu um protocolo para seu uso na prevenção e tratamento de COVID-19.
Os dados em torno da ivermectina foram recebidos com esperança, críticas e advertências.
Pesquisadores australianos publicaram um estudo antes da impressão na Antiviral Research, que descobriu que a ivermectina inibiu a replicação do SARS-CoV-2 em um ambiente de laboratório. O estudo concluiu que a droga resultou após a infecção em uma redução de 5.000 vezes no RNA viral em 48 horas. Depois desse estudo, no entanto, o FDA em abril, alertou os consumidores para não se automedicarem com produtos de ivermectina destinados a animais.
O NIH reconheceu que vários ensaios clínicos randomizados e estudos retrospectivos do uso de ivermectina em pacientes com COVID-19, foram publicados em periódicos revisados por pares ou em estudos de pré-impressão. "Alguns estudos clínicos não mostraram benefícios ou piora da doença após o uso de ivermectina, enquanto outros relataram menor tempo para resolução das manifestações da doença atribuídas ao COVID-19, maior redução nos marcadores inflamatórios, menor tempo para eliminação viral ou menores taxas de mortalidade em pacientes que receberam ivermectina, do que em pacientes que receberam medicamentos comparadores ou placebo ", diz a orientação do NIH.
O NIH reconhece as limitações: os estudos têm sido pequenos; as doses de ivermectina variam; alguns pacientes estavam tomando outros medicamentos ao mesmo tempo (incluindo doxiciclina, hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e corticosteroides, que podem ser potenciais fatores de confusão); e a gravidade da COVID dos pacientes nem sempre foi claramente descrita nos estudos.
Nasia Safdar, MD, diretora médica de prevenção de infecções do Hospital da Universidade de Wisconsin em Madison, disse ao Medscape Medical News, que ela concorda que mais pesquisas são necessárias antes que a ivermectina seja recomendada pelos órgãos reguladores para COVID-19.
Dito isso, Safdar acrescentou, "em circunstâncias individuais, se um médico for confrontado com um paciente em apuros, e você não tiver certeza do que fazer, pode considerar isso? Acho que depois de uma discussão com o paciente, talvez, mas o nível de evidências certamente não chega ao nível de uma política. "
Uma desvantagem de recomendar um tratamento sem dados conclusivos, mesmo que o dano não seja a principal preocupação, disse ela, é que os suprimentos podem diminuir para o uso pretendido em outras doenças. Além disso, a aprovação prematura pode limitar a pesquisa robusta necessária, para ver não apenas se funciona melhor para prevenção ou tratamento, mas também se é eficaz, dependendo da população de pacientes e da gravidade do COVID-19.
P.S- essa semana tivemos a divulgação de 3 trabalhos sobre a Ivermectina:
1- Um artigo do JAMA de 04/03/2021 que não mostrou efeitos benéficos no seu uso.
2- Uma meta-análise de 45 ensaios clínicos de 26/11/2020 que respalda o seu uso.
3- O Guideline do Instituto Nacional de Saúde americano atualizado em 11/02/2021.

Gravidez e a COVID-19: o que dizem os dados atuais
Em um comentário publicada na Nature em 09/03/2021, especialistas de diversos países comentam que mulheres grávidas se saem pior do que outras mulheres durante a infecção por Covid-19, embora os riscos para o feto sejam pequenos.
A Dra. Yalda Afshar estava grávida de dois meses quando relatos de COVID-19 começaram a surgir nos Estados Unidos em fevereiro do ano passado. Como obstetra que cuida de gestações de alto risco na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Afshar sabia que os vírus respiratórios são especialmente perigosos para mulheres grávidas. Havia muito poucos dados sobre os efeitos do vírus SARS-CoV-2 e, conforme os casos se acumulavam, ela se sentia como se estivesse voando às cegas, tanto ao aconselhar seus pacientes, quanto ao lidar com suas próprias preocupações sobre como contrair o vírus e transmiti-lo para seu bebê e família. Mas sua situação também a aproximou das mulheres que ela estava tratando. “Tive um sentimento de solidariedade que não sentia antes”, diz ela. “Foi uma inspiração apenas trabalhar mais arduamente e tentar obter respostas mais rapidamente.”
Dra. Afshar lançou um dos primeiros registros nos Estados Unidos para rastrear mulheres com teste positivo para o vírus durante a gravidez, trabalhando com colegas de todo o país para recrutar e acompanhar participantes. Mais de uma dezena de projetos semelhantes foram lançados ao longo de 2020.
Agora, mais de um ano após o início da pandemia, pesquisas de grupos ao redor do mundo, mostraram que mulheres grávidas com COVID-19 correm um maior risco de hospitalização e doenças graves, do que mulheres da mesma idade que não estão grávidas. As taxas de doença grave e morte também são mais altas em mulheres grávidas de certos grupos raciais e étnicos minoritários, do que naquelas em grupos não minoritários, refletindo a situação na população em geral.
A boa notícia é que os bebês geralmente são poupados de infecções respiratórias graves, e raramente ficam doentes. Amostras da placenta, cordão umbilical e sangue de mães e bebês, indicam que o vírus raramente passa da mãe para o feto. No entanto, alguns dados preliminares sugerem que a infecção pelo vírus pode danificar a placenta, possivelmente causando lesões no bebê.
Muitas questões permanecem. Os pesquisadores querem saber a quão disseminada está a infecção por COVID-19 entre as mulheres grávidas em geral, porque a maioria dos dados é coletada de mulheres que acabam no hospital por qualquer motivo durante a gravidez. Eles também estão estudando se as mulheres são mais vulneráveis a contrair uma infecção viral ou às suas repercussões, em qualquer fase particular da gravidez ou durante a recuperação pós-parto.
Em particular, uma lacuna de dados em torno da segurança da vacinação. Seguindo as normas estabelecidas, nenhum dos principais fabricantes de vacinas inscreveu mulheres grávidas em seus primeiros testes, embora alguns testes atuais e planejados agora as incluam. À medida que os sistemas de saúde ao redor do mundo começaram a produzir vacinas, os reguladores ofereceram recomendações conflitantes ou vagas, sobre se as mulheres grávidas deveriam receber a vacina. Em janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que as vacinas de RNA mensageiro feitas pela Moderna e Pfizer/BioNTech fossem oferecidas apenas às mulheres grávidas com maior risco, aquelas que trabalham em cargos de linha de frente ou com problemas de saúde existentes, e somente após consulta com seus médicos. Posteriormente, acrescentou uma linguagem esclarecedora que afirmava que as vacinas não apresentavam riscos específicos conhecidos na gravidez. Um porta-voz da OMS disse à Nature que, devido à falta de dados, a agência “não poderia fornecer uma recomendação ampla para a vacinação de mulheres grávidas”.
Surpreendentemente, os médicos contatados pela Nature afirmam que recomendariam que a vacina fosse oferecida às mulheres grávidas após uma consulta médica. “Dado o que sabemos sobre o aumento do risco de hospitalização, mortalidade, parto prematuro, para mim, é um acéfalo”, diz Kristina Adams Waldorf, obstetra e pesquisadora da Universidade de Washington em Seattle.
Riscos pré-natais
Não é surpresa que os vírus respiratórios representem uma ameaça para as mulheres grávidas, cujos pulmões já estão trabalhando mais do que o normal. À medida que o útero cresce, ele empurra o diafragma, reduzindo a capacidade pulmonar e sobrecarregando o suprimento de oxigênio dividido entre a mãe e o feto.
Além disso, a gravidez desacelera o sistema imunológico para não prejudicar o bebê. Isso torna as mulheres mais suscetíveis a complicações de infecções. Considere a gripe: as mulheres grávidas que a contraem correm maior risco de hospitalização em comparação com as mulheres que não estão grávidas. Mulheres grávidas que contraíram a gripe H1N1 durante a pandemia de 2009–10 correram maior risco de parto prematuro e natimorto. Portanto, obstetras em todo o mundo assistiram com crescente alarme no início do ano passado, enquanto as infecções por SARS-CoV-2 aumentavam globalmente, preocupados em como isso afetaria suas duas cargas: mãe e feto.
Os primeiros dados da China indicaram que as mulheres grávidas, não se saíram muito pior do que as mulheres não grávidas da mesma idade. Mas os médicos estavam céticos. “Isso realmente não ressoou muito bem com a maioria dos médicos da medicina materno-fetal”, diz Andrea Edlow, obstetra do Vincent Center for Reproductive Biology do Massachusetts General Hospital, em Boston. Além disso, ela diz, todos viram os sinais em seus pacientes: “As mulheres grávidas estavam ficando mais doentes do que as outras mulheres”.
Uma saraivada de relatórios de todo o mundo começou a preencher o quadro. Uma análise de 77 estudos de coorte publicados em setembro passado, deixou claro que as mulheres grávidas são um grupo de alto risco. A revisão incluiu dados de mais de 11.400 mulheres com COVID-19 confirmado ou suspeito, e que foram hospitalizadas durante a gravidez por qualquer motivo. A chance de mulheres grávidas com diagnóstico de COVID-19 serem admitidas em unidade de terapia intensiva (UTI) foi 62% maior do que para mulheres não grávidas em idade reprodutiva, e a chance de necessidade de ventilação invasiva foi 88% maior. Um estudo dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, concordou com essas descobertas. O estudo incluiu mais de 400.000 mulheres com teste positivo e sintomas de COVID-19, das quais 23.434 estavam grávidas, e encontrou aumentos semelhantes nas chances de admissão na UTI e ventilação invasiva em mulheres grávidas.
Os profissionais de saúde devem estar cientes, de que mulheres grávidas têm menos probabilidade do que mulheres não grávidas, de apresentar sintomas de COVID-19, diz Shakila Thangaratinam, pesquisadora de saúde materna e perinatal da Universidade de Birmingham, Reino Unido, que liderou a análise de 77 estudos. Mas ela reconheceu que a amostra foi restringida por incluir apenas mulheres que foram hospitalizadas por algum motivo, e que isso poderia esconder a escala do problema. “Acho que precisamos começar sistematicamente a obter informações sobre o que está acontecendo na comunidade”, diz ela.
Gestantes com COVID-19, tiveram taxas mais altas de partos prematuros do que aquelas sem a doença, de acordo com dados de dois registros que acompanharam mais de 4.000 mulheres com suspeita ou confirmação de COVID-19 nos Estados Unidos e no Reino Unido. Doze por cento dos participantes no registro do Reino Unido pariram antes de 37 semanas, em comparação com a taxa em 2020 de 7,5% em toda a Inglaterra e País de Gales; nos Estados Unidos, 15,7% das mulheres com COVID-19 tiveram parto prematuro (a taxa nacional esperada é de 10%). De acordo com a análise de Thangaratinam, mulheres grávidas com COVID-19 tinham três vezes mais chances de parto prematuro em comparação com aquelas sem a doença.
Gestantes de grupos raciais ou étnicos minoritários, parecem experimentar as mesmas disparidades que os pesquisadores encontram nos resultados do COVID-19 na população em geral. “Estamos vendo exatamente o mesmo caminho”, diz Monica McLemore, que estuda justiça reprodutiva na Universidade da Califórnia, em San Francisco. Para saber mais, Dra. Afshar está colaborando com McLemore e outros que incorporam a participação da comunidade em seus estudos, em seu registro de mais de 1.300 pessoas é 10% de negros e 36% de hispânicos ou latinos, porque o grupo recruta ativamente um grupo diversificado de pacientes. A coorte também inclui pessoas trans.
Vários estudos estão convergindo para outros fatores de risco que agravam a COVID-19 na gravidez, incluindo obesidade, hipertensão e diabetes gestacional. Mas são necessários mais dados para quantificar a parte que cada fator desempenha, diz Thangaratinam.
Da mãe para o bebê
Se uma mãe contrair COVID-19, seu bebê será afetado? O nascimento prematuro pode levar a problemas de saúde na vida adulta. Mas a maioria dos partos prematuros em mulheres com COVID-19, ocorre nos últimos três meses de gravidez, quando o feto tem as melhores chances de desenvolvimento saudável.
Tranquilizadoramente, o COVID-19 até agora não foi associado a um aumento claro nas taxas de natimortos ou de crescimento fetal retardado. “Podemos ser relativamente tranquilizadores, porque se estamos preocupados com natimortos ou restrição de crescimento, isso não é mais provável”, diz Christoph Lees, obstetra do Imperial College London, que fez parte da equipe que comparou dados de registro de 4.000 mulheres nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Uma grande incógnita no início da pandemia, era se o SARS-CoV-2 poderia ser transmitido da mãe para o bebê. Edlow, ansiosa para descobrir, conduziu sua equipe de estudos de obesidade materna em camundongos, para a construção de um registro de pacientes grávidas e um repositório para amostras biológicas. À medida que os laboratórios não essenciais ao redor deles fechavam, outros pesquisadores médicos doaram equipamentos e reagentes, e a equipe de Edlow começou a coletar e estudar o plasma materno, plasma do cordão umbilical e placenta.
Estudos publicados por seu grupo em dezembro passado, se juntaram a um coro de dados que mostraram que essa "transmissão vertical" era rara. Em 62 mulheres grávidas que testaram positivo para SARS-CoV-2 por meio de um esfregaço de nariz ou garganta, a equipe de Edlow não encontrou nenhuma evidência de vírus no sangue ou sangue do cordão umbilical, e nenhum dos 48 bebês testados, testaram positivo para o vírus no nascimento. “É realmente uma sorte que o SARS-CoV-2 não afete os neonatos para torná-los doentes e morrendo”, diz Edlow.
A equipe da Dra. Afshar também descobriu que bebês nascidos de mães infectadas, geralmente se saem bem. Em um estudo que comparou 179 bebês nascidos de mulheres com teste positivo para SARS-CoV-2 com 84 nascidos de mães com teste negativo, a maioria dos bebês era saudável ao nascer e por 6–8 semanas depois.
A questão de saber se a imunidade da mãe é transferida para o bebê é um pouco mais complicada. A equipe de Edlow e outros encontraram anticorpos para SARS-CoV-2 no sangue do cordão umbilical de mulheres que foram infectadas, mas ainda não está claro quanta proteção esses níveis conferem ao feto, diz Edlow.
Infecções virais graves em mães têm sido associadas a uma maior chance de depressão e transtorno do espectro do autismo em seus filhos, e os pesquisadores questionaram se o SARS-CoV-2 também poderia ter esse efeito. Ainda não há evidências de que a infecção por SARS-CoV-2 em mães, possa afetar seus bebês dessa forma, e qualquer ligação pode levar anos para ser estabelecida, mas alguns pesquisadores estão observando suas coortes em busca de atrasos no desenvolvimento neurológico; a equipe da Dra. Afshar rastreará bebês em seu primeiro ano após o nascimento.
Em casos raros, a placenta pode ter um papel importante na doença, diz David Baud, obstetra da Universidade de Lausanne, na Suíça, que estuda um grupo de 1.700 mulheres grávidas de todo o mundo, usando a arquitetura de um registro que sua equipe tinha desenvolvido para estudar o vírus Zika em 2009.
Os dados não publicados de Baud sugerem que em um pequeno número de casos de COVID-19 em mulheres grávidas, uma resposta inflamatória, a defesa natural do corpo contra o vírus, danifica o tecido placentário da mesma forma que o tecido pulmonar pode ser destruído. Em três casos, observou ele, bebês cujas mães apresentaram essas alterações placentárias nasceram com danos cerebrais.
Dados de vacinas nulos
Tudo isso convence a maioria dos médicos de que as mulheres grávidas devem ser priorizadas para as vacinas COVID-19. Mas, como os primeiros testes de vacinas excluíram mulheres grávidas, há perguntas sem resposta sobre a segurança das vacinas nesse grupo. “Acho que foi um grande erro não as incluir, porque agora basicamente todo mundo é uma cobaia”, diz Adams Waldorf.
Os reguladores seguiram caminhos diferentes, deixando muitas mulheres grávidas para tomar a decisão por conta própria. Tanto o CDC quanto o Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido, recomendam que mulheres grávidas com alto risco de contrair a doença, aquelas com uma doença subjacente ou funcionários da linha de frente, devem decidir com um médico se devem receber uma vacina. O governo suíço não priorizou inicialmente as mulheres grávidas no início do lançamento das vacinas, citando a falta de dados. Baud discorda dessa decisão, argumentando que o risco que a doença representa para as mulheres grávidas, é maior e que a biologia de uma vacina de mRNA não representa uma ameaça específica.
“É muito, muito improvável que esta vacina induza qualquer problema para a paciente grávida ou para o feto.” O Escritório Federal Suíço de Saúde Pública agora sugere que mulheres grávidas com certas doenças crônicas considerem tomar a vacina.
Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration e o CDC, estão monitorando os efeitos da vacinação em mulheres grávidas. Uma equipe da Universidade de Washington realizou uma pesquisa para mulheres grávidas, amamentando ou planejando engravidar e que receberam a vacina, e obteve 12.000 respostas até o final de janeiro. O conselheiro médico chefe dos EUA, Anthony Fauci, disse em fevereiro, que 20.000 mulheres receberam as vacinas Pfizer/BioNTech ou Moderna, e as agências não encontraram "bandeiras vermelhas". E quase um ano após o início dos testes de fase I das vacinas COVID-19 em pessoas, a Pfizer iniciou um teste em mulheres grávidas.
Pesquisadores e grupos de defesa, querem usar o exemplo da COVID-19, para mudar os padrões de futuros ensaios clínicos e incluir mulheres grávidas desde o início. Os líderes do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano Eunice Kennedy Shriver em Bethesda, Maryland, argumentaram 12 em fevereiro, que “pessoas grávidas e lactantes não devem ser protegidas da participação em pesquisas, mas sim ser protegidos pela pesquisa”.
A preocupação de que esse grupo seja esquecido é o que motivou a Dra. Afshar a dar o pontapé inicial em sua colaboração. “As grávidas são seriamente marginalizadas dos estudos. E se não estivermos fazendo pesquisas para responder a essas perguntas, ninguém mais estará.”

1 ano depois da declaração de pandemia pela OMS, já podemos constatar que essa era a realidade...

News da BMJ de hoje, 11/03/2021
Covid-19: alguns países europeus suspendem temporariamente o uso da vacina Oxford-AstraZeneca após relatos de coágulos sanguíneos
A Dinamarca suspendeu temporariamente o uso da vacina Oxford-AstraZeneca covid-19 como medida de precaução após relatos de coágulos sanguíneos e uma morte. No entanto, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e o órgão regulador do Reino Unido disseram que não há indicação de que a vacinação esteja ligada a eventos tromboembólicos.
Sete outros países - Noruega, Islândia, Áustria, Estônia, Lituânia, Luxemburgo e Letônia - também suspenderam o uso da vacina da AstraZeneca. As decisões são mais um revés para a campanha de vacinação da Europa, que tem lutado para ganhar velocidade, em parte por causa dos atrasos na entrega da vacina AstraZeneca.
A Autoridade de Saúde dinamarquesa disse que uma pessoa morreu na Dinamarca após receber a vacina AstraZeneca e que suspenderia o uso da droga por duas semanas enquanto o caso era investigado. “É importante ressaltar que não encerramos o uso da vacina AstraZeneca - estamos apenas interrompendo seu uso”, disse o diretor da Autoridade de Saúde dinamarquesa, Soren Brostrøm.
Em 10 de março, a EMA disse que a Áustria suspendeu o uso de um lote de vacinas AstraZeneca depois que uma pessoa teve trombose múltipla diagnosticada e morreu 10 dias após a vacinação. Outra pessoa foi internada no hospital com embolia pulmonar após ser vacinada e agora está se recuperando. A EMA informou que duas outras notificações de casos de eventos tromboembólicos também foram recebidas desse lote, que foi entregue a 17 países da UE e compreendia um milhão de doses.
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O comitê de segurança da EMA está analisando o problema, mas disse que atualmente não há indicação de que a vacinação tenha causado essas condições, que não estão listadas como efeitos colaterais. Afirmou que as informações disponíveis até ao momento demonstram que o número de acontecimentos tromboembólicos em pessoas vacinadas não foi superior ao verificado na população em geral. Ele disse que, até 10 de março, 30 casos de eventos tromboembólicos foram relatados entre os cinco milhões de pessoas que receberam a vacina AstraZeneca no Espaço Econômico Europeu.
Phil Bryan, responsável pela segurança de vacinas da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido, disse: “Mais de 11 milhões de doses da vacina AstraZeneca já foram administradas em todo o Reino Unido. Os relatos de coágulos sanguíneos recebidos até agora não são maiores do que o número que teria ocorrido naturalmente na população vacinada. ” Ele acrescentou que a agência está mantendo a questão sob análise detalhada, mas que as evidências disponíveis não confirmam que a vacina seja a causa.
Um porta-voz da AstraZeneca disse: “A segurança do paciente é a maior prioridade da AstraZeneca. Os reguladores têm padrões de eficácia e segurança claros e rigorosos para a aprovação de qualquer novo medicamento, e isso inclui a Vacid-19 Vaccine AstraZeneca. A segurança da vacina foi amplamente estudada em ensaios clínicos de fase III, e os dados revisados por pares confirmam que a vacina foi geralmente bem tolerada.”
Coagulação relacionada a doenças
Comentando sobre as decisões, Stephen Evans, professor de farmacoepidemiologia da London School of Hygiene & Tropical Medicine, disse: “O problema com relatos espontâneos de suspeitas de reações adversas a uma vacina é a enorme dificuldade de distinguir um efeito causal de uma coincidência.” Ele destacou que a doença de covid-19 estava fortemente associada à coagulação do sangue e que houve centenas, senão muitos milhares, de mortes causadas pela coagulação do sangue como resultado de covid-19.
Adam Finn, professor de pediatria da Universidade de Bristol, disse: “A posição com a vacina Oxford-AstraZeneca no momento é que não há nenhum sinal em qualquer lugar, incluindo o Reino Unido, onde um grande número de doses já foi dado, que o sangue doenças relacionadas ao coágulo estão acontecendo com mais freqüência do que o normal.
“Isso é reconfortante, porque significa que a vacina não causa coágulos sanguíneos ou, na pior das hipóteses, que é um evento extremamente raro.”

Doutor, por quanto tempo devo me isolar?
Em uma interessante abordagem clínica publicada na New England Journal of Medicine em 10/03/2021, dois especialistas basearam suas escolhas na literatura médica especializada, na sua própria experiência, nas diretrizes publicadas ou em outras fontes de informação, para determinar qual o tempo ideal de quarentena após uma infecção aguda pela Covid-19.
Uma mulher de 24 anos sem história médica relevante, apresentou-se no pronto-socorro com história de tosse e falta de ar há 1 semana. Ela afirmou que não teve nenhum contato com pessoas que estavam doentes, mas recentemente compareceu a um pequeno evento. Ela não relatou febre, diarreia ou perda de paladar ou olfato. Ao exame físico, constatou-se hipoxemia, com saturação de oxigênio de 88%, e estertores crepitantes à ausculta pulmonar. Uma radiografia de tórax mostrou opacidades intersticiais bilaterais e um ensaio de reação em cadeia da polimerase (PCR) foi positivo para SARS-CoV-2.
Ela recebeu oxigênio suplementar, fornecido por cânula nasal a 2 litros por minuto, e foi colocada em uma unidade de observação isolada durante a noite para monitoramento. No dia seguinte, ela continuou a necessitar de oxigênio, e foi internada em uma enfermaria. Suas necessidades de oxigênio aumentaram e ela recebeu oxigênio suplementar a uma taxa de 15 litros por minuto através de uma máscara sem respirador, e foi admitida na unidade de terapia intensiva (UTI). Sua condição melhorou ao longo da semana, e sua necessidade de oxigênio suplementar diminuiu. O restante de seu curso transcorreu sem intercorrências, e ela foi transferida de volta para uma cama da enfermaria.
Já se passou 1 semana desde sua internação no hospital, e o planejamento de alta foi iniciado. A paciente pretende voltar para casa para ficar com os pais, ambos com mais de 65 anos, enquanto ela se recupera. Ela está preocupada com o risco de transmissão do SARS-CoV-2 aos pais. Seu pai está tomando medicamentos imunossupressores após um transplante de rim recente. Ela solicitou que o teste de PCR seja realizado novamente em um esfregaço nasofaríngeo. O teste de PCR é realizado e o resultado é positivo.
Baseado nesse histórico, o médico deve alertar a paciente sobre o risco de transmitir o vírus aos pais, considerando o tempo decorrido desde o início dos sintomas de Covid-19 e a repetição do teste PCR positivo.
Opções de tratamento
1. Recomende o isolamento contínuo por 20 dias.
2. Tranquilize o paciente sobre o baixo risco de transmissão.
Para ajudar na sua tomada de decisão, cada uma dessas abordagens é defendida em um breve ensaio por um especialista na área. Tendo em conta o seu conhecimento do assunto e as observações dos especialistas, que abordagem você escolheria?
Temos aqui duas opiniões distintas:
1- Recomende o isolamento contínuo por 20 dias
As recomendações sobre a duração do isolamento para pacientes com Covid-19, continuam a evoluir com o aumento da compreensão da dinâmica de transmissão do SARS-CoV-2. No início da pandemia de Covid-19, as recomendações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), incluíam a interrupção do isolamento quando havia melhora clínica e um teste molecular SARS-CoV-2 negativo. Esta recomendação foi substituída por uma abordagem baseada no tempo, em vez de uma baseada em teste, quando se tornou aparente que a liberação de RNA inviável do SARS-CoV-2 no trato respiratório superior, pode continuar por dias a semanas após a recuperação da doença.
Estudos iniciais, embora pequenos, mostraram que o SARS-CoV-2 detectado por PCR em amostras respiratórias além do dia 10 após o início dos sintomas, não cresceu em cultura de células e provavelmente não era transmissível. Grandes estudos populacionais conduzidos pelo CDC South Coreia, indica que o potencial infeccioso do SARS-CoV-2 diminui após a primeira semana após o início dos sintomas, independentemente da resolução dos sintomas.
No entanto, alguns estudos recentemente desafiaram esse conceito. Um estudo mostrou vírus viável por crescimento in vitro em cultura de células, em 14% dos pacientes com testes de PCR SARS-CoV-2 positivos persistentes de amostras respiratórias superiores, obtidas após a primeira semana após o teste de PCR positivo inicial; um paciente nunca foi hospitalizado e um foi hospitalizado com sintomas leves. O sequenciamento completo do genoma viral indicou que esses casos representavam a mesma infecção e não a reinfecção. Idade, estado de imunocomprometimento e doença grave, foram associados à liberação prolongada do RNA do SARS-CoV-2; no entanto, os dados são insuficientes em relação aos fatores associados à eliminação prolongada de SARS-CoV-2 viável.
Um estudo recente mostrou que alguns pacientes com imunossupressão após o tratamento para câncer, podem eliminar SARS-CoV-2 viável por pelo menos 2 meses. Um estudo de 129 casos graves de Covid-19 mostrou que a probabilidade de detectar vírus viáveis após o dia 15 depois do início dos sintomas, foi de 5% ou menos. O CDC atualmente recomenda precauções de isolamento por 10 dias após o início dos sintomas, com resolução da febre durando pelo menos 24 horas sem o uso de medicamentos antitérmicos, com extensão para 20 dias para pacientes imunocomprometidos ou aqueles com doença grave.
O paciente descrito no caso clínico apresentava infecção grave de acordo com a escala de gravidade da Organização Mundial da Saúde e critérios do CDC; portanto, continuar o isolamento por um total de 20 dias, parece razoável e de acordo com as evidências atuais. Nenhum estudo até o momento relatou a ocorrência de transmissão de pessoa para pessoa, a partir da eliminação tardia observada de SAR-CoV-2 viável; portanto, pode ser razoável personalizar as decisões relativas à duração do isolamento, com base nas circunstâncias individuais. No caso atual, um membro da família é um receptor de transplante de rim, uma condição na qual a infecção por Covid-19 está associada a alta morbidade e mortalidade, o que justifica ainda mais um período de isolamento de 20 dias.
A repetição do teste de PCR de SARS-CoV-2 para determinar a duração do isolamento, não deve ser recomendada para esta paciente porque, conforme observado, um teste de PCR positivo não significa que ela é infecciosa, e a cultura de tecido viral não está disponível para avaliar a existência de vírus viáveis em laboratórios clínicos. A repetição do teste de PCR pode resultar em isolamento desnecessariamente prolongado, e ansiedade para pacientes e equipes médicas. Conscientizar o público sobre as deficiências dos testes de diagnóstico da Covid-19, e a distinção entre a eliminação do RNA viral e o vírus viável, é essencial para garantir que os pacientes e profissionais de saúde, se sintam confortáveis com essa abordagem atual de precauções de isolamento para pacientes com Covid-19.
2- Tranquilize o paciente sobre o baixo risco de transmissão
O cenário do caso acima se concentra na questão de quanto tempo após o início dos sintomas, um paciente com Covid-19 pode transmitir o vírus, o SARS-CoV-2. Por trás dessa questão estão questões adicionais que destacam as deficiências atuais dos testes.
Primeiro, o resultado de um teste de PCR com transcriptase reversa é um substituto válido para a presença de vírus transmissível? Em segundo lugar, o crescimento in vitro do vírus a partir de amostras respiratórias prevê a transmissibilidade às pessoas? Argumenta-se que a resposta para a primeira pergunta é "não" e para a última "provavelmente", embora não saibamos a dose infectante para transmissão.
Quatorze dias após o início dos sintomas, uma mulher de 24 anos sem doenças coexistentes subjacentes, está sob planejamento de alta. Embora ela tenha passado vários dias na UTI, seu curso foi moderado, não grave: ela estava persistentemente afebril, nunca foi intubada e apresentava apenas alterações moderadas na radiografia de tórax.
Alguns relatórios sugerem que os pacientes com Covid-19 que são mais velhos, do sexo masculino ou obesos, que são imunossuprimidos, ou que têm doença grave, têm períodos de disseminação do vírus mais longos do que a média. Esta paciente não tem nenhuma das características acima, e não seria esperado que tivesse uma disseminação viral prolongada.
Em um estudo transversal retrospectivo de 90 pacientes com Covid-19 confirmado (gravidade não descrita), os pesquisadores colocaram amostras respiratórias em linhas de células de macaco africano (Vero). Infectividade in vitro foi observada em 29%, e a razão de chances de crescimento viral diminuiu 37% para cada dia adicional após o início dos sintomas. Nenhum crescimento foi detectado nas amostras coletadas depois de 8 dias após o início dos sintomas.
Uma análise virológica detalhada de nove casos de Covid-19 leve, em profissionais jovens e de meia-idade, não mostrou isolamento do vírus em amostras seriadas de sangue, urina ou fezes. O crescimento viral foi encontrado a partir de esfregaços orofaríngeos ou nasofaríngeos em todos os pacientes do 1º ao 5º dia após o início dos sintomas. Embora o RNA viral tenha sido detectado em 40% dos pacientes após o dia 5, e até mesmo sido detectado até 28 dias, o crescimento viral não foi detectado após o dia 8.
Cheng e colegas inscreveram prospectivamente 100 pacientes confirmados de Covid-19 e 2761 com contatos. A taxa de ataque para 1.818 contatos, que foram expostos dentro de 5 dias após o início dos sintomas no grupo primário de pacientes foi de 1%, mas a taxa de ataque entre 852 contatos expostos posteriormente foi de 0%.
Uma revisão sistemática e meta-análise de séries de casos, estudos de coorte e ensaios randomizados de SARS-CoV-2, mostraram liberação de RNA por 17 dias após o início dos sintomas em amostras respiratórias superiores, entre um total de 3.229 participantes em 43 estudos, e por 14,6 dias em amostras do trato respiratório inferior entre um total de 260 participantes em 7 estudos. Embora o RNA possa ser detectado até 83 dias e 59 dias em amostras respiratórias superiores e inferiores, respectivamente, nenhum estudo detectou vírus vivo além do dia 9 da doença.
Em fevereiro de 2021, o CDC, citando seus próprios dados não publicados e os de outras fontes, afirmou que em pacientes com Covid-19 leve ou moderado, o vírus competente para replicação não foi recuperado após 10 dias após o início dos sintomas. Mesmo na doença grave, onde a grande maioria dos pacientes internados na UTI havia sido intubada, a probabilidade de isolamento do vírus após 15 dias era de 5%.
Em resumo, uma mulher de 24 anos com infecção moderada por Covid-19, e nenhum marcador para disseminação viral prolongada, tem detecção de RNA positiva, mas provavelmente, não tem vírus competente para replicação. Ela tem pouca probabilidade de transmitir a SARS-CoV-2 a um familiar imunossuprimido em casa.

O curso de cinco dias com antiviral oral parece interromper a SARS-CoV-2 em ensaio clínico.
Em um comentário publicado na Medscape Pulmonary Medicine em 08/03/2021, pesquisadores americanos comentam sobre uma nova droga antiviral que está sendo desenvolvida, com resultados preliminares promissores contra o SARS-CoV-2.
Um comprimido do medicamento experimental Molnupiravir, tomada duas vezes ao dia durante 5 dias, eliminou o SARS-CoV-2 da nasofaringe de 49 participantes. Isso levou Carlos Del Rio, distinto professor de medicina da Emory University em Atlanta, Geórgia, a sugerir que no futuro, um medicamento como o Molnupiravir, pode ser tomado nos primeiros dias de sintomas para prevenir doenças graves, semelhantes ao Tamiflu para a Influenza.
"Acho que é extremamente importante", disse ele ao Medscape Medical News sobre os dados. A Emory University, é quem está envolvida no teste do Molnupiravir, mas Dr. Del Rio não fazia parte dessa equipe. "Essa droga oferece o primeiro medicamento oral antiviral que pode então ser usado em um ambiente ambulatorial." Ainda assim, Del Rio disse que é muito cedo para achar que esse medicamento específico será o suficiente que os médicos precisam para manter as pessoas fora da UTI. "Ele tem potencial para mudar a prática futura; mas não de mudar a prática no momento."
Wendy Painter, médico da Ridgeback Biotherapeutics, que apresentou os dados na Conferência Virtual sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas, concordou. Embora os dados sejam promissores, "precisaremos ver se as pessoas melhoram com doenças reais" para avaliar o real valor do medicamento no tratamento clínico da Covid-19. “Esse é um objetivo da fase 3 que precisamos provar”, disse ela ao Medscape Medical News. Estudos de eficácia e segurança de fase 2/3 do medicamento, estão em andamento em pacientes hospitalizados e não hospitalizados.
Em uma breve apresentação dos dados, Painter expôs o que os pesquisadores sabem até agora: estudos pré-clínicos, sugerem que o Molnupiravir é eficaz contra vários vírus, incluindo coronavírus, e especificamente contra o SARS-CoV-2. Impede que um vírus se replique induzindo uma catástrofe de erro viral, essencialmente sobrecarregando o vírus com replicação e mutação, até que o próprio vírus se queime e não consiga produzir cópias replicáveis.
Nesta segunda fase, num ensaio de controle duplo-cego, randomizado, os pesquisadores recrutaram 202 adultos que foram tratados em um ambulatório com febre ou outros sintomas de um vírus respiratório, e confirmaram a infecção por SARS-CoV-2 no quarto dia. Os participantes foram aleatoriamente designados para três grupos diferentes: Molnupiravir 200 mg, 400 mg; ou 800 mg. O braço de 200 mg foi combinado um a um, com um grupo controlado com placebo, e os outros dois grupos tiveram três participantes no grupo ativo para cada controle.
Os participantes tomaram os comprimidos duas vezes ao dia por 5 dias e, em seguida, foram acompanhados por um total de 28 dias, para monitorar complicações ou eventos adversos. Nos dias 3, 5, 7, 14 e 28, os pesquisadores também coletaram swabs nasofaríngeos para testes de PCR, para sequenciar o vírus e para cultivar culturas de SARS-CoV-2, para ver se o vírus que está presente é realmente capaz de infectar outras pessoas.
Notavelmente, os comprimidos não precisam ser refrigerados em nenhum momento do processo, aliviando os desafios da cadeia de frio que têm afetado as vacinas. "Há uma necessidade urgente de um medicamento antiviral facilmente produzido, transportado, armazenado e administrado contra a SARS-CoV-2", disse Painter. Das 202 pessoas recrutadas, 182 tinham esfregaços que puderam ser avaliados, dos quais 78 apresentavam infecção no início do estudo. Os resultados são baseados em laboratórios desses 78 participantes.
No dia 3, 28% dos pacientes no braço do placebo tinham SARS-CoV-2 em sua nasofaringe, em comparação com 20,4% dos pacientes que não receberam qualquer dose de Molnupiravir. Mas no dia 5, nenhum dos participantes que recebeu a droga ativa, tinha evidência de SARS-CoV-2 em sua nasofaringe. Em comparação, 24% das pessoas no braço do placebo, ainda tinham vírus detectáveis.
Na metade do curso de tratamento, as diferenças na presença de vírus infecciosos já eram evidentes. No dia 3 do curso de 5 dias, 36,4% dos participantes no grupo de 200 mg tinham vírus detectáveis na nasofaringe, em comparação com 21% no grupo de 400 mg e apenas 12,5% no grupo de 800 mg. E embora a redução no SARS-CoV-2 fosse perceptível nos braços de 200 mg e 400 mg, ela só foi estatisticamente significativa no braço de 800 mg. Em contraste, ao final dos 5 dias nos grupos de placebo, o vírus infeccioso variou de 18,2% no grupo de 200 mg de placebo a 30% no grupo de 800 mg. Isso aponta para a variabilidade do curso da doença de SARS-CoV-2.
Você simplesmente não sabe quais infecções levarão a doenças graves, Painter disse ao Medscape Medical News. E você não gostaria que fizéssemos?
Sete participantes interromperam o tratamento, mas apenas quatro experimentaram eventos adversos. Três deles descontinuaram o estudo devido a eventos adversos. O estudo ainda é cego, então não está claro quais foram esses eventos, mas Painter disse que eles não estavam relacionados ao medicamento do estudo. O resultado final, disse Painter, foi que as pessoas tratadas com Molnupiravir, tiveram resultados totalmente diferentes nas medidas de laboratório durante o estudo.
"Em média 10 dias após o início dos sintomas, 24% dos pacientes com placebo permaneceram com cultura positiva" para SARS-CoV-2, o que significa que não havia apenas vírus na nasofaringe, mas era capaz de se replicar, disse Painter. “Em contraste, nenhum vírus infeccioso pôde ser recuperado no dia 5 do estudo em qualquer paciente tratado com Molnupiravir”.

A Covid-19 piorou a epidemia de obesidade, mas não conseguiu desencadear boas ações suficientes para seu controle.
Em um editorial publicado na British Medical Journal em 04/03/2021, uma pesquisadora britânica comenta que a evidência é clara, de que a obesidade é um fator de risco para a doença Covid-19 grave e morte, e questiona o que este aumento de urgência na pandemia da Covid-19, fez para impulsionar uma ação contra esta outra epidemia, a obesidade.
Estudos nos Estados Unidos, mostraram que ter um IMC acima de 30, o limite que define a obesidade, aumenta o risco de ser admitido no hospital com Covid-19 em 113%, de ser admitido em terapia intensiva em 74% e de morrer em 48%. A Public Health England relatou números semelhantes de mortalidade, com o risco de morte por Covid-19 aumentando em 90%, em pessoas com IMC acima de 40.
Isso independe da idade, já que o sobrepeso ou a obesidade, também estão associados a piores resultados em populações mais jovens. Pessoas com menos de 60 anos, com IMC entre 30 e 34, têm duas vezes mais chances de serem admitidas em terapia intensiva com Covid-19, do que aquelas com IMC mais baixo. Um relatório da World Obesity Federation, publicado em 4 de março de 2021, mostrou outras tendências, enfatizando que as taxas de mortalidade por Covid-19 têm sido dez vezes maiores em países onde mais da metade da população é obesa. E conforme o mundo se torna otimista sobre as vacinas nos ajudando a retornar a alguma forma de normalidade, um artigo em pré-impressão de fevereiro deste ano, relata que a obesidade pode estar correlacionada com uma resposta imunológica mais baixa à vacina Covid-19 da Pfizer-BioNtech, embora o estudo seja pequeno, e ainda não tenha sido revisado por especialistas. Esses desenvolvimentos preocupantes, trouxeram a atenção necessária para a epidemia mundial de obesidade.
“O problema é o fato de ser crônico”, diz Steve Gortmaker, professor de prática de sociologia da saúde na Escola de Saúde Pública de Harvard TH Chan. “Hoje em dia, os serviços de saúde pedem apenas que as pessoas mantenham o peso, nem o percam.” Gortmaker publicou pela primeira vez sobre o problema da obesidade nos Estados Unidos em 1987. Mais de duas décadas de programas governamentais tiveram algum impacto, mas longe de ser suficiente.
Antes da pandemia, cerca de 2,8 milhões de pessoas em todo o mundo, morriam a cada ano em decorrência do excesso de peso, de doenças decorrentes, incluindo doenças cardíacas, derrame cerebral e diabetes. Agora a Covid-19 é adicionada à lista. Mas os países estão fazendo mais para enfrentar esse fardo? Muitos especialistas dizem não, ou pelo menos não tanto quanto se poderia esperar.
Duas décadas de progresso lento
Países com as maiores cargas de obesidade, como Estados Unidos, México e a maior parte das ilhas do Pacífico, vêm tentando enfrentar o problema há décadas. Programas focados em melhorar a merenda escolar, campanhas alimentares mais saudáveis, encorajar estilos de vida mais ativos, e a taxação de produtos como bebidas açucaradas tiveram algum efeito: o México viu uma redução de 6,8% nas chances de pessoas consumirem volumes médios a altos de bebidas açucaradas, apenas três anos após a implementação de um imposto sobre o açúcar em 2014. No entanto, as taxas de obesidade permanecem altas entre adultos e crianças, com um em cada três adultos obesos em 2018, e uma em cada 10 crianças em 2018-2019.
Os governos do Pacífico implementaram a visão da “Ilha Saudável” há mais de 20 anos, para lidar com muitos aspectos da saúde, incluindo a obesidade, direcionando as refeições escolares, e a educação sobre alimentação saudável, além de melhorar os acordos comerciais para aumentar a qualidade e a variedade dos alimentos que entram nas ilhas. Mas a região continua a ter as maiores taxas de obesidade do mundo, mais de 55% da população de Samoa é obesa, de acordo com a Federação Mundial de Obesidade.
Agora, o México registrou uma das contagens mais altas de Covid-19 no mundo. Os EUA, onde as taxas de obesidade também são notavelmente altas, têm o maior número de infecções e mortes de Covid-19 do planeta, e o Reino Unido, onde as taxas de obesidade são as mais altas da Europa, há uma taxa de mortalidade desproporcional para Covid-19 em comparação com outros países.
Este deve ser um alerta para enfrentar o problema da obesidade, e alguns países foram motivados a agir em 2020. O Departamento de Saúde e Assistência Social da Inglaterra, anunciou uma nova estratégia de obesidade em julho, enfatizando o aumento dos riscos associados à Covid-19. “O excesso de peso é um dos poucos fatores modificáveis para Covid-19 e, portanto, apoiar as pessoas a alcançar um peso mais saudável, será crucial para mantê-las em forma à medida que avançamos”, afirma a estratégia.
Ela descreve sete medidas para combater a obesidade, incluindo a expansão dos serviços de controle de peso disponíveis através do sistema nacional de saúde britânico, a legislação exigindo que as empresas alimentícias adicionem rótulos de calorias aos alimentos, e a proibição da publicidade na televisão antes das 21h, de alimentos ricos em gordura, sal ou açúcar. Em dezembro, a estratégia acrescentou restrições à promoção de alimentos não saudáveis nas entradas, nos caixas e no final de corredores em supermercados e outras lojas de alimentos, afirmando que as promoções nessas localizações, muitas vezes levam ao “poder importunador” das crianças.
O México introduziu regulamentações de rotulagem de embalagens de alimentos não saudáveis, para ajudar as pessoas a melhorar suas dietas. Alguns de seus estados também proibiram a venda de junk food para crianças, e outros removeram os saleiros das mesas dos restaurantes, em uma tentativa de reduzir o sal adicionado às refeições. A Autoridade de Segurança Alimentar e Padrões da Índia, proibiu a venda e comercialização de alimentos não saudáveis (com alto teor de gordura ou açúcar) em cantinas escolares ou outras instituições educacionais, bem como a venda de tais alimentos a menos de 50 m dos portões das escolas.
Mas alguns especialistas acham que os esforços atuais não chegam ao cerne do problema. Christina Marriott, executiva-chefe da Royal Society of Public Health, disse sobre a estratégia do Reino Unido: “Ela não descreve como as causas básicas da obesidade serão abordadas. Sem isso, é difícil ver como podemos interromper nossa trajetória atual”.
Onde está o poder
A causa raiz, diz Marriot, é a pobreza e a desigualdade, que também aumentaram os efeitos da Covid-19 em algumas populações. “As crianças nas áreas mais carentes, têm agora duas vezes mais probabilidade de serem obesas, do que aquelas nas áreas menos carentes, e a diferença está aumentando”, diz Marriott. “Quando o governo pede que os indivíduos mudem seu comportamento, vemos alguns benefícios para os que estão em melhor situação, enquanto os que estão em pior situação, cujo ambiente e circunstâncias podem tornar a mudança de estilo de vida muito mais difícil de alcançar, normalmente são deixados para trás”.
Essa tendência pode ser observada em países de baixa e média renda nos últimos anos, onde as taxas de obesidade aumentaram, à medida que alimentos não saudáveis se tornaram mais disponíveis e acessíveis. “Você pode gastar algum dinheiro e comer algumas centenas de calorias em poucos minutos”, diz Gortmaker. “E o marketing de alimentos nos incentiva a comer todos os momentos do dia.”
Lidar verdadeiramente com a obesidade, também significa reduzir o poder da indústria de alimentos e bebidas, em se opor à legislação que os afeta. Gortmaker diz que tais mudanças permanecem politicamente difíceis devido ao poder da indústria, com medidas como tributação ou proibições de publicidade, introduzidas principalmente em nível estadual nos Estados Unidos como resultado.
O controle da indústria só aumentou durante a pandemia da Covid-19. Um relatório da NCD Alliance (uma rede da sociedade civil que visa controlar e prevenir doenças não transmissíveis), publicado em setembro de 2020, listou centenas de maneiras pelas quais a indústria de alimentos e bebidas usou a pandemia, para promover seus produtos e capitalizar sobre a situação, especialmente o álcool, bebidas açucaradas e alimentos ultra processados. Isso inclui não apenas embalagens de alimentos, mas ainda, contribuições que contêm produtos não saudáveis e promovem marcas, como Heineken Rússia, que doou refeições para profissionais de saúde junto com sua bebida energética, e a FEMSA, que distribuiu lanches não saudáveis e bebidas açucaradas em bairros carentes no México. Muitas redes de fast food também ofereciam refeições ou produtos gratuitos para profissionais de saúde, afirma o relatório. O BMJ entrou em contato com a Heineken e a FEMSA para comentar, mas nenhuma das empresas respondeu.
“Há tantos interesses econômicos poderosos em jogo”, diz Lucy Westerman, gerente de políticas e campanha da NCD Alliance. “A forma como as indústrias são apoiadas e incentivadas é preocupante. Precisa haver um repensar significativo sobre onde está esse poder.”
Marriott diz que os esforços para combater a obesidade, “devem ser apoiados por um governo que não tenha medo de enfrentar fortemente a indústria”, para implementar as intervenções mais eficazes, como impostos. O imposto sobre o açúcar introduzido em refrigerantes no Reino Unido em 2016, resultou em uma redução de 28,8% no teor de açúcar das bebidas desde seu anúncio até a implementação, mas a nova estratégia de obesidade, omitiu tais medidas em outros alimentos não saudáveis. Também perdeu a oportunidade de se concentrar em tornar os alimentos saudáveis mais acessíveis, diz Marriot.
Uma janela para mudança
Mesmo assim, Westerman acredita que a pandemia abriu uma janela para novas políticas. “A Covid-19 tem sido a bola de demolição, revelando como as condições de saúde estão interconectadas e seus determinantes”, diz ela. Ela acha que as autoridades agora estão percebendo que, se continuarem a negligenciar a prevenção de doenças crônicas, correm o risco de minar a segurança da saúde de suas populações no futuro.
“Não houve melhor oportunidade na história para aumentar nossos esforços para garantir uma boa nutrição, e assumir a saúde ambiental, como um determinante indivisível da saúde humana”, disse Jorge Alcocer Varela, secretário mexicano de saúde, na Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2020.
Nas ilhas do Pacífico, especialistas dizem que a resposta à pandemia, ajudou a tornar a população mais saudável. Dyxon Hansell, consultor de saúde do escritório de Samoa da Organização Mundial da Saúde, disse ao BMJ que os bloqueios fazem com que as pessoas cozinhem mais em casa, resultando em refeições mais saudáveis. Alguns governos insulares também estão oferecendo treinamento online gratuito, sobre como fornecer alimentos e bebidas saudáveis nas escolas; dietas e receitas saudáveis para preparação doméstica; e pedidos online de alimentos saudáveis para entrega. Com as pessoas ficando mais em casa, elas também estão sendo incentivadas a cultivar mais de sua própria comida.
Esses são passos na direção certa, mas estão longe de ser uma solução rápida. Os especialistas acreditam que o verdadeiro combate à obesidade, requer uma abordagem multifatorial entre os governos, incluindo os departamentos de agricultura e transporte, bem como de saúde. Em última análise, Gortmaker acha que a obesidade precisa de atenção de cima, não apenas dos departamentos de saúde estaduais ou locais. “Até agora, simplesmente não recebeu esse tipo de atenção”, diz ele, e quando isso acontece “alguém entra, inicia um programa e depois sai”.
Mas este tem sido o caso, e se uma pandemia global que matou centenas de milhares de pessoas com a doença, e levou a internações hospitalares para muitas mais, não galvanizar ações suficientes, o que o fará?
“Não podemos perder este momento”, diz Westerman. “É uma oportunidade para os governos fazerem algo um pouco melhor em uma situação realmente horrível.”

Vacinas COVID-19: agindo com base nas evidências
Em um editorial publicado na NATURE em 04/03/2021, pesquisadores britânicos comentam que desviar dos regimes de vacinação testados, sem evidências científicas, pode prejudicar a confiança do público nas vacinas contra a COVID-19, e no sucesso de uma estratégia global de vacinação para reduzir a pandemia.
O desenvolvimento, aprovação e distribuição de vacinas seguras e eficazes contra a SARS-CoV-2, é motivo de celebração, e fornece um vislumbre de esperança de que o fim da pandemia global possa estar ao alcance. É uma conquista científica sem precedentes que várias vacinas, incluindo as vacinas da Pfizer-BioNTech, NIH-Moderna e Oxford-AstraZeneca, entre outras, tenham obtido aprovação por órgãos reguladores em vários países em menos de um ano. Cada vacina foi rigorosamente avaliada quanto à eficácia e segurança em estudos pré-clínicos e clínicos, culminando em ensaios clínicos de fase 3 rigidamente controlados e bem-sucedidos.
Em contraste com suas respostas lentas nas fases iniciais da epidemia, em todo o mundo, os governos estão agora se movendo rapidamente para implementar programas de vacinação nacionais e estaduais, em grande parte focados na priorização de cuidados de saúde em trabalhadores essenciais e em populações vulneráveis. No entanto, na tentativa de maximizar a cobertura populacional com disponibilidade limitada de vacinas, juntamente com a ameaça de surtos no número de casos alimentados pelo surgimento de novas cepas potencialmente mais transmissíveis de SARS-CoV-2, alguns governos optaram por modificar a estratégia da dosagem da vacina, embora em um vácuo de evidências concretas.
O governo do Reino Unido, por exemplo, estendeu o intervalo entre as doses da vacina de mRNA da Pfizer-BioNTech de um regime de duas doses programadas com 21 dias de intervalo, conforme testado em ensaios clínicos, para duas doses com não mais de 12 semanas de intervalo. Embora isso possa ser indicativo de um governo pragmático, interessado em aproveitar os recursos disponíveis, é profundamente preocupante que esse desvio arriscado do cronograma especificado, tenha se tornado uma política nacional com base em evidências escassas e não testadas. De acordo com uma declaração divulgada pelo Comitê Conjunto de Vacinação e Imunização do Reino Unido, a eficácia publicada da vacina Pfizer-BioNTech foi determinada em 52% entre a primeira e a segunda dose; no entanto, análises post-hoc usando dados de caso restritos a 15–21 dias após a primeira dose, estimaram a eficácia em 89%.
É importante observar que essas estimativas não foram derivadas de análises pré-especificadas ou testadas especificamente em estudos de fase 3 dedicados. Assim, permanecem grandes lacunas no conhecimento concreto sobre a eficácia de uma segunda dose, quando administrada em um intervalo de 12 semanas mais longo, ou se uma única dose pode conferir proteção suficiente entre as populações vulneráveis, para aliviar a carga sobre as já sobrecarregadas instalações de cuidados intensivos. Em Israel, por exemplo, onde o número de casos está aumentando atualmente, e cerca de 2 milhões de pessoas já receberam a primeira dose da vacina Pfizer-BioNTech, mas apenas 400.000 receberam uma segunda dose, alguns funcionários da saúde sugeriram que uma única dose sozinha pode não oferecer tanta proteção quanto se pensava inicialmente.
A justificativa para esse desvio aparentemente flagrante da evidência no Reino Unido, é conter a disseminação da variante recentemente caracterizada do SARS-CoV-2, a B.1.1.7, que se propõe a se espalhar mais rapidamente do que outras formas do vírus. O sequenciamento genômico em tempo real durante a pandemia, permitiu aos pesquisadores entender como o vírus sofre mutação, e rastrear a propagação de variantes ao longo do tempo, bem como geograficamente. No entanto, o poder dessa abordagem é prejudicado pela disponibilidade limitada de dados de sequência global.
Globalmente, quase 100 milhões de casos de COVID-19 foram identificados, mas no momento da redação deste artigo, apenas 400.000 sequências genômicas SARS-CoV-2 foram depositadas no banco de dados GISAID e, desses, quase metade (175.000) são de o Reino Unido sozinho. E das mais de 20.000 novas sequências SARS-CoV-2 depositadas no GISAID no período de 1 a 19 de janeiro de 2021, mais de três quartos são de países europeus, com apenas 142 da América do Sul, onde uma nova cepa do Brasil com potencial aumento de transmissibilidade, foi relatado recentemente. Em contraste, um total de cerca de 3.000 isolados foram sequenciados na África do Sul desde fevereiro de 2020, mas apenas alguns foram caracterizados. Os EUA também foram criticados pela falta de um programa nacional de vigilância genômica. Dos 1,4 milhão de novos casos identificados nos EUA a cada semana nos últimos meses, menos de 3.000 foram sequenciados. Embora países como o Reino Unido e a África do Sul, tenham aumentado substancialmente sua capacidade de sequenciamento, em uma escala global não se sabe se outras variantes com maior transmissibilidade ou infectividade, existem em outras regiões. Além disso, ainda não se sabe se o coronavírus SARS-CoV-2 pode sofrer mutação espontânea, de modo que novas variantes possam escapar das vacinas atuais, ou por outro lado, se regimes alternativos de vacinação, como o implementado no Reino Unido, podem aplicar pressão seletiva sobre o vírus para induzir a fuga.
Nos primeiros meses da pandemia, muito pouco se sabia sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2. Políticas de saúde imediata tiveram que ser implementadas com base na experiência e evidências de epidemias anteriores, incluindo a epidemia de SARS-CoV, que se originou na China em 2003, e o surto do vírus Ebola na África Ocidental em 2014. Quase um ano depois, um grande volume de dados foi gerado, o que permitiu um melhor entendimento do SARS-CoV-2, sua epidemiologia, a resposta imune do hospedeiro e aspectos clínicos da COVID-19. Ainda há lacunas no conhecimento que precisam ser resolvidas, incluindo a compreensão do impacto do surgimento de variantes do vírus potencialmente mais transmissíveis ou mais virulentas.
O número global de vítimas da COVID-19 ultrapassou a marca sombria de 2 milhões de mortes. Mais de um quinto dessas mortes ocorreram nos EUA, com a maior taxa de mortalidade per capita sendo no Reino Unido. Embora essas estatísticas preocupantes justifiquem uma ação rápida para vacinar o maior número possível de pessoas, o desvio de um regime de vacinas clinicamente validado e baseado em dados, é uma abordagem arriscada que pode prejudicar os esforços atuais de vacinação, minar a confiança do público nas vacinas, e resultar em consequências indesejáveis a longo prazo. As políticas de vacinação firmemente baseadas em evidências científicas, devem permanecer o esteio da estratégia global de saída para a COVID-19.

Eurico em um dos raros momentos de descontração aqui em Fortaleza, nas companhias das amigas Dra. Fátima Landim, Lenita e Cassita. O Eurico é um maranhense de coração cearense, e o mais importante, com toda a sua formação médica básica realizada aqui no Ceara, na UFC, com o qual tive o prazer de compartilhar o início da Minha Residência Médica no Hospital das Clínicas.
REVISTA PESQUISA DA FAPESP: Entrevista em março de 2021
Especialista em coronavírus, médico da USP de Ribeirão Preto, fala das novas variantes do Sars-CoV-2 e do risco que podem representar para a eficácia de algumas vacinas.
Idade: 63 anos Especialidade: Virologia Instituição: Universidade de São Paulo (USP) Formação: Graduação em medicina pela Universidade Federal do Ceará (1982), mestrado em infectologia pela Universidade Federal de São Paulo (1987) e doutorado na mesma instituição, com intercâmbio na Universidade da Virgínia (1991) Produção: 83 artigos científicos e 20 capítulos de livros
Eurico de Arruda Neto é um estudioso dos vírus, seres situados na fronteira entre o vivo e o não vivo que têm uma constituição tão enxuta a ponto de dependerem totalmente de outros organismos vivos para se reproduzir e evoluir. “São parasitas bioquímicos elegantíssimos”, afirma o virologista, que se interessou por esses seres microscópicos, constituídos basicamente de material genético envolto por uma camada de proteínas, ainda durante a graduação, realizada na Universidade Federal do Ceará (UFC).
No último ano do curso médico, ele participou de um projeto de pesquisadores norte-americanos que investigavam as infecções mais comuns em uma favela de Fortaleza e descobriu a importância dos vírus respiratórios para a saúde humana, que, até então, recebiam pouca atenção. Estudou a ocorrência de HIV entre indígenas brasileiros durante o mestrado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e, no doutorado, iniciado na mesma instituição e concluído na Universidade da Virgínia, Estados Unidos, retomou a investigação dos vírus respiratórios. Lá ele teve seu primeiro contato, em fins dos anos 1980, com os coronavírus que naquela época já eram conhecidos por infectarem seres humanos e causarem problemas respiratórios semelhantes a gripes ou resfriados.
De lá para cá, esses vírus, responsáveis por cerca de 10% dos problemas respiratórios em adultos e crianças, não saíram mais do seu radar. A pandemia de Covid-19, causada pelo Sars-CoV-2, o mais novo integrante da família dos coronavírus, obrigou Arruda a reorganizar a rotina de trabalho de seu grupo de pesquisa para investigar como o novo patógeno age no organismo humano e buscar formas de combatê-lo.
Na entrevista a seguir, concedida no início de janeiro por videoconferência, o virologista, coordenador do Laboratório de Patogênese Viral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (FMRP-USP), fala da surpreendente capacidade de disseminação do Sars-CoV-2, do surgimento de novas variantes e do risco que elas podem representar para a eficácia de alguns tipos de vacina contra a Covid-19. Também alerta para a necessidade de se criarem sistemas de vigilância mais atuantes para detectar vírus que podem causar novas pandemias.
Os coronavírus são seus velhos conhecidos. Quando começou a estudá-los?
Decidi estudar vírus respiratórios logo após a graduação. Queria conhecer melhor os rinovírus, que são causadores do resfriado comum, os agentes infecciosos que atingem com maior frequência os seres humanos. Na época, não se sabia muito sobre rinovírus e fui para um grupo de pesquisa que os estudava na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Tínhamos também de estar atentos às variedades de coronavírus então conhecidas, porque eram consideradas a segunda causa mais frequente de resfriado comum. Esses vírus respondem por uns 10% das infecções respiratórias em crianças, o que é muita coisa. No final dos anos 1980, incluímos o rastreio dos coronavírus em pessoas com resfriado e, desde então, esses vírus estão em nosso radar.
Há estudos recentes?
Em 2019, publicamos o resultado de um estudo feito com 236 crianças atendidas no Hospital das Clínicas da USP em Ribeirão Preto. Dos mais de 200 vírus investigados, os coronavírus, sozinhos ou em associação com os rinovírus C, foram os causadores das infecções mais graves, que mais levavam à internação em UTI [Unidade de Terapia Intensiva] pediátrica. Esse trabalho tratou apenas dos quatro coronavírus que já eram endêmicos nos seres humanos, conhecidos pelas siglas OC43, 229E, HK11 e NL63.
Conhecendo os coronavírus há tanto tempo, imaginava que o Sars-CoV-2 pudesse causar uma pandemia?
Quando surgiram as notícias sobre o novo vírus na China em dezembro de 2019, achei que veríamos algo semelhante ao que ocorreu em 2002 com o Sars-CoV, causador da Síndrome Aguda Respiratória Grave, a Sars, ou em 2012 com o vírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio, a Mers, que ficaram restritos, respectivamente, ao Sudeste da Ásia e ao Oriente Médio. Foi uma surpresa que o novo coronavírus tenha se espalhado feito rastilho de pólvora.
Não havia pistas desse potencial?
Os vírus da Sars e da Mers causaram doença grave, mas tinham transmissibilidade baixa. Todos eles são muito parecidos em sua origem zoonótica. São fruto de spillover, um salto de uma espécie animal para o ser humano. O que os coronavírus endêmicos nos ensinaram, e está se confirmando, é que a resposta imunológica de anticorpos contra eles é fraca. Isso é conhecido desde a década de 1960, quando o virologista britânico David Tyrrell [1925-2005], descobridor dos coronavírus, inoculou esses vírus no nariz de voluntários saudáveis. As pessoas desenvolveram um resfriado e produziram anticorpos contra o vírus. Um ano mais tarde, Tyrrell infectou novamente esses indivíduos com o vírus e verificou que os anticorpos praticamente não existiam mais.
Há risco de que essa característica prejudique a eficácia das vacinas?
Para responder a essa pergunta, preciso dar um passo atrás. A resposta imune
pode ser dividida em duas frentes: uma comandada por células chamadas linfócitos B e outra pelos linfócitos T, que interagem e trocam informações. Os linfócitos B produzem anticorpos, enquanto os linfócitos T, após um primeiro contato com o vírus, são capazes de reconhecer células infectadas por ele. Um subconjunto de linfócitos T, os T CD8, pode eliminar as células contendo vírus. A imunidade proporcionada pelos linfócitos T de memória é mais longeva do que a dos anticorpos. Fiz essa introdução para agora chegar à resposta: sim, a forma como os coronavírus despertam a resposta imune de anticorpos, que é de curta duração, pode prejudicar a eficácia de algumas vacinas.
Quais podem ser afetadas?
A maioria das vacinas foi desenvolvida para produzir anticorpos apenas contra a
proteína da espícula, a proteína S, do vírus. É o caso das vacinas de RNA, como a da Pfizer-BioNTech e da Moderna, ou das que usam outro vírus para introduzir no organismo a receita para fazer a proteína da espícula do Sars-CoV-2, caso da vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca. Essas vacinas estão mais sujeitas a perder eficácia porque a proteína da espícula, que fica na superfície do vírus, pode sofrer mutações e, em algum momento, deixar de ser reconhecida pelos anticorpos induzidos pelas vacinas. À medida que os vírus se multiplicam, seu material genético é copiado e pode incorporar erros, que são as mutações. Algumas podem causar alterações nas proteínas e torná-las irreconhecíveis para um sistema imune exposto a uma versão anterior do vírus. Do ponto de vista evolutivo, a tendência é que o vírus sofra adaptações e se torne menos nocivo ao hospedeiro. Isso acontece porque ele passa por uma seleção natural darwiniana. Multiplicam-se com mais sucesso e têm maior probabilidade de serem passadas adiante as variantes que não matam o hospedeiro ou as que causam doença mais leve que, como consequência, podem se tornar endêmicas. Vemos isso o tempo todo em estudos com células e animais. Por razões seletivas, é maior a probabilidade de que ocorram mutações na proteína da espícula, como, aliás, já vêm ocorrendo.
Do ponto de vista evolutivo, a tendência é que o vírus sofra adaptações e se torne menos nocivo ao hospedeiro.
Qual vacina tomaria?
Se pudesse escolher, eu tomaria uma vacina feita com o vírus inteiro, como a
CoronaVac, feita pela Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ou a Covaxin, da indiana Bharat Biotech. Essas vacinas são meio “brutas”, feitas com o vírus picotado e tratado com detergente e formalina. Elas contêm todos os elementos do vírus, assim como a vacina da gripe. Conhecemos o tipo de resposta imunológica gerada por elas. O organismo, especialmente por meio das células T de memória, torna-se capaz de identificar várias partes do vírus, e não só a espícula. É muito mais fácil ocorrerem mutações em uma única proteína do que simultaneamente em várias proteínas. Além disso, as vacinas feitas com vírus inteiros inativados geram uma resposta celular, de linfócitos T, mais duradoura. Estudos feitos na Europa e nos Estados Unidos já mostraram que entre 40% e 50% das pessoas nunca expostas ao Sars-CoV-2 tinham linfócitos T capazes de destruí-lo, provavelmente porque essas células já tinham entrado em contato com os coronavírus endêmicos e conseguiam reconhecer partes que são muito semelhantes no novo coronavírus.
Isso significa que uma vacina de vírus inteiro inativo pode produzir uma resposta imune mais robusta e duradoura do que uma vacina de RNA, ainda que sua eficácia seja menor?
Exatamente. Vacina foi feita para prevenir doença, e não para evitar infecção.
Um exemplo clássico é o da vacina contra rotavírus. Ela praticamente eliminou os casos de diarreia severa causada por esse vírus, mas não impede a infecção. Quem recebe uma vacina de vírus inteiro contra o Sars-CoV-2 pode até ser infectado por ele, mas provavelmente não vai adoecer nem vai saber que teve a infecção. Houve uma celeuma desnecessária a respeito da eficácia da CoronaVac, que aparentemente é muito boa, por evitar a morte e prevenir perto de 80% dos casos graves e 50% das manifestações leves. Uma vacina que estimule a produção de anticorpos apenas contra a espícula do vírus pode perder eficácia se passar a prevalecer uma linhagem com a espícula alterada.
O surgimento de variantes mostra que é importante monitorar os vírus circulantes. Isso tem sido feito de maneira adequada?
Não. Precisaríamos fazer um esforço para coletar amostras e sequenciar o
material genético desse vírus muito maior do que o que tem ocorrido, principalmente no Brasil. Alguns países realizam muitos sequenciamentos e sabem quais variantes do vírus estão por ali. No Brasil, ainda não fazemos isso na quantidade necessária. Há grupos sequenciando bastante em São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas e Rio Grande do Sul, mas deveríamos fazer muito mais e de modo mais bem distribuído. Não adianta sequenciar todos os vírus de São Paulo e nenhum de Mato Grosso, por exemplo. Deveríamos ter postos sentinelas distribuídos pelo país para coletar essas amostras e sequenciá-las para acompanhar a disseminação das variantes. Também é preciso fazer os testes para monitorar se essas variantes são capazes de escapar dos anticorpos induzidos pelas vacinas.
Esse risco de escape torna mais urgente vacinar a população?
Sim, é preciso vacinar um número muito grande de pessoas rapidamente para
evitar que essas variantes se propaguem porque, quanto mais gente se infectar antes de ser imunizada, mais o vírus vai se replicar, acumular mutações e gerar novas variantes.
Existem indícios de que algumas variantes se disseminam mais rapidamente. Foram feitos estudos confirmatórios para alguma delas?
Exceto pela evidência de maior transmissibilidade em modelo animal obtida
com a mutação D614G, ainda não houve comprovação definitiva de que as variantes que estão surgindo sejam mais transmissíveis. Por enquanto, há evidências de que algumas produzem maiores quantidades de vírus nas secreções, o que as tornaria mais facilmente transmissíveis. Por isso, alguns governos tomaram atitudes preventivas, impedindo a entrada de pessoas vindas de locais onde essas variantes circulam. Mas ainda não se pode afirmar que todas são realmente mais transmissíveis. Foram feitos estudos que usam modelagem molecular computacional que sugerem maior transmissibilidade. Só que isso precisa ser validado em experimentos de laboratório. Estudos de transmissibilidade geralmente são feitos com camundongos. Coloca-se um animal infectado em uma gaiola e se verifica se ele infecta o animal são que está na gaiola vizinha, com o qual compartilha o mesmo ar respirado. Sem esses experimentos, não se consegue saber, por exemplo, por que determinada variante está se espalhando muito, como a de Manaus. Pode ser que ela seja transmitida mais facilmente, mas pode ser que ela seja mais abundante lá apenas por ter surgido naquela cidade, onde agora quase não haveria mais a variante que causou a primeira onda.
Apenas no início deste ano a China autorizou a entrada em seu território de uma equipe da Organização Mundial da Saúde para investigar a origem do novo coronavírus. Por que é importante saber em que animal surgiu e como ele chegou aos seres humanos?
Para conhecer como ocorre um spillover e para que se busquem formas de evitar
que outros ocorram. Os spillovers são consequência da degradação ambiental causada pela atividade humana. É preciso reduzir os danos conhecendo, por exemplo, quais são as espécies de morcego que antes estavam nas matas, seu ambiente natural, e agora estão nas cidades. Os morcegos estão há mais de 60 milhões de anos no planeta e albergam muitos vírus sem adoecer porque têm um sistema imune que não produz muita inflamação. Se por meio de estudos genéticos e computacionais conhecermos antecipadamente os vírus que esses animais carregam e a afinidade desses vírus pelas proteínas das células humanas, é possível ficar alerta, tentar evitar o contágio e preparar antecipadamente medidas de prevenção e tratamento.
Quais centros fazem adequadamente essa vigilância zoonótica?
Muito poucos. Um dos principais fica na Escola Médica Duke-NUS, em
Singapura. Nos Estados Unidos existem alguns centros, como o de Galveston, no Texas, e o da Universidade de Tulane, em Nova Orleans. No Brasil, infelizmente, não existem instituições que façam um esforço concentrado nessa área. Temos instituições de saúde pública muito boas, como o Instituto Evandro Chagas, no Pará, a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro e em outros estados, e o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. Mas estão sobrecarregados com as tarefas do dia a dia para realizar prospecção de vírus.
Quais foram os acertos e os erros da China e dos outros países ao se perceberem diante de um vírus perigoso?
Não enxergo nenhum erro gritante na atitude dos chineses. Isolaram o vírus,
sequenciaram o material genético e compartilharam as informações. No início, o mundo todo olhou com desconfiança para a disseminação do vírus, pensando, “será que chega mesmo?”. Chegou. No Brasil, medidas drásticas deveriam ter sido tomadas bem no começo, como rastreamento em aeroportos, restrição de viagens e outras ações. Mas é difícil. Existem pressões políticas e econômicas. Algo que atrapalhou muito foi a disseminação de notícias falsas sugerindo que a cloroquina ou a ivermectina poderiam tratar a doença. Atualmente, tenho receio do espalhamento de notícias falsas sobre as vacinas. Já se veem pessoas dizendo que não se imunizarão nem se a vacina lhes for oferecida.
Há motivo para inquietação com os casos de reinfecção?
Todo vírus que desperta no organismo uma imunidade precária, como os
coronavírus, pode causar reinfecção. Na década de 1960, David Tyrrell mostrou que isso pode acontecer. O que me surpreende no caso do novo coronavírus é que as reinfecções estão ocorrendo com um intervalo de tempo muito curto, de 60 dias, 45 dias. Suspeito que alguns desses casos sejam, na realidade, quadros de persistência do vírus no organismo.
Como funciona a persistência?
Anos atrás, começamos a estudar as tonsilas [amígdalas] extraídas de crianças
que as tinham hipertrofiadas. Isso causa problemas respiratórios e até deformidade facial. As crianças, no entanto, não tinham sinal de gripe nem resfriado no momento da cirurgia ou no mês anterior. No laboratório, analisamos essas tonsilas e verificamos que em 97% dos casos elas estavam infectadas com um ou mais vírus respiratórios. Encontramos material genético e proteínas de vários vírus no tecido. Quando maceramos as tonsilas e colocamos o material em cultura de células, os vírus passaram a se multiplicar. Depois disso, outros grupos mostraram a mesma coisa. Mais recentemente, começamos a estudar outros tecidos linfoides – tonsilas, baço, linfonodos, timo e medula óssea – de pessoas que haviam morrido por problemas cardiovasculares. Embora esses indivíduos não tenham morrido por causa de problemas respiratórios, encontramos em vários desses órgãos vírus respiratórios, como os rinovírus, o vírus sincicial respiratório, o vírus da influenza e outros.
Vacina foi feita para prevenir doença, e não para evitar infecção. Um exemplo clássico é o da vacina contra rotavírus
O que isso mostra?
Que essas pessoas provavelmente tiveram uma infecção respiratória viral no
passado, ficaram resfriadas, tossiram, espirraram, e o sistema imunológico resolveu a infecção. Mas o vírus encontrou nichos que poderia habitar sem causar danos ao hospedeiro. Estamos investigando em quais condições a infecção poderia ser reativada. Acredito que essa situação em que o vírus convive com o hospedeiro sem fazê-lo adoecer pode ser vantajosa para ambos. Para o vírus, porque permanece viável por longos períodos, para o organismo, porque a persistência viral pode servir como estímulo à memória imunológica de como combater a infecção.
Só fazendo o sequenciamento do material genético dos vírus nos dois momentos e depois comparando é possível saber se de fato é uma reinfecção ou se é uma infecção persistente?
Exato. Não duvido da possibilidade de reinfecção, mas acho que é preciso ser
mais rigoroso na sua documentação. Algo que não se detectou ainda no caso do novo coronavírus, mas que pode vir a acontecer, é a recombinação. Se uma mesma célula estiver infectada com duas cepas diferentes, o material genético de cada uma delas pode se misturar e originar uma terceira.
Desde o começo da pandemia, o senhor direcionou o seu laboratório para estudar o novo coronavírus. O que seu grupo descobriu?
Nossa descoberta mais importante até agora foi que o novo coronavírus infecta
células de defesa: monócitos, linfócitos B, linfócitos T CD4 e, para minha surpresa, até linfócitos T CD8. Todas essas células estão envolvidas no combate ao vírus. Alguns vírus, como o HIV, infectam linfócitos, mas não se sabia que os coronavírus também eram capazes disso.
Qual a consequência?
Os linfócitos são células que combatem infecções em vários tecidos. Se o vírus
infecta e mata linfócitos, ele pode prejudicar a resposta imunológica. Mas o Sars-CoV-2 não infecta somente linfócitos responsáveis por combatê-lo. Ele invade linfócitos dirigidos contra outros patógenos, o que pode facilitar outras infecções. Desde o começo da pandemia, foi visto que pacientes com Covid-19 moderada e grave têm linfopenia, que é uma baixa de linfócitos no sangue. Não se sabia a causa. Imaginava-se que a redução ocorresse porque os linfócitos haviam migrado para os tecidos infectados. Mostramos que o vírus também mata os linfócitos, o que pode ter outra repercussão importante. A resposta inflamatória intensa observada na Covid-19 pode ser decorrente da infecção de certos clones de linfócitos pelo Sars-CoV-2. Isso faria esses clones secretar uma quantidade enorme de citocinas. Ainda não temos prova disso.
O Sars-CoV-2 infecta os linfócitos responsáveis por combatê-lo e também os dirigidos contra outros patógenos
O que mais viram?
Em outro trabalho, ajudamos o grupo de Fernando Cunha, da Faculdade de
Medicina da USP em Ribeirão, a demonstrar que o Sars-CoV-2 induz outro tipo de célula de defesa, os neutrófilos, a liberar armadilhas extracelulares, as neutrophil extracellular traps, ou Nets. Quando essas células sofrem estresse, como a infecção pelo vírus, elas lançam para o meio externo emaranhados de seu próprio DNA, que, em infecções por bactérias e fungos, acabariam aprisionando os patógenos. As Nets são muito tóxicas e podem gerar inflamação. Vimos que as Nets participam da resposta inflamatória na Covid-19. O pulmão de quem morre está cheio delas nos pontos em que há presença do vírus. Essa constatação abriu uma perspectiva de tentar reduzir a inflamação pulmonar. Existem tratamentos inalatórios que se baseiam no uso de enzimas chamadas DNAses para dissolver as Nets. Em outro estudo, feito com Norberto Peporine Lopes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, vimos, por meio de modelagem computacional, que a molécula do tenofovir disoproxil fumarato, um antiviral usado contra o HIV, encaixava-se muito bem na polimerase do Sars-CoV-2. Essa enzima atua na multiplicação do material genético do vírus. Em experimentos com células mostramos que o tenofovir reduziu em centenas de vezes a quantidade de vírus. Informamos o resultado ao Ministério da Saúde e conseguimos iniciar um ensaio clínico, atualmente em andamento, no Ceará, para verificar se reduz a carga viral, a necessidade de internação e a gravidade da doença. Com o grupo de Dario Zamboni, constatamos que o vírus, ao invadir células do sistema imune, ativa no interior delas a formação de um complexo de proteínas chamado inflamassoma, que dispara a resposta inflamatória.
Como surgiu o seu interesse pelos vírus?
Em 1981, eu era estudante do sexto ano de medicina na UFC e já me interessava
pela bioquímica dos vírus. Um dia encontrei uma professora da medicina social que me contou sobre um projeto de pesquisadores da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Eles estavam fazendo um levantamento de doenças infecciosas, entre elas as virais, na favela de Gonçalves Dias, em Fortaleza. Procurei o coordenador do estudo, Richard Guerrant, e disse que estudaria doenças infecciosas para me tornar virologista. Ele aceitou minha participação e fizemos um estudo muito cuidadoso. Durante dois anos, fomos à casa das pessoas três vezes por semana para verificar se as crianças menores de 5 anos apresentavam sintomas de doença e coletar material para análises em laboratório. Consegui um bom material e identifiquei alguns vírus. No doutorado, feito na Unifesp, consegui uma bolsa para terminar a análise daquele material de Fortaleza no laboratório de vírus respiratórios da Universidade da Virgínia.
O que observou?
Analisávamos um painel de vírus respiratórios detectados naquelas crianças. O
rinovírus, causador do resfriado, era o campeão, cinco vezes mais comum que os outros. Eu havia me formado em medicina, mas não tinha estudado esse assunto, que não era considerado um problema de saúde importante. Mas é. Infecção por rinovírus pode desencadear crises de asma, sinusites e otites médias. Cinquenta por cento dos pacientes que vão ao pronto-socorro tratar crises de asma estão infectados por um rinovírus. Hoje se acredita que essa crise é causada pela resposta do sistema imune a esse vírus. Uma vacina contra rinovírus poderia reduzir em 50% as crises de asma. Naquela época, não se sabia quase nada sobre esse vírus e decidi estudá-lo. Foi o meu o primeiro trabalho a mostrar em qual tipo de célula os rinovírus se replicavam: as células ciliadas do epitélio respiratório. Hoje estou vendo que esse vírus também se reproduz nos linfócitos das tonsilas e de outros órgãos linfoides.
Por que é tão difícil obter antivirais eficientes?
Os vírus são parasitas bioquímicos de grande elegância. Para mim, são seres
vivos, uma vez que se replicam, deixam descendentes e evoluem. Só que dependem quase totalmente de outro ser vivo, que é a célula hospedeira. Como eles dependem tanto das vias metabólicas da célula, é preciso encontrar compostos capazes de inibir a replicação do vírus sem danificar a célula. Tem sido quase impossível separar as vias que são estritamente virais das que são celulares. Há muitos antivirais, mas que não podem ser usados. Nos experimentos, eles impedem a reprodução dos vírus, mas, por comprometerem vias metabólicas das células, eles as matam.
https://revistapesquisa.fapesp.br/eurico-arruda-um-admirador-dos-virus/

PROJEÇÕES DA UNIVERSIDADE DE WASHINGTON
Se esse desgoverno continuar sem fazer nada para um efetivo combate ao coronavírus, e continuar a fazer apenas o que sabe fazer de melhor, que é o incentivo ao descumprimento das medidas de controle da pandemia; e se o povo, por seu lado, não fizer a sua parte, que é o de respeitar o que as evidências médicas recomendam, que é o lockdown, e mais o uso de máscara quando em contato com uma pessoa próxima, olha o que vem aí pela frente num futuro bem próximo: 10 mil mortes na semana, 50 mil em março, 350 mil no melhor e 500 mil no pior cenário, até julho...

Por que as vacinas COVID são tão difíceis de comparar
Em um artigo publicado na NATURE em 23/02/2021, pesquisadores comentam que apesar da disseminação mundial de várias vacinas, ainda pode levar meses até que elas possam ser classificadas.
Yusuff Adebayo Adebisi sabe que uma vacina, que oferece 70% de proteção contra COVID-19, pode ser uma ferramenta valiosa, contra a pandemia de coronavírus na Nigéria, especialmente se essa vacina for mais barata e não precisar ser armazenada em temperaturas extremamente baixas. Mas e se outra vacina, uma que é mais cara para comprar e armazenar, fosse 95% eficaz?
“Devemos enviar a vacina menos eficaz para a África? Ou devemos procurar uma forma de fortalecer o armazenamento refrigerado?” pergunta Adebisi, diretor de pesquisa da African Young Leaders for Global Health, uma organização sem fins lucrativos com sede em Abuja.
Esses são os tipos de perguntas que os pesquisadores e líderes governamentais em todo o mundo enfrentam, enquanto fazem um balanço da seleção emergente de vacinas contra o coronavírus, e tentam decidir qual será a mais útil para acabar com uma pandemia que já ceifou quase 2,5 milhões de vidas. É uma decisão moldada por ofertas limitadas, e dificultada por dados limitados, diz Cristina Possas, uma pesquisadora de saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, Brasil. “Não é possível comparar essas vacinas neste momento”, diz ela.
Em Bangladesh, o economista de saúde Shafiun Shimul, da Universidade de Dhaka, se preocupa com os riscos de os governos atrasarem as vacinações por meses, para construir a infraestrutura da rede de frio. “Se você deseja controlar a infecção, precisa confiar em algo que seja contextualmente viável para você, não se trata apenas de eficácia”, diz ele. “Se eles esperarem pela perfeição, acho que será uma longa espera.”
A 'melhor' vacina
Dada a demanda por rapidez em meio a suprimentos limitados, qualquer esforço para classificar as vacinas, deve levar em consideração não apenas sua eficácia relatada, mas também suprimentos, custos, a logística de implantação, a durabilidade da proteção que oferecem, e sua capacidade de rechaçar as variantes virais emergentes. Mesmo assim, muitas pessoas podem achar difícil, ignorar os resultados de ensaios clínicos que sugerem uma lacuna de eficácia. Até o momento, mais de 200 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus foram distribuídas, e os dados têm surgido de testes clínicos em vários países. Os principais resultados desses estudos, sugerem uma gama de proteção: de 95% de eficácia para uma vacina feita pela Pfizer de New York City e BioNTech de Mainz, Alemanha, a cerca de 70%, sugerida pelos resultados iniciais de uma vacina feita pela AstraZeneca de Cambridge e a University of Oxford, ambas no Reino Unido.
Pode ser tentador, mas simplesmente não é possível comparar diretamente a eficácia das vacinas com base apenas nesses resultados, adverte David Kennedy, que estuda a ecologia e a evolução das doenças infecciosas na Universidade Estadual da Pensilvânia em University Park. Cada medida de eficácia vem com um grau de incerteza, e os ensaios podem ter diferentes definições de critérios importantes, como o que constitui um ataque "grave" de COVID-19 em comparação com um ataque "moderado".
Somados a isso, estão os dados demográficos de cada ensaio: no caso da vacina Oxford – AstraZeneca, por exemplo, os desenvolvedores coletaram poucos dados sobre a eficácia da vacina em pessoas com mais de 65 anos. Isso levou a Alemanha a autorizar a vacina apenas para menores de 65 anos, embora a Agência Europeia de Medicamentos o recomende para todos os adultos.
E as vacinas foram estudadas em momentos diferentes em vários países. Cada teste pode oferecer apenas um instantâneo de proteção contra as variantes virais que eram dominantes naquela época ou lugar, diz Kennedy. “Esse número está relacionado a um determinado momento”, diz ele. “Não é a mesma coisa como isso se traduz em proteção em um ou dois anos”. Este ponto é particularmente relevante à medida que o mundo luta contra as variantes emergentes do coronavírus, algumas das quais parecem escapar de aspectos das respostas imunes estimuladas por vacinas. Os pesquisadores identificaram pela primeira vez uma dessas variantes, chamada 501Y.V2 ou B.1.351, em dezembro na África do Sul, onde agora é responsável pela maioria das novas infecções por coronavírus.
Essa variante já foi identificada em países ao redor do mundo, e até que ponto ela pode reduzir a eficácia da vacina ainda não está claro. Estudos laboratoriais e dados de ensaios clínicos sugerem, que a maioria das vacinas ainda fornecerá proteção significativa. Mas a vacina AstraZeneca oscilou muito: em uma análise de cerca de 2.000 pessoas na África do Sul, ela não protegeu contra COVID-19 leve ou moderado devido à variante.
Diante desses resultados, o governo da África do Sul anunciou em 7 de fevereiro, que suspenderia o lançamento da vacina AstraZeneca, apesar da injeção ser significativamente mais barata do que a vacina da Pfizer e mais fácil de armazenar. A AstraZeneca e a Universidade de Oxford, concederam permissão a fabricantes de genéricos, como o Serum Institute of India em Pune, para administrar as doses o mais rápido possível, e a vacina foi considerada a melhor esperança para a África, diz Joia Mukherjee, diretora médica da Partners in Health, uma instituição de caridade com sede em Boston, Massachusetts, que opera em 11 países. “Mas se não for eficaz contra a variante sul-africana, teremos que mudar de tática”, diz ela. “Marchar para frente e usá-la quando sabemos que a variante está se espalhando pela África, particularmente na África Austral, é uma má prática em escala global.”
No entanto, algumas regiões da África ainda podem se beneficiar, diz o especialista em doenças infecciosas Loice Achieng da Universidade de Nairobi. A variante 501Y.V2 ainda não se tornou dominante no Quênia, diz ela, e ainda é possível que a vacina AstraZeneca possa proteger contra COVID-19 grave causado por ela. “Acho que provavelmente é algo que não deveria ser descartado”, diz ela.
Melhores opções
Há esperanças de que vacinas mais adequadas, se tornem disponíveis para preencher algumas das lacunas. A Johnson & Johnson em New Brunswick, New Jersey, por exemplo, está desenvolvendo uma vacina de injeção única, que simplificaria drasticamente o lançamento de vacinas. Mas ela concluiu os testes clínicos apenas no final de janeiro, e ainda não está claro com que rapidez a empresa será capaz de começar a produzir milhões de doses, disse Jerome Kim, diretor-geral do Instituto Internacional de Vacinas em Seul.
O mundo ainda está esperando por dados cruciais sobre as vacinas que estão sendo lançadas agora, diz Kim. Os medicamentos nem sempre têm um desempenho tão bom no mundo real, quanto dentro dos limites estritos de um ensaio clínico. Os primeiros dados da campanha massiva de vacinação de Israel, sugerem que os resultados da vacina Pfizer estão se mantendo, mas levará meses para coletar dados semelhantes sobre outras vacinas.
Os pesquisadores também estão começando a testar uma série de doses, horários e combinações diferentes de vacinas. Eles ainda não sabem quanto tempo vai durar a imunidade mediada pela vacina, ou quão bem as várias vacinas reduzem a propagação do coronavírus, todos os fatores que podem moldar o que é considerado o "melhor resultado". “Não é apenas uma questão de retirá-los o mais rápido possível”, diz Mark Jit, epidemiologista de vacinas da London School of Hygiene & Tropical Medicine. “É garantir que, à medida que retiramos os vírus, estamos realizando os estudos de vigilância, para ver como as vacinas estão se saindo em diferentes situações”.
Eventualmente, pode ser possível ser mais estratégico sobre quais vacinas usar em quais ambientes, diz Kim. Mas, por enquanto, os dados simplesmente não estão lá. “Você está vendo essas coisas mudarem em tempo real”, diz ele. “No próximo mês, poderíamos pensar algo bem diferente.”

Vacinas SARS-CoV-2 e a crescente ameaça de variantes virais
Em um artigo publicado no JAMA em 01/03/2021, pesquisadores americanos comentam sobre a possibilidade de vacinação com dose única de vacina mRNA, em previamente infectados pelo SARS-CoV-2.
A atual escassez na produção e distribuição da vacina COVID-19, levou alguns especialistas a sugerirem regimes não testados. Acredita-se que, as pessoas que tiveram a COVID-19, tenham imunidade protetora e respostas de memória, por pelo menos 6 meses; no entanto, nem as respostas de memória, nem os regimes de dosagem de vacina ideais, foram estudados em pessoas previamente infectadas com SARS-CoV-2. Avaliou-se então, se os profissionais de saúde com infecção anterior pela COVID-19, poderiam montar respostas de memória a uma única dose de uma vacina COVID-19 baseada em mRNA.
Métodos
Profissionais de saúde que já haviam se inscrito em um estudo sorológico em todo o hospital, conduzido de julho a agosto de 2020, no Centro Médico da Universidade de Maryland, foram contatados aleatoriamente com base na estratificação em 3 grupos: SARS-CoV-2 IgG-anticorpo negativo (Ab -negativo); COVID-19 assintomático positivo para IgG (assintomático); e IgG-positivo com história de COVID-19 sintomático (sintomático). Os participantes foram vacinados com a vacina Pfizer-BioNTech ou Moderna, dependendo da preferência pessoal e disponibilidade. O sangue foi coletado nos dias 0 (linha de base), 7 e 14 após a vacinação em dezembro de 2020 e janeiro de 2021 (as colheitas poderiam ser feitas dentro de 1 dia a partir do dia designado). O plasma foi testado usando ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) para o anticorpo IgG de ligação no trímero da proteína Spike, que foi modificado a partir de um ensaio, para dar uma leitura da metade dos títulos máximos de ligação. Os títulos de ligação semi-máximos recíprocos, representam a diluição do plasma que atinge 50% da ligação máxima de um controle conhecido que atinge a saturação. Amostras do dia 0 e 14 de vacinados, também foram testadas para ID99 (a dose inibitória de 99%, a maior diluição na qual 99% das células foram protegidas) por neutralização de vírus vivo (apresentado como recíproco). As amostras de cada dia foram comparadas entre cada grupo Ab-positivo anterior (assintomático ou sintomático) com o grupo Ab-negativo.
Resultados
De 3.816 profissionais de saúde inscritos no estudo de inquérito sorológico, 151 foram contatados aleatoriamente e 59 voluntários inscritos: 17 no Ab-negativo, 16 no assintomático e 26 no grupo sintomático. A mediana de idade foi de 38 anos para o Ab-negativo, 40 anos para o assintomático e 38 anos para o grupo sintomático. O percentual de mulheres foi de 71% para o Ab negativo, 75% para o assintomático e 88% para o grupo sintomático. Aos 0, 7 e 14 dias, os títulos de ligação meio-máximos recíprocos medianos foram maiores em cada um dos grupos assintomáticos e sintomáticos, em comparação com o grupo Ab-negativo. Aos 0 e 14 dias, os títulos de neutralização do vírus ID99 recíproco mediano de cada um dos grupos assintomáticos e sintomáticos, foram maiores do que o grupo Ab-negativo.
Discussão
Profissionais de saúde com infecção anterior por COVID-19, com base em testes sorológicos confirmados em laboratório, tiveram respostas de títulos de anticorpos mais altas a uma única dose de vacina de mRNA, do que aqueles que não estavam infectados anteriormente. Os títulos de anticorpos começaram a atingir o pico em 7 dias, e alcançaram títulos mais elevados e neutralização em 14 dias, em comparação com voluntários negativos. As limitações do estudo são o tamanho da amostra pequena, a falta de demonstração da eficácia da vacina, e o viés potencial introduzido por aqueles que se inscreveram por não serem representativos da população original maior. Dada a atual escassez de vacinas em todo o mundo, os resultados informam sugestões para uma estratégia de vacinação em dose única para aqueles com COVID-19 anterior, ou colocá-los em posição inferior na lista de vacinação prioritária.
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