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  • Foto do escritorDylvardo Costa Lima

CANTIM DA PNEUMO & COVID (PARTE 47)

Atualizado: 3 de jul. de 2023


Vacina promissora contra a tuberculose ganha US$ 550 milhões em investimentos


Artigo publicado na Nature em 28/06/2023, onde um pesquisador britânico afirma que a vacina está passando para os tão esperados testes de fase III, e se for bem-sucedida, será a primeira nova vacina contra a doença em mais de 100 anos.


Uma vacina candidata promissora para a tuberculose, está ganhando uma nova vida, depois que dois grandes financiadores decidiram investir US$ 550 milhões em sua fase final de testes clínicos. Se for bem-sucedida, será a primeira nova vacina contra a tuberculose no mercado em mais de um século.


“A tuberculose tem sido cronicamente subestimada, subfinanciada e subestimada por muito tempo”, disse Thomas Scriba, vice-diretor da South African Tuberculosis Vaccine Initiative, que estará envolvido nos testes.


A Fundação Bill & Melinda Gates e a Wellcome, anunciaram o financiamento em 28 de junho. A vacina candidata foi desenvolvida pela empresa farmacêutica GSK, que a licenciou para o Gates Medical Research Institute.


A tuberculose, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, é uma das maiores endemias do mundo, ceifando 1,6 milhão de vidas a cada ano. A carga é particularmente alta em países de baixa e média renda. Essa disparidade foi dramaticamente demonstrada durante a pandemia da COVID-19, quando as interrupções nos serviços de saúde levaram ao aumento das infecções.


Um grande desafio no combate à tuberculose, é que a bactéria pode se esconder como uma infecção latente no corpo por anos, antes de se tornar uma infecção ativa que apresenta sintomas. As estimativas sugerem que uma em cada quatro pessoas em todo o mundo, carrega essa infecção latente. E embora a vacina BCG (abreviação de Bacillus Calmette-Guérin), que foi desenvolvida em 1921, e continua sendo a única vacina disponível contra a tuberculose, proteja efetivamente as crianças, ela oferece ajuda limitada em adultos.


A vacina candidata, denominada M72/AS01E, visa combater as infecções latentes. E mostrou-se promissora em dados publicados de ensaios de fase II em 2019, demonstrando uma eficácia de 54% em adultos que hospedavam a bactéria. Mas a GSK a abandonou, por falta de potencial comercial.


A mudança para os testes de fase III está muito atrasada, diz Scriba. “É totalmente apropriado que haja um investimento substancial neste campo, para que possamos realmente responder adequadamente à magnitude do problema da tuberculose”, acrescenta. O julgamento vai recrutar 26.000 participantes em vários países da Ásia e da África.


A M72/AS01E consiste em uma proteína fundida chamada M72, composta por dois antígenos de M. tuberculosis, e um adjuvante, AS01E. Os pesquisadores escolheram os antígenos com base em sua alta imunogenicidade, uma forte capacidade de provocar o sistema imunológico, que estimula a resposta crucial das células T, necessária para combater as bactérias e criar células de memória para futuros ataques.


Embora a tuberculose ativa seja tratável com um curso de seis a nove meses de anticorpos, o longo processo levou a altas taxas de incompletude e resistência a antibióticos. A falta de acesso ao tratamento para aqueles que vivem na pobreza, também continua sendo uma barreira.


O investimento na vacina candidata é um reconhecimento da lacuna que precisa ser abordada na prevenção da tuberculose, diz Alexander Pym, diretor de Doenças Infecciosas da Wellcome. Uma nova vacina seria uma virada de jogo, acrescenta.


E um punhado de outras vacinas candidatas contra a tuberculose em testes de fase III, oferecem esperança de que um novo método de prevenção chegue às pessoas em breve. Mas a M72/AS01E até agora supera o restante em quantidade e qualidade de dados, diz Ajit Lalvani, diretor da Unidade de Pesquisa em Tuberculose do Imperial College London.


“Tenho certeza de que, até o final desta década, teremos uma nova vacina contra a tuberculose nas prateleiras e, com sorte, mais de uma”, diz Scriba.


Uma droga para tratar o vício em cannabis (maconha) está finalmente ao alcance?


Artigo publicado na Nature Medicine em 08/06/2023, em que pesquisadores americanos afirmam que uma droga em desenvolvimento não apenas enfraqueceu os efeitos da cannabis, mas também diminuiu o desejo da pessoa de usá-la, tudo sem causar sintomas de abstinência.


Poderia o AEF0117, uma droga que tem um novo mecanismo de ação no cérebro, ser a droga para combater o vício em cannabis? Os resultados de um ensaio clínico de fase 2ª, que examinou a eficácia do AEF0117 em pacientes com transtorno por uso de cannabis, criaram um grande rebuliço. O AEF0117 não apenas enfraqueceu os efeitos da cannabis, mas também diminuiu o desejo da pessoa de usá-la, tudo sem causar sintomas de abstinência. Essas descobertas geraram um burburinho significativo na comunidade científica e médica.


"No passado, 8% dos usuários de cannabis desenvolviam um vício, hoje, esse número é de 15%. O vício em cannabis se tornou o principal motivo para procurar tratamento em clínicas especializadas em drogas", disse o Dr. Pier Vincenzo Piazza, psiquiatra, neurobiólogo e diretor geral da Aelis Farma, empresa biofarmacêutica que desenvolveu o AEF0117.


Esse aumento de casos pode ser explicado pelo aumento do teor de THC na cannabis ao longo dos anos. O teor de THC aumentou de 5% na década de 1970 para 30% hoje. Embora a maconha ainda seja menos viciante que o tabaco (33% dos usuários se tornam viciados), cocaína, heroína ou álcool (25% dos usuários se tornam viciados), o número de usuários de cannabis está aumentando.Atualmente, 14,2 milhões nos Estados Unidos e mais de meio milhão na França usam cannabis.


Inibição do Receptor CB1


AEF0117 é o primeiro inibidor específico de sinalização do receptor CB1. O THC atua no cérebro através dos receptores canabinóides CB1, localizados nos neurônios. A inibição total dos receptores CB1, tem sido uma via de pesquisa, mas os efeitos adversos causados pelos antagonistas dos receptores CB1, são incompatíveis com uma abordagem terapêutica.


"Pensamos que seria impossível modular parte de um receptor por uma molécula. Mas, em 2014, descobrimos esse mecanismo natural inesperado, precisamente no nível dos receptores canabinóides CB1", disse o Dr. Piazza. Edition. Na época, ele era o diretor do Centro de Neurologia Magendie (Inserm – o Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica) em Bordeaux, na França. Junto com seus colegas, ele demonstrou que em resposta a altas doses de THC, um hormônio, a pregnenolona, é sintetizado e se liga aos receptores CB1, o que reduz alguns dos efeitos do THC. A descoberta desse novo mecanismo foi publicada na Science em 2014.


"Demorou 2 anos para criar uma molécula sintética, que pudesse imitar os efeitos da pregnenolona nos receptores CB1", continuou Piazza. Ao contrário da pregnenolona, a nova molécula precisava ser totalmente absorvível, estável e não transformável em outros esteróides.


Ação tripla


O AEF0117 foi avaliado como parte de um estudo de fase 2a, duplo-cego, controlado por placebo. Os participantes eram voluntários viciados em maconha. No grupo tratado, os voluntários receberam 0,06 mg ou 1 mg do medicamento experimental. O uso de AEF0117 foi associado a uma redução significativa nos efeitos subjetivos positivos da cannabis (19% para a dose de 0,06 mg e 38% para a dose de 1 mg). Os investigadores mostraram uma associação com o uso reduzido de cannabis, conforme medido pela autoadministração. Nenhum evento adverso foi associado ao tratamento em comparação com o placebo. Além disso, não houve sintomas de abstinência, mesmo entre voluntários saudáveis, que fumavam vários gramas de cannabis por dia.


“Eu chamo isso de ação tripla: efeitos positivos reduzidos da cannabis, desejo reduzido de usá-la e ausência de sintomas de abstinência ligados à inibição parcial do receptor”, disse Piazza.


Comentando sobre o estudo, o Dr. Guillaume Davido, MD, psiquiatra especializado em estudos de dependência no Hospital Bichat em Paris, disse: "Os pacientes realmente sentem falta do efeito ansiolítico psicoativo da cannabis, quando param de usá-la. É isso que torna a interrupção tão difícil. Livrar-se desse efeito de 'lua de mel' com o produto é um avanço considerável." Dr. Davido tem certeza de que o AEF0117 será aprovado para uso sob prescrição. Deve ser usado em conjunto com um atendimento psicoterapêutico adequado, como é o caso do tratamento da dependência de álcool, que combina medicamentos com terapia cognitivo-comportamental (TCC). Atualmente, a TCC é o único tratamento recomendado para o transtorno do uso de cannabis.


Atualmente, nenhum tratamento é aprovado para o transtorno do uso de cannabis, disse Dr. Davido. “No momento, só podemos fornecer medicamentos para tratar os sintomas de abstinência da cannabis, como irritabilidade, distúrbios do sono e ansiedade”.


Novo recrutamento de teste


Um estudo de fase 2b foi lançado nos Estados Unidos. Está em processo de recrutamento de 330 participantes viciados em cannabis em 11 locais. O recrutamento está programado para ser concluído até outubro. As três doses a serem avaliadas neste novo ensaio, que está sendo conduzido em colaboração com o Columbia University Irving Medical Center, em Nova York, serão em torno de 1 mg. “Testamos duas doses muito diferentes (0,06 mg e 1 mg) de AEF0117, porque em animais, doses muito baixas bloqueiam alguns dos efeitos da cannabis”, disse Dr. Piazza. “Mas ficou claro que precisaríamos de uma dose muito maior para interromper completamente o desejo de usar maconha”.


Os resultados devem estar disponíveis em meados de 2024. "E se sua eficácia terapêutica for confirmada, toda uma nova farmacologia de receptores se abre para nós", disse Dr. Piazza.


Bordetella parapertussis ressurge como causa de doença respiratória em crianças


Comentário publicado na Medscape Pulmonary Medicine em 22/06/2023, onde uma pesquisadora americana afirma que um número incomumente alto de crianças com Bordetella parapertussis foi identificado nos Estados Unidos nesta primavera.


Um menino de 4 anos de idade, se apresentou em um centro de atendimento de urgência, com história de 2 semanas de coriza e tosse. O médico assistente suspeitou de uma tosse pós-viral, mas a mãe da criança não estava convencida. Os testes para SARS-CoV-2, influenza e vírus sincicial respiratório, realizados no início da semana no consultório do pediatra, foram negativos. Por insistência da mãe, um painel respiratório expandido foi solicitado, e revelou um resultado surpreendente: a bactéria Bordetella parapertussis.


Assim como B. pertussis, que causa a Coqueluche, a B. parapertussis pode causar uma tosse prolongada, caracterizada por paroxismos de tosse, convulsão e vômitos pós-tosse. O teste é a única maneira de distinguir com segurança entre as duas infecções. Em geral, a doença causada por B. parapertussis tende a ser mais branda do que a coqueluche típica, e os sintomas geralmente não duram tanto. Em um estudo, 40% das pessoas com B. parapertussis não apresentaram sintomas. B. parapertussis não produz toxina pertussis, e isso pode afetar a gravidade da doença. Raramente, as crianças podem ser coinfectadas com B. pertussis e B. parapertussis.


A carga de B. parapertussis nos Estados Unidos não é bem descrita, porque apenas os casos de coqueluche causados por B. pertussis, são reportáveis aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. No entanto, alguns estados incluem casos em relatórios públicos, e surtos foram relatados. Historicamente, a doença tem sido cíclica, com picos de casos a cada 4 anos e sem sazonalidade.


Este ano, algumas comunidades estão vendo um aumento nos casos de B. parapertussis. Até 11 de junho deste ano, 40 casos de B. parapertussis e nenhum caso de B. pertussis, foram identificados no Norton Healthcare em Louisville. Para comparação, um caso de B. parapertussis foi relatado em 2022, e nenhum caso foi relatado em 2021. Conversas sobre listas de doenças infecciosas sugerem que os médicos em outras comunidades, também estão vendo um aumento nos casos.


De acordo com Dr. Andi Shane, chefe da divisão de doenças infecciosas pediátricas da Emory University e Children's Healthcare de Atlanta, um número incomumente alto de crianças com B. parapertussis foi identificado na área de Atlanta nesta primavera. “Felizmente, a maioria das crianças teve doença leve e, dessas, apenas, algumas precisaram de internação hospitalar”, disse o Dr. Shane.


De volta ao pronto-socorro, o clínico de plantão telefonou para a mãe da paciente, para discutir o diagnóstico de B. parapertussis. No momento em que o resultado do teste ficou disponível, o paciente estava assintomático. O clínico informou que a antibioticoterapia não foi indicada.


As recomendações de tratamento divergem para B. pertussis e B. parapertussis, e este é um ponto de ênfase para os médicos. O tratamento com antibiótico para a B. pertussis durante a fase catarral, pode melhorar a doença. O tratamento iniciado após a fase catarral tem pouco impacto nos sintomas, mas pode reduzir a disseminação para outras pessoas. Na maioria dos casos, o tratamento não é recomendado para B. parapertussis. Não está claro o quão bem os antibióticos funcionam contra este organismo. Os macrólidos, como a eritromicina e a azitromicina, utilizados no tratamento da tosse convulsiva, podem ter alguma atividade, juntamente com sulfametoxazol-trimetoprima e ciprofloxacina.


De acordo com a Academia Americana de Pediatria, o tratamento geralmente é reservado para indivíduos com risco de doença mais grave, incluindo lactentes, especialmente aqueles com menos de 6 meses de idade, idosos e pessoas imunocomprometidas. A antibioticoterapia profilática não é recomendada para a maioria das pessoas expostas a B. parapertussis, embora alguns especialistas em saúde pública também recomendem o tratamento de pessoas infectadas por B. parapertussis, em contato com crianças pequenas e outras com risco de doença grave.


Em relatórios epidemiológicos recentes, os pacientes com infecção por B. parapertussis receberam vacinação contra coqueluche apropriada para a idade, sugerindo que as vacinas contra coqueluche disponíveis, oferecem pouca ou nenhuma proteção contra essa doença.

As melhores estratégias de prevenção são semelhantes às eficazes contra outras doenças transmitidas por gotículas respiratórias. Pessoas doentes devem ficar em casa e cobrir a tosse quando estiverem perto de outras pessoas. Todos devem praticar uma boa higiene das mãos.


Estudo 'ousado' que contaminou as pessoas com COVID-19, revela o fenômeno 'superdisseminador'


Comentário publicado na Nature em 15/06/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que um pequeno subconjunto de pessoas infectadas em um estudo controlado, expeliu grandes quantidades de vírus no ar, apesar de eles apresentarem apenas sintomas leves.


Um estudo de pessoas que foram infectadas intencionalmente com SARS-CoV-2, forneceu uma riqueza de informações sobre a transmissão viral, mostrando, por exemplo, que um grupo seleto de pessoas são 'super-transmissores' ou ‘super-disseminadores’, que expelem muito mais vírus no ar do que outros.


A publicação descreve dados de um controverso ‘estudo de desafio’, no qual cientistas infectaram deliberadamente voluntários com o vírus que causa a COVID-19. Embora a abordagem tenha atraído oposição, o trabalho agora produziu dados sobre questões centrais para a saúde pública, como a gravidade dos sintomas se correlaciona com o quão contagiosas as pessoas são; e se os testes caseiros de COVID-19, podem desempenhar um papel na redução da propagação viral.


Os resultados destacam, como a gravidade e o contágio da doença variam de forma ampla e imprevisível entre as pessoas. “E é essa variabilidade entre os humanos que tornou esse vírus tão difícil de controlar”, diz a médica infectologista Monica Gandhi, da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que não participou do trabalho. O estudo, publicado em 9 de junho no Lancet Microbe, também sugere que a fisiologia humana, não o vírus, é a culpada por parte da inconsistência da COVID-19.


Projeto com benefícios


Os estudos de desafio são “muito ousados”, diz Gandhi. Algumas pessoas argumentam que não é ético, transmitir às pessoas uma infecção que pode causar doenças graves, mas o projeto de pesquisa traz benefícios. Os estudos de desafio podem acelerar substancialmente os testes de vacinas, e são a única maneira de entender certos aspectos da COVID-19, como o estágio antes das pessoas testarem positivo ou desenvolverem sintomas.


Os pesquisadores inocularam 34 participantes jovens saudáveis, esguichando uma quantidade conhecida de partículas virais em seus narizes. Dezoito desenvolveram infecções e passaram pelo menos 14 dias confinados em quartos de hospital. Todos os dias, os pesquisadores mediram os níveis virais no nariz e na garganta dos participantes, no ar e nas mãos dos participantes, e em várias superfícies das salas.


Os sintomas e a gravidade da COVID-19 adquirida naturalmente podem variar dependendo da via de transmissão, da cepa viral e de quanto vírus uma pessoa foi exposta. Mas no estudo de desafio, “sabemos que tudo foi controlado”, diz a pesquisadora de doenças infecciosas Anika Singanayagam, do Imperial College London, coautora do artigo.


Dos 18 participantes que desenvolveram infecções, 2 eliminaram 86% do vírus transmitido pelo ar detectado ao longo de todo o estudo, embora ambos apresentassem apenas sintomas leves. Pesquisas anteriores forneceram evidências da existência de superespalhadores, que infectam um grande número de pessoas. Mas se essas pessoas também são ‘superespalhadores’ que emitem grandes quantidades de vírus, ou simplesmente têm muitos contatos sociais, está em debate, diz o ecologista de doenças Pablo Beldomenico do Instituto de Ciências Veterinárias da Costa em Esperanza, Argentina. Este estudo “suporta a existência de superespalhadores”, diz ele.


Testes rápidos mostram seu valor


Os participantes usaram testes de fluxo lateral, também conhecidos como testes rápidos de antígeno, em cada dia em que estavam isolados. Nenhum dos participantes emitiu um nível detectável de vírus no ar antes de testar positivo, e apenas uma pequena proporção deles deixou o vírus detectável em suas mãos, superfícies ou máscaras, que usaram temporariamente.


No momento em que testaram positivo, a maioria dos participantes já apresentava sintomas leves, como cansaço ou dores musculares. Isso significa que, se as pessoas fizerem o teste assim que detectarem os sintomas, os testes rápidos “podem ser uma ferramenta poderosa” para controlar a propagação viral, diz o pesquisador de doenças infecciosas Christopher Brooke, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.


Alguns pesquisadores questionam a relevância dos resultados do estudo, para o mundo de hoje. A rota da infecção, gotas administradas pelo nariz, difere da maioria das infecções naturais, diz o pesquisador de doenças infecciosas transmitidas pelo ar, Dr. Donald Milton, da Universidade de Maryland em College Park. Como resultado, o derramamento viral pode diferir entre os participantes do estudo, e as pessoas infectadas no mundo real. A agora dominante variante Omicron, também se espalha de forma diferente da cepa 2020, que os pesquisadores usaram, acrescenta seu colega Kristen Coleman.


Apesar dessas limitações, o trabalho “ainda nos fornece informações realmente úteis”, diz Singanayagam, acrescentando que os resultados estão de acordo com o que ela e seus colegas observaram, com infecções adquiridas naturalmente. A equipe planeja realizar estudos de desafio semelhantes com variantes mais recentes.



Vacina viva atenuada contra Chikungunya: uma possível nova era


Comentário publicado na The Lancet em 12/06/2023, onde uma pesquisadora americana divulga o estudo de uma potencial vacina contra o vírus chikungunya. É uma vacina de dose única, que provoca imunidade protetora dentro de semanas, um benefício essencial, dada a rapidez dos surtos do vírus Chikungunya.


O vírus chikungunya é um patógeno transmitido por mosquitos, que causa surtos explosivos periódicos de chikungunya, uma doença caracterizada por poliartralgia e mialgia graves, que podem progredir para doença reumática debilitante crônica.


O potencial pandêmico do vírus chikungunya foi mais bem exemplificado em 2013, quando um grande surto na América do Sul levou a mais de 1 milhão de infecções em questão de meses. A incidência combinada de sintomas articulares crônicos pós-chikungunya nas Américas foi de 52%, em estudos realizados entre 2014 e 2018,

levando à perda de mais de 150 000 anos de vida, ajustados por incapacidade na América Latina, somente em 2014.


Em 2018, o vírus chikungunya foi listado como um patógeno prioritário para o desenvolvimento de vacinas pela OMS, e as vacinas candidatas estão em vários estágios de ensaios clínicos há mais de 60 anos. No entanto, nenhuma vacina contra o vírus chikungunya atingiu o limite para aprovação regulatória com base na eficácia ou em dados de marcadores substitutos.


No The Lancet, Martina Schneider e seus colegas relatam os resultados de um ensaio fundamental de fase 3 do VLA1553, uma vacina viva atenuada do vírus chikungunya. A justificativa para a realização deste estudo, foram fortes dados pré-clínicos e em estágio inicial para apoiar o VLA1553. Embora outras vacinas vivas atenuadas do vírus chikungunya tenham sido testadas ao longo dos anos, as primeiras candidatas foram derivadas de cepas isoladas na década de 1960, e atenuadas por passagem celular repetida, com estudos clínicos mostrando efeitos adversos inaceitáveis associados à replicação da vacina.


Por outro lado, o VLA1553 é baseado em uma cepa do vírus chikungunya do genótipo sul-africano do centro-leste isolado de um surto de 2006 em La Reunion, na costa de Madagascar, e a atenuação foi projetada por meio de deleções no gene nsP3. Em experimentos em primatas não humanos, uma única vacinação com VLA1553 protegeu todos os animais do vírus chikungunya do tipo selvagem, e ensaios clínicos em estágio inicial determinaram, que a vacina era segura e imunogênica por pelo menos 1 ano.


Um estudo de acompanhamento mostrou, que o soro humano agrupado de voluntários imunizados, pode proteger os animais do desafio do vírus chikungunya, ajudando a estabelecer um título soroprotetor, que pode ser considerado um correlato imunológico razoável de proteção.


Como os ensaios de eficácia tradicionais são quase impossíveis de conduzir no cenário de surtos do vírus chikungunya no mundo real (que são imprevisíveis e de rápida evolução), a existência de um marcador substituto estabelecido de proteção é crucial, para permitir estudos de licenciamento de vacinas, como este de Schneider e colegas. Essa abordagem também foi aceita pelos reguladores da Food and Drug Administration dos EUA e da European Medicines Agency.


No estudo de Schneider e colegas o VLA1553 gerou níveis de anticorpos protetores em quase todos os participantes vacinados, independentemente da idade, com títulos soroprotetores detectados em 263 (98,9%) dos 266 participantes do grupo VLA1553 em 28 dias e em 233 (96·3%) de 242 participantes no grupo VLA1553 aos 6 meses. A vacina também foi determinada como segura e bem tolerada, de acordo com a revisão do Data Safety and Monitoring Board, embora a vacina tenha causado febre em 427 (13,9%) de 3.082 participantes (em comparação com 13 (1,3%) dos 1.033 participantes no grupo placebo) e artralgia em 554 (18,0%) de 3.082 participantes (em comparação com 63 (6,1%) de 1.033 participantes no grupo placebo).


No entanto, a taxa de eventos adversos mais graves de interesse especial, descritos como febre acompanhada de poliartralgia aguda ou artrite (entre outros sintomas) que duram pelo menos 3 dias, foi relatada em apenas dez (0,3%) de 3.082 vacinados (em comparação com um (0,1%) de 1.033 receptores de placebo). Uma limitação primária do estudo foi que ele não pôde avaliar a segurança e a imunogenicidade no cenário de imunidade pré-existente ao vírus chikungunya, que pode neutralizar a vacina viva e diminuir os níveis de anticorpos ou aumentar a reatogenicidade, por meio de mecanismos dependentes de anticorpos. Outras limitações foram que o estudo não incluiu crianças ou relatou respostas imunes nos últimos 6 meses.


Existem várias vantagens para o VLA1553 como uma potencial vacina contra o vírus chikungunya. É uma vacina de dose única, que provoca imunidade protetora dentro de semanas, um benefício essencial, dada a rapidez dos surtos do vírus chikungunya. Evidência preliminar de seu estudo de fase 1 sugere que as respostas imunes VLA1553 serão duráveis, como outras vacinas de vírus vivos, ajudando a conectar indivíduos em áreas endêmicas de um surto para outro. O perfil de segurança é semelhante a outras vacinas licenciadas.


Também existem desvantagens nas vacinas vivas atenuadas, como a VLA1553. Por exemplo, vacinas vivas atenuadas são tipicamente contraindicadas em hospedeiros imunocomprometidos ou durante a gravidez. A fabricação requer o cultivo de grandes quantidades de vírus vivos em instalações altamente contidas e seguras, e as vacinas vivas são sensíveis ao calor, e são mais difíceis de armazenar e enviar. Por esses motivos, outras vacinas candidatas, como vacinas com partículas semelhantes a vírus com adjuvantes e vacinas inativadas, devem continuar em desenvolvimento.


No entanto, os resultados positivos deste estudo são boas notícias para a preparação para a pandemia do vírus chikungunya. O vírus chikungunya e outras infecções arbovirais continuam a ser ameaças globais, estimuladas pela expansão dos habitats dos mosquitos, devido às mudanças climáticas e à globalização do comércio e das viagens. Novos estudos do VLA1553 em regiões endêmicas e populações expandidas, como um estudo em andamento em adolescentes no Brasil, serão cruciais para afirmar o valor do VLA1553 para a prevenção do vírus chikungunya, assim como estudos de eficácia no mundo real no contexto da chikungunya em reais surtos do vírus.



Febre Maculosa das Montanhas Rochosas


Artigo publicado na MSD Manual em SET/2022, com as características clínicas da febre maculosa.


Epidemiologia da febre maculosa


A febre maculosa das Montanhas Rochosas é uma doença rickettsial. A febre maculosa é limitada ao Hemisfério Ocidental. Inicialmente reconhecida nos estados das Montanhas Rochosas, ocorre em praticamente todos os EUA e em toda a América Central e do Sul. Em humanos, a infecção ocorre principalmente de março a setembro, quando os carrapatos adultos estão ativos e é mais provável que as pessoas estejam em áreas infestadas por carrapatos. Nos estados do sul, casos esporádicos ocorrem durante todo o ano. A incidência é maior em crianças < 15 anos e em pessoas que frequentam áreas infestadas de carrapatos para trabalhar ou se divertir.


Carrapatos de casca dura (família Ixodidae) abrigam R. rickettsii, e as fêmeas infectadas transmitem o agente para sua progênie. Esses carrapatos são os reservatórios naturais. Dermacentor andersoni (carrapato da madeira) é o principal vetor no oeste dos Estados Unidos. D. variabilis (carrapato de cachorro) é o vetor no leste e sul dos EUA.


A febre maculosa provavelmente não é transmitida diretamente de pessoa para pessoa.


Fisiopatologia da febre maculosa


Pequenos vasos sanguíneos são os locais das lesões patológicas características da febre maculosa das Montanhas Rochosas. As riquétsias se propagam dentro das células endoteliais danificadas, e os vasos podem ser bloqueados por trombos, produzindo vasculite na pele, tecidos subcutâneos, sistema nervoso central, pulmões, coração, rins, fígado e baço. Raramente ocorre coagulação intravascular disseminada.


Sintomas e sinais da febre maculosa


O período de incubação da febre maculosa das Montanhas Rochosas é em média de 7 dias, mas varia de 3 a 12 dias; quanto mais curto o período de incubação, mais grave a infecção.


O início é abrupto, com cefaleia intensa, calafrios, prostração e dores musculares. A febre atinge 39,5 a 40°C em alguns dias e permanece alta (por 15 a 20 dias em casos graves), embora remissões matinais possam ocorrer.


Entre o 1º e o 6º dia de febre, a maioria dos pacientes com febre maculosa desenvolve uma erupção nos punhos, tornozelos, palmas das mãos, plantas dos pés e antebraços que se estende rapidamente para o pescoço, face, axilas, nádegas e tronco. Inicialmente macular e róseo, torna-se maculopapular e mais escuro. Em cerca de 4 dias, as lesões tornam-se petequiais e podem coalescer para formar grandes áreas hemorrágicas que posteriormente ulceram.


Os sintomas neurológicos incluem cefaleia, inquietação, insônia, delírio e coma, todos indicativos de encefalite. A hipotensão se desenvolve em casos graves. A hepatomegalia pode estar presente, mas a icterícia é infrequente. Náuseas e vômitos são comuns. Pode ocorrer pneumonia localizada. Os pacientes não tratados podem desenvolver pneumonia, necrose tecidual e insuficiência circulatória, às vezes com danos cerebrais e cardíacos. A parada cardíaca com morte súbita ocorre ocasionalmente em casos fulminantes.


Diagnóstico da febre maculosa


Características clínicas

Biópsia de erupção cutânea com coloração de anticorpo fluorescente para detectar organismos

Testes sorológicos agudos e convalescentes (testes sorológicos não são úteis de forma aguda)

Reação em cadeia da polimerase (PCR)


Os médicos devem suspeitar de febre maculosa das Montanhas Rochosas, em qualquer paciente gravemente enfermo, que viva em uma área arborizada ou próxima a qualquer lugar do Hemisfério Ocidental e apresente febre inexplicável, dor de cabeça e prostração, com ou sem histórico de contato com carrapatos. Uma história de picada de carrapato é induzida em cerca de 70% dos pacientes.

O teste geralmente é necessário para confirmar a febre maculosa, mas devido às limitações dos testes atualmente disponíveis, os médicos geralmente devem tomar decisões de tratamento antes de receber os resultados dos testes confirmatórios.


Se os pacientes tiverem uma erupção cutânea, uma biópsia de pele deve ser feita no local da erupção. A PCR ou coloração imuno-histoquímica, que podem fornecer resultados razoavelmente rápidos, são usados. A sensibilidade desses testes é de cerca de 70%, quando as amostras de tecido são coletadas durante a doença aguda, e antes do início do tratamento com antibióticos. No entanto, um resultado negativo do teste não justifica a suspensão do tratamento, quando as manifestações clínicas sugerem febre maculosa.


A cultura de R. rickettsii está disponível apenas em laboratórios especializados.


Resultados de testes negativos para febre maculosa não justificam a suspensão do tratamento quando as manifestações clínicas sugerem essa doença. Os testes sorológicos não são úteis para o diagnóstico agudo, porque geralmente se tornam positivos apenas durante a convalescença. O ensaio de imunofluorescência indireta usando 2 amostras pareadas geralmente é feito.


Tratamento da febre maculosa


Doxiciclina


O início precoce dos antibióticos, reduz significativamente a mortalidade, de cerca de 20 a 5%, e evita a maioria das complicações da febre maculosa das Montanhas Rochosas. Se os pacientes que estiveram em uma área endêmica tiverem uma picada de carrapato, mas não apresentarem sintomas ou sinais clínicos, os antibióticos não devem ser administrados imediatamente.


Se febre, dor de cabeça e mal-estar ocorrerem com ou sem erupção cutânea, os antibióticos devem ser iniciados imediatamente. O tratamento primário é doxiciclina 200 mg por via oral uma vez seguida de 100 mg duas vezes ao dia em adultos, e 2,2 mg/kg de peso corporal, administrados duas vezes ao dia em crianças com menos de 45 kg por pelo menos 3 dias após a febre diminuir, e há é evidência de melhora clínica. Curso mínimo de tratamento é de 5 a 7 dias. A doxiciclina é administrada a adultos e crianças. O uso de outros antibióticos além da doxiciclina, aumenta o risco de doença grave e morte.


Cloranfenicol 500 mg por via oral ou IV 4 vezes ao dia por 7 dias, é o tratamento de 2ª linha. O cloranfenicol oral não está disponível nos EUA e seu uso pode causar a síndrome do bebê cinzento e efeitos hematológicos adversos, o que requer monitoramento dos índices sanguíneos.


Em relação às pacientes grávidas, o CDC informa que a maioria das informações atuais baseadas em evidências sugere, que é improvável que a doxiciclina tenha efeitos teratogênicos substanciais durante a gravidez, mas não é possível concluir que não haja risco. Assim, as mulheres grávidas devem ser aconselhadas sobre os potenciais riscos versus benefícios ao tomar uma decisão sobre o tratamento antibiótico da febre maculosa.


Pacientes gravemente enfermos com febre maculosa podem ter um aumento acentuado na permeabilidade capilar em estágios posteriores; assim, os fluidos IV devem ser administrados com cautela, para manter a pressão arterial, evitando a piora do edema pulmonar e cerebral.


Prevenção da febre maculosa


Nenhuma vacina eficaz está disponível para prevenir a febre maculosa das Montanhas Rochosas. Medidas podem ser tomadas para evitar picadas de carrapatos.


Prevenir o acesso de carrapatos à pele inclui


Permanecer em caminhos e trilhas

Enfiar as calças em botas ou meias

Usar camisas de manga comprida

Aplicação de repelentes com dietiltoluamida (DEET) nas superfícies da pele


O repelente deve ser usado com cautela em crianças muito pequenas, porque reações tóxicas foram relatadas. A permetrina na roupa mata eficazmente os carrapatos. A busca frequente de carrapatos, principalmente em áreas pilosas e em crianças, é essencial em áreas endêmicas.


Carrapatos ingurgitados devem ser removidos com cuidado e não esmagados entre os dedos, pois esmagar o carrapato pode resultar na transmissão de doenças. O corpo do carrapato não deve ser agarrado ou espremido. A tração gradual na cabeça com uma pequena pinça desaloja o carrapato. O ponto de fixação deve ser limpo com álcool. Vaselina, fósforos acesos e outros irritantes, não são formas eficazes de remover carrapatos, e não devem ser usados.


Não há meios práticos disponíveis para livrar áreas inteiras de carrapatos, mas as populações de carrapatos podem ser reduzidas em áreas endêmicas controlando as populações de pequenos animais.


Resumo dos pontos principais


Apesar do nome, a febre maculosa das Montanhas Rochosas ocorre em praticamente todos os Estados Unidos e em toda a América Central e do Sul.


A vasculite de pequenos vasos pode causar doenças graves que afetam o sistema nervoso central, pulmões, coração, rins, fígado e baço; a mortalidade não tratada é de cerca de 20%.


Os sintomas (forte dor de cabeça, calafrios, prostração, dores musculares) começam abruptamente, seguidos de febre e geralmente erupção cutânea.


Sintomas neurológicos (cefaleia, inquietação, insônia, delírio, coma) podem se desenvolver, indicando encefalite.


Suspeite de febre maculosa em qualquer paciente gravemente enfermo que viva em ou perto de uma área arborizada em qualquer lugar do Hemisfério Ocidental e apresente febre inexplicável, dor de cabeça e prostração, com ou sem história de contato com carrapatos.


Teste durante a doença aguda com PCR ou imuno-histologia de uma amostra de biópsia de pele, mas como a sensibilidade é de apenas cerca de 70%, um resultado negativo não deve afetar a decisão de iniciar os antibióticos.


Trate com doxiciclina e forneça cuidados de suporte conforme necessário para hipovolemia e/ou envolvimento de órgãos.



A vacinação contra Herpes Zoster reduz o risco de demência?


Comentário publicado na Nature em 06/06/2023, em que pesquisadores americanos e britânicos afirmam que a análise de quase 300.000 pessoas encontra uma associação entre a vacina contra o Herpes Zoster e uma taxa mais baixa de demência. Mas ainda há dúvidas.


A vacinação contra o Herpes Zoster também pode prevenir a demência, como a causada pela doença de Alzheimer, de acordo com um estudo de registros de saúde de cerca de 300.000 pessoas no País de Gales. A análise descobriu que receber a vacina reduz o risco de demência em 20%. Mas alguns aspectos intrigantes da análise provocaram debates sobre a robustez do trabalho. O estudo foi publicado no servidor de pré-impressão medRxiv em 25 de maio, e ainda não foi revisado por pares.


“Se for verdade, é enorme”, diz Dr. Alberto Ascherio, epidemiologista da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, que não participou do estudo. “Mesmo uma redução modesta no risco é um impacto tremendo.”


Ligação demência-infecção


A ideia de que a infecção viral pode desempenhar um papel, em pelo menos alguns casos de demência, remonta à década de 1990, quando a biofísica Dra. Ruth Itzhaki, da Universidade de Manchester, no Reino Unido, encontrou herpesvírus no cérebro de pessoas falecidas com demência. A teoria tem sido controversa entre os pesquisadores de Alzheimer. Mas trabalhos recentes sugeriram, que pessoas infectadas com vírus que afetam o cérebro, apresentam taxas mais altas de doenças neurodegenerativas. A pesquisa também sugeriu, que aqueles vacinados contra certas doenças virais, são menos propensos a desenvolver demência.


Mas todos esses estudos epidemiológicos compartilham um problema fundamental: as pessoas que recebem qualquer tipo de vacinação, tendem a ter estilos de vida mais saudáveis do que aquelas que não o fazem, o que significa, que outros fatores podem explicar o risco reduzido de doenças como o mal de Alzheimer.


Com isso em mente, o epidemiologista Dr. Pascal Geldsetzer, da Universidade de Stanford, na Califórnia, e seus colegas, recorreram a um experimento natural: um programa de vacinação contra herpes-zóster no País de Gales, que começou em 1º de setembro de 2013. O Herpes Zoster é causado pelo ressurgimento do vírus varicela zoster inativo (VZV), o herpesvírus que causa a varicela, e que está presente na maioria das pessoas. O Herpes Zoster é mais comum em adultos mais velhos e pode causar dor intensa e erupções cutâneas.


Experimento natural


Dados sugerem que a vacina é mais eficaz em pessoas com menos de 80 anos. Como resultado, apenas pessoas com menos de 80 anos eram elegíveis para receber a vacina no País de Gales, quando o programa começou, ou seja, os nascidos a partir de 2 de setembro de 1933. Os nascidos antes de 2 de setembro de 1933 eram inelegíveis para toda a vida.


Os pesquisadores analisaram os registros eletrônicos de saúde de 296.603 pessoas, nascidas entre 1925 e 1942, e descobriram que cerca de metade daqueles elegíveis, foram vacinados sete anos após a vacina, conhecida como Zostavax, se tornar disponível. A equipe também descobriu, que aqueles no grupo elegível, tinham 8,5% menos probabilidade de desenvolver demência, do que aqueles que não eram elegíveis. Considerando que apenas cerca de metade das pessoas elegíveis foram vacinadas, os pesquisadores calcularam que a vacina reduziu o risco de demência em 19,9% no geral.


A data-limite do aniversário, tornou possível comparar pessoas nascidas com semanas de diferença. Dr. Geldsetzer diz que não há razão plausível, para que as pessoas que completam 80 anos em agosto, sejam mais propensas à demência do que aquelas que fazem aniversário em setembro: a única diferença é que as pessoas com aniversários tardios, podem receber a vacina contra herpes zoster. Qualquer outro fator que pudesse afetar a incidência de demência, como campanhas públicas de triagem, teria afetado igualmente os dois grupos.


“Acho que é um papel muito forte”, diz Dr. Ascherio. Embora seja possível que as diferentes taxas de demência tenham ocorrido por acaso, ele diz que os autores realizaram testes apropriados, para eliminar qualquer outra explicação.


Dra. Itzhaki está entusiasmada com o fato de que este estudo, entre outros, apoia a teoria de que os vírus são um gatilho para o Alzheimer. “É totalmente consistente com o que temos dito desde 1991 e muito gratificante”, diz ela, acrescentando que o novo estudo é único, ao eliminar outros fatores que poderiam explicar o menor risco de demência no grupo vacinado.


Descoberta intrigante


Outros ainda pedem cautela. “Este é um estudo bem-feito, mas de forma alguma conclusivo”, diz a Dra. Maria Glymour, epidemiologista da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que estuda o mal de Alzheimer. Ela aponta que a maior parte da diferença nas taxas de demência, foi registrada nos primeiros quatro anos após a vacinação, mas a doença de Alzheimer se desenvolve ao longo de décadas. Dr. Geldsetzer diz que é possível que a vacina apenas atrase o início da demência, acrescentando que gostaria de refazer sua análise no futuro, para ver se o efeito persiste além de sete anos.


Os autores também descobriram que o efeito foi principalmente em mulheres: não houve diferença estatisticamente significativa, nas taxas de demência entre homens elegíveis e não elegíveis. Dr. Geldsetzer não tem certeza do motivo, mas observa que mulheres e homens parecem ter taxas diferentes de Herpes Zoster e demência.


Mas os críticos aproveitaram essa discrepância, para questionar se os resultados provam uma relação causal entre a vacina e a demência. A Dra. Cornelia van Duijn, epidemiologista da Universidade de Oxford, no Reino Unido, diz que, embora o experimento seja “bonito”, o fato de os homens não terem sido afetados, coloca o estudo em questão. “Não estou convencida de que o acaso ou o viés devam ser excluídos”, diz ela.


Mistério do mecanismo


E ainda não está claro por que, ou como, a vacina pode prevenir a demência, ou se uma vacina mais recente chamada Shingrix, que substituiu a Zostavax, teria o mesmo efeito. Outros apontaram que a Zostavax era uma vacina bastante ineficaz: um ensaio clínico descobriu que reduzia o risco de Herpes Zoster em cerca de 50%. É possível, diz Dr. Geldsetzer, que a vacina possa desencadear uma resposta imune, que ajude a reduzir o risco de demência.


Antes que os resultados influenciem a política, acrescenta Dra. Glymour, eles devem ser replicados por meio do estudo de um grupo diferente. Ela e outros concordam, que a melhor maneira de confirmar os resultados, seria por meio de um ensaio clínico, em vez de um estudo de registros de saúde. Vários ensaios testando novas vacinas contra herpes estão em andamento, e DR. Geldsetzer diz que pode ser possível estudar a função cognitiva dos participantes.


“Seria bom para todos nós, porque é um passo realmente importante”, diz Dr. Ascherio. "Espero que seja verdade."


Qual pode ser a próxima pandemia?


Comentário publicado na British Medical Journal em 05/06/2023, em que pesquisadores britânicos afirmam que a Covid-19 lembrou ao mundo o quão repentinamente uma pandemia pode ocorrer, e analisam as ameaças que agora ocupam as mentes dos especialistas.


Já se passaram mais de três anos desde que o SARS-CoV-2 se espalhou pelo mundo, e a Covid-19 ainda está conosco. Os danos causados pela pandemia aumentaram a conscientização sobre a ameaça sempre presente de uma nova epidemia, e, de fato, a possibilidade de ela se transformar em uma nova pandemia.


Quando um surto de doença leva a um aumento inesperado no número de casos de doenças em uma área geográfica específica, isso é chamado de epidemia. Uma pandemia é, em linhas gerais, quando uma doença se espalha por vários países ou continentes, geralmente afetando um grande número de pessoas.


Existem 26 famílias de vírus conhecidas por infectar humanos; dos cinco eventos pandêmicos desde 1900, todos foram associados à gripe ou a um coronavírus.


A Organização Mundial da Saúde tem uma lista de patógenos com potencial pandêmico, que devem ser priorizados para programas de pesquisa e desenvolvimento. Essa lista é atualizada uma vez por ano, por um grupo de mais de 300 cientistas, que avaliam a transmissibilidade de um patógeno e as opções de tratamento disponíveis.


Coronavírus


Cinco anos atrás, os coronavírus apareceriam nas listas de ameaças pandêmicas de poucos especialistas. Nos 35 anos desde que a família do vírus foi descoberta, ela foi geralmente considerada um patógeno de baixo nível, que causava apenas sintomas leves. Ou seja, até a síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2002. Vimos então o surgimento da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) em 2015, mas ainda não havia previsão de uma situação pandêmica como a de 2020, principalmente porque SARS e MERS foram eventualmente controladas, embora as razões exatas pela qual a SARS tenha desaparecido, ainda sejam desconhecidas. SARS, MERS e Covid-19, ainda aparecem na lista de patógenos a serem observados pela OMS.


Os coronavírus são comuns em morcegos, que representam 20% de todas as espécies de mamíferos, e podem facilmente se espalhar para outros mamíferos, como gatos, civetas, veados, cães e, como os dinamarqueses sabem, as martas. A mudança climática e a invasão de humanos em habitats de animais significam, que esses coronavírus estão se aproximando das populações humanas. E a pandemia significou que o SARS-CoV-2 agora está em toda parte, e os humanos estão semeando uma nova transmissão de volta para outras espécies.


Embora os coronavírus geralmente sofram mutações em uma taxa baixa, eles se concentram, como todos sabemos agora, em mudanças na proteína spike, que podem criar novas ameaças variantes. Pacientes imunocomprometidos e aqueles com imunidade baixa ou inexistente, ou em ambientes com poucos recursos, correm um maior risco.


Zika


O vírus Zika causou pânico em 2015 e 2016, quando um surto no Brasil levou a uma epidemia na América do Sul e além. O vírus, transmitido por mosquitos, era conhecido há muito tempo, mas acreditava-se que causava poucos sintomas, além de erupções cutâneas e febre, até aquele surto, quando estudos encontraram associações entre a infecção e microcefalia, e outros distúrbios neurológicos em bebês. Em 2016, a OMS declarou uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional. Embora a epidemia tenha sido contida, em grande parte, por meio de quarentena e controle de mosquitos, um total de 86 países e territórios relataram evidências de infecção por zika transmitida por mosquitos. Nenhuma vacina está disponível ainda, e nossa compreensão da forma como a microcefalia se desenvolve, ainda está em um estágio relativamente inicial . O zika permanece na lista de patógenos prioritários da OMS.





Febres Hemorrágicas


As febres hemorrágicas são particularmente temidas, por causa de seus sintomas, como sangramento dos olhos e ouvidos. O Ebola continua a ser o mais notório, com surtos tão recentes quanto 2022 na África. A epidemia de 2014 na África Ocidental, que se espalhou por vários países e regiões, ameaçando se tornar uma pandemia, ainda está na consciência pública. Isso levou, no entanto, ao desenvolvimento das primeiras vacinas contra o ebola, que agora são usadas regularmente em surtos. Essas vacinas são eficazes apenas contra um dos dois tipos de Ebola, com uma vacina contra A OUTRA CEPA, ainda a ser comprovada em ensaios clínicos de larga escala.


As febres hemorrágicas virais, transmitidas por contato próximo, também englobam doenças mais comuns: um grupo conhecido como paramyxoviridae, que inclui sarampo e caxumba. Um deles merece sua própria menção na lista de patógenos da OMS: o vírus Nipah. Pequenos surtos ocorreram quase anualmente em Bangladesh e na Índia, o mais recente em Bangladesh, em janeiro e fevereiro de 2023, causou oito mortes. Embora a infecção possa ser leve, alguns pacientes desenvolvem encefalite. O Nipah tem uma taxa de mortalidade de 40-70%, e se desenvolvesse a capacidade de se espalhar tão rápido quanto o sarampo, que gera 12-18 infecções a mais por caso, seria catastrófico. Não há tratamentos licenciados disponíveis.


Cinco febres hemorrágicas aparecem na lista da OMS. Além do Ebola e do Nipah, estão o vírus Marburg (semelhante ao Ebola), a febre de Lassa (em algumas áreas da Libéria e Serra Leoa, cerca de 10-16% das pessoas internadas anualmente em hospitais são devido a Lassa), a febre do Vale do Rift e a febre hemorrágica da Crimeia, e Congo. Estes observam surtos ocasionais na África e na Ásia, em locais onde a chance de transmissão entre animais, como morcegos e ratos, para humanos é um risco.


Gripe


A gripe ainda não está na lista da OMS, aparentemente porque, já tem “iniciativas de controle estabelecidas”. Muitos especialistas, no entanto, ainda citam a gripe como uma grande preocupação. Tem um curto tempo de incubação de cerca de 1,4 dias, permitindo uma rápida propagação, e já é uma das principais causas de morte em humanos: no Reino Unido, a gripe sazonal mata cerca de 10.000 vidas anualmente e, não esqueçamos, a humanidade já experimentou várias grandes pandemias de gripe nos últimos 100 anos (1918, 1957, 1968 e 2009). Além disso, a vacina anual contra a gripe geralmente é apenas 40-60% eficaz contra as novas cepas do ano, e ainda há debate sobre a eficácia dos antivirais existentes para a gripe.


Existe também a possibilidade de um novo tipo de gripe se espalhar do reino animal, principalmente de aves e porcos. Houve uma epidemia de gripe suína em 2009, e todos os anos há uma ameaça de novas cepas de gripe aviária. A transmissão de pássaros para humanos não é comum, mas quando acontece é tratada com seriedade, principalmente se depois consegue transmitir de um humano para outro humano. Em fevereiro de 2023, o alarme foi disparado quando uma menina cambojana e seu pai morreram de uma das mais novas cepas de gripe aviária, embora, felizmente, análises genéticas subsequentes tenham mostrado, que eles estavam infectados com duas cepas diferentes, portanto não haviam sido transmitidos de humano para humano. Mas a situação permanece: em 27 de março, a China relatou um novo caso de influenza aviária A (H3N8), mas nenhum outro caso foi encontrado entre os contatos próximos da pessoa infectada. A OMS concluiu que, “Com base nas informações disponíveis, parece que este vírus não tem a capacidade de se espalhar facilmente de pessoa para pessoa e, portanto, o risco de se espalhar entre humanos nos níveis nacional, regional e internacional é considerado baixo.”


“Doença X”


O último item da lista de patógenos prioritários da OMS é, por definição, uma nova doença que os especialistas não esperavam, que nossos corpos nunca viram antes, e que surge rapidamente do nada e demonstra alta transmissibilidade e gravidade da doença.


John Mascola, diretor do centro de pesquisa de vacinas do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, disse ao Financial Times, que a Covid-19 nos ensinou “que não devemos subestimar a capacidade de um vírus emergir, mudar e se adaptar” de dentro de uma única família de vírus. Jonathan Quick, professor adjunto de saúde global no Duke Global Health Institute dos EUA, diz que os vírus de RNA devem ser tratados como “o círculo interno das ameaças pandêmicas” porque “não têm 'autocorreções' muito boas em sua genética” e são, portanto, mais propensos a sofrer mutações do que os vírus baseados em DNA. Os vírus que codificam seu genoma em RNA incluem coronavírus, influenza e HIV.


Além dos vírus, existe também a possibilidade de outros micróbios, como fungos ou bactérias, causarem um grande surto de doenças. É claro que uma ameaça lenta já está em andamento na forma de resistência antimicrobiana.


Nicole Lurie, diretora executiva de preparação e resposta da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), disse que o mundo entrou em uma “nova era de doenças infecciosas” por causa das mudanças climáticas, destruição de habitats animais, invasão humana em áreas anteriormente isoladas, e aumentando as interações entre pessoas e animais, o que está alimentando eventos de transbordamento e acelerando o surgimento da doença X. O presidente-executivo do CEPI, Richard Hatchett, também alertou sobre ameaças epidêmicas regionais, como malária, dengue e chikungunya, que “não são necessariamente doenças com potencial pandêmico global, mas que podem ser altamente perturbadoras e impor custos extremos às sociedades afetadas”.


“Sabemos que algumas doenças têm maior potencial pandêmico, mas não há espaço para complacência, não há garantia de que a próxima pandemia será causada por um vírus respiratório”, diz Josie Golding, chefe de epidemias e epidemiologia da Wellcome. “A preparação deve ser incorporada às estruturas de resposta nacionais e com base em experiências e conhecimentos de países de baixa e média renda, que geralmente carregam a maior parte da carga de doenças infecciosas”.


Porque poderemos precisar de uma nova defesa contra novas variantes da COVID-19


Comentário publicado na Univadis Italyem 01/06/2023, em que pesquisadores italianos afirmam que será necessário passar para a fase clínica, para descobrir se será possível criar produtos adaptados para prevenir e tratar todas as variantes do SARS-CoV-2, e talvez também o próximo coronavírus, grande o suficiente para se espalhar para uma nova epidemia global, e que ameace a raça humana.


No final de 2022, a Força-Tarefa de Emergência da Agência Europeia de Medicamentos alertou órgãos reguladores, governos e médicos europeus, de que é improvável que os anticorpos monoclonais autorizados para a COVID-19, sejam eficazes contra cepas emergentes de SARS-CoV-2. Os medicamentos antivirais continuam disponíveis, mas têm muitas limitações. E, claro, ainda existem as vacinas, que podem reduzir significativamente (mas não eliminar) o risco de casos graves e diminuir o número de mortes, embora tenham perdido a eficácia que outrora tinham no combate ao vírus original.


A pesquisa, portanto, precisa continuar. Os imunologistas continuam a procurar novos alvos, para sintetizar anticorpos monoclonais amplamente neutralizantes, para tratar ou prevenir a infecção. Esses resultados também podem levar a novas vacinas, que induzam imunidade mais duradoura, não apenas contra as milhares de subvariantes e versões recombinantes do SARS-CoV-2 identificadas em todo o mundo, mas também possivelmente, contra outros coronavírus, que podem surgir nos próximos anos. Um estudo conduzido em Stanford e publicado na revista Science Translational Medicine, deu um vislumbre de esperança, ao descobrir a eficácia amplamente neutralizante de alguns anticorpos produzidos por macacos, em resposta à vacinação com vacinas de subunidade monovalente com adjuvante AS03 (esqualeno).


A velocidade com que o vírus segue evoluindo, inviabilizou por enquanto, o plano de atualização anual das vacinas, inicialmente previsto no início da pandemia. Em 2020, os cientistas estavam pensando em atualizar as vacinas anualmente, com base nas variantes prevalentes da doença, semelhante à abordagem da gripe. Talvez esse dia chegue, mas, enquanto isso, os laboratórios seguem outros caminhos: encontrar epítopos de pico que se preservam mais do que outros cada vez que o vírus evolui, ou se concentrar em outras proteínas virais, que ainda conseguem induzir uma resposta de anticorpos neutralizantes.


Eventualmente, a inteligência artificial pode ser capaz de projetar anticorpos monoclonais personalizados, que possam ser ainda mais eficazes do que os naturais. Ou os pesquisadores podem mudar completamente de tática e desviar sua atenção para o hospedeiro, e não para o próprio vírus.


Essa é a abordagem de um estudo publicado na Nature Microbiology, que parte de uma suposição simples: o SARS-CoV-2 continua a modificar sua proteína spike, devido à pressão evolutiva dos anticorpos produzidos por milhões de pessoas infectadas, mas todas essas variantes e subvariantes, presentes e futuras, entram nas células por ligação, não apenas, mas principalmente, ao receptor ACE2. Em vez de neutralizar o vírus, por que não tentar bloquear seu acesso às células que ocupam a sua rota? Dessa forma, também poderíamos estar prontos para futuros sarbecovírus emergentes, que terão uma sequência de pico que ainda não pode ser prevista.


Pesquisadores da Universidade Rockefeller em Nova York, geraram seis anticorpos monoclonais humanos que se ligam ao receptor ACE2, em vez da proteína do pico, evitando a infecção por todos os sarbecovírus testados, mesmo em baixas concentrações, incluindo o vírus originário de Wuhan, China; a agressiva variante Delta; e várias formas de Omicron.


Os anticorpos monoclonais ligam-se ao receptor ACE2, em uma parte da proteína distal à porção ativa da enzima que converte a angiotensina, e não modifica sua expressão na superfície celular. Portanto, nenhum efeito adverso é esperado neste nível. Em modelos animais, esses anticorpos monoclonais conseguem interromper a infecção. Será necessário passar para a fase clínica, para descobrir se será possível criar produtos adaptados para prevenir e tratar todas as variantes do SARS-CoV-2, e talvez também o próximo coronavírus, grande o suficiente para se espalhar para uma nova epidemia global, que ameace a raça humana.


Por que o mundo precisa de mais transparência sobre as origens de novos patógenos


Comentário publicado na Nature em 30/05/2023, em que pesquisadores de diversos países afirmam que a colaboração internacional e a abertura dos dados de pesquisas, são essenciais para minimizar os riscos de futuras pandemias.


Em 5 de maio, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que a COVID-19 não é mais uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Isso sinalizou o fim da fase aguda de uma pandemia, que já causou quase 7 milhões de mortes confirmadas em todo o mundo. Porém, mais de três anos após a COVID-19 ter sido declarada uma pandemia, de onde veio o coronavírus SARS-CoV-2 e como ele infectou os humanos pela primeira vez, ainda não está claro.


Compreender as origens de novos patógenos, que podem resultar em grandes surtos, epidemias ou pandemias é essencial, para se preparar para a próxima doença emergente. Em reconhecimento a isso, a OMS estabeleceu o Grupo Consultivo Científico para as Origens de Novos Patógenos (SAGO) em 2021. Os 27 membros do nosso grupo, de 27 países, incluem especialistas em epidemiologia, virologia, doenças infecciosas humanas e animais, ecologia, genômica e biossegurança.


Desde que o SAGO foi estabelecido, avaliamos quais novos dados estão disponíveis para ajudar na investigação da origem do SARS-CoV-2, nos reunimos com cientistas de todo o mundo e fizemos recomendações sobre os tipos de dados e estudos que ainda precisam ser coletados ou continuados. Outra tarefa importante foi desenvolver a Estrutura Global da OMS, para definir e orientar estudos sobre as origens de quaisquer patógenos emergentes ou reemergentes de potencial epidêmico e pandêmico. Este documento está atualmente em revisão, e deve ser publicado ainda este ano. É a primeira tentativa de reunir um amplo conjunto de experiências de investigações sobre as origens de vários patógenos de alto risco, incluindo SARS-CoV-2, mpox (uma doença infecciosa causada pelo vírus monkeypox), novos vírus influenza, Marburg e Ebola.


A eficácia de nossos esforços contínuos para orientar as investigações sobre as origens de patógenos de alto risco, no entanto, depende de uma ciência robusta, seguindo os princípios-chave da investigação de surtos, bem como da colaboração, transparência e confiança entre todas as partes interessadas. Para minimizar o risco de novos surtos perturbadores e sua alta mortalidade, além dos encargos associados à saúde e à economia, vários grupos devem se unir, incluindo cientistas, autoridades de saúde pública, governos e agências globais de saúde.


Unidade de dados


Em março de 2021, juntamente com pesquisadores chineses, uma equipe internacional de especialistas convocada pela OMS, produziu um relatório conjunto inicial avaliando quatro possíveis maneiras pelas quais o SARS-CoV-2 pode ter surgido. Desde novembro de 2021, nosso grupo consultivo se reuniu inúmeras vezes, e avaliou quais estudos e dados relevantes para a origem do SARS-CoV-2 foram disponibilizados desde o relatório de 2021, e para determinar quais outros estudos são necessários.


Avaliamos investigações de casos humanos de doenças respiratórias na China, nos meses que antecederam a primeira transmissão reconhecida de SARS-CoV-2 em dezembro de 2019. Exploramos estudos de animais suscetíveis ao SARS-CoV-2 ou estreitamente relacionados vírus, e casos de zoonose reversa, em que o vírus saltou de humanos para animais. Examinamos estudos ambientais, envolvendo amostras e swabs retirados do Huanan Seafood Market em Wuhan, China, que foi o epicentro inicial da pandemia de COVID-19, e amostras de águas residuais coletadas posteriormente em todo o mundo. Por fim, revisamos as investigações da genômica e evolução do vírus, bem como considerações de biossegurança.


Nossa revisão contínua das evidências disponíveis deixou claro, que mais trabalho é necessário. Em junho de 2022, publicamos nosso relatório preliminar, que definiu quais estudos ainda precisam ser realizados para entender como começou a pandemia de COVID-19. Nele, instamos a China e outras nações a investigar uma série de amostras coletadas, nos meses que antecederam os primeiros casos conhecidos em dezembro de 2019. Isso inclui amostras coletadas em pesquisas ou ambientes clínicos, e como parte dos esforços de vigilância ambiental, como amostras de águas residuais.


Incentivamos os governos a analisar dados de amostras de vigilância para influenza e infecções respiratórias agudas graves, bem como dados de sorologia (de bancos de sangue, por exemplo) coletados durante os meses anteriores a dezembro de 2019. A presença de anticorpos específicos no sangue neste momento, pode indicar uma infecção anterior por SARS-CoV-2, o que, por sua vez, sinalizaria que houve circulação despercebida desse novo patógeno. Também instamos a China a investigar amostras de animais coletadas desde 2003 (quando o SARS-CoV, o coronavírus que causa a síndrome respiratória aguda grave, foi detectado pela primeira vez) de espécies, que podem ser infectadas com coronavírus do tipo SARS, incluindo morcegos do sudeste Ásia.


Solicitamos que pesquisadores de todo o mundo, disponibilizassem quaisquer dados de sequenciamento de vírus do tipo SARS-CoV-2, em bancos de dados genômicos globais. Recomendamos enfaticamente que os pesquisadores na China, investiguem as fontes a montante dos animais e produtos de origem animal que estavam presentes no Huanan Seafood Market, antes de seu fechamento em 1º de janeiro de 2020. Também solicitamos acesso a dados ou documentação sobre possíveis violações na biocontenção, ou sobre riscos ocupacionais entre trabalhadores de laboratório ou investigadores de campo da China, e de outros países que trabalham com vírus do tipo SARS. Ainda não recebemos novos dados.


Além do trabalho sobre as origens do SARS-CoV-2, a SAGO tem trabalhado com a OMS, para desenvolver uma estrutura global para definir e orientar estudos sobre as origens de patógenos emergentes e reemergentes de potencial epidêmico e pandêmico. Esta estrutura estabelece seis áreas de trabalho, que devem ser perseguidas caso algum patógeno com potencial epidêmico ou pandêmico surja ou ressurja, em uma região onde não foi encontrado antes.


Estas áreas de trabalho são:


1. Investigações iniciais para estabelecer quais atividades e fatores poderiam ter resultado nas infecções iniciais, e para identificar como a doença apareceu pela primeira vez em humanos. Essas investigações iniciais devem ser seguidas, não necessariamente em qualquer ordem específica, pelo seguinte.


2. Investigações que buscam entender a epidemiologia, incluindo como a doença se apresenta clinicamente em humanos, e como as infecções se espalham.


3. Estudos que investigam potenciais exposições na interface animal-humano. Isso estabeleceria quais espécies animais são suscetíveis, e determinaria se, onde e como o vírus poderia ter saltado entre essas espécies e os humanos, ou de humanos para animais.


4. Estudos que identificam influências ambientais e ecológicas, para determinar se o patógeno está sendo transmitido por vetores, como mosquitos ou carrapatos, ou por alimentos ou água.


5. Avaliações genômicas e filogenéticas, para estabelecer os ancestrais mais próximos do patógeno e acompanhar sua evolução.


6. Investigações que determinam, se falhas na biossegurança levaram a uma liberação acidental ou intencional de um patógeno na população humana.


Essa estrutura já foi aplicada ao ressurgimento do mpox, bem como à investigação das origens do SARS-CoV-2.


Mistura de animais


Em março deste ano, tomamos conhecimento de novos dados de sequenciamento divulgados pelo Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, bem como de uma análise independente de dados de metagenômica por cientistas internacionais. A análise avaliou amostras de águas residuais, bem como swabs e amostras de animais que foram coletadas no Mercado de Frutos do Mar de Huanan, em dezembro de 2019.


Os dados sugerem que uma variedade de espécies animais, além das listadas no relatório de março de 2021, estiveram presentes no mercado. Embora os dados não identifiquem uma espécie animal responsável pelo primeiro caso humano de COVID-19, eles apontam várias espécies animais como potenciais hospedeiros intermediários.


Em nossa declaração em março, a SAGO solicitou que todos os dados de sequenciamento e quaisquer pré-impressões, que estejam em revisão, sejam compartilhados o mais rápido possível para permitir a análise pela comunidade científica. Também solicitamos que pesquisadores nos Estados Unidos e em outros lugares, que usam esses dados, colaborem com pesquisadores chineses.


Continuaremos a monitorar as evidências emergentes sobre as origens do SARS-CoV-2, e fornecer orientações à OMS, sobre quaisquer novos dados. Dando continuidade ao nosso relatório de junho de 2022, publicaremos uma avaliação mais abrangente dos dados atuais sobre as origens do SARS-CoV-2 nos próximos meses. Seguiremos as recomendações que delineamos em junho, e continuaremos a aplicar a estrutura global à investigação de novos patógenos.


Apesar de todo o trabalho que estamos fazendo, no entanto, é essencial que as investigações sobre as origens de novos patógenos de alto risco, sejam fundamentadas na ciência e na colaboração internacional. Essas investigações não devem ser vistas como responsabilidade de um país, e a geopolítica não deve interferir ou bloqueá-las.


Durante a pandemia do COVID-19, as tentativas de obter dados rapidamente, levaram ao rápido lançamento de pré-impressões, algumas das quais foram retiradas. Isso fez com que os principais interessados e o público desconfiassem do sistema. Em nossa opinião, editores, revisores e publicadores devem explorar maneiras de facilitar a revisão mais rápida, para permitir o compartilhamento rápido de dados, sem erosão da qualidade científica.


Plataformas como a GISAID (Global Initiative on Sharing All Influenza Data), permitiram que importantes dados de sequenciamento fossem compartilhados por cientistas, com o objetivo de proteger também a propriedade intelectual dos pesquisadores. No entanto, os usuários desses dados, precisam trabalhar mais de perto com os proprietários dos dados, para manter a confiança e garantir que o compartilhamento continue no futuro. Mais importante ainda, pedimos aos cientistas e governos, que disponibilizem todos os dados, pesquisas e relatórios, que possam ajudar na identificação das origens de novos patógenos para todos os surtos, epidemias e emergências globais de saúde.


É somente por esses meios que as investigações podem se basear no rigor científico, não em especulações que levam à desconfiança.


Estados Unidos vacinarão aves contra a gripe aviária pela primeira vez


Comentário publicado na Nature em 26/05/2023, em que pesquisadores de diversos países afirmam que o país planeja vacinar condores ameaçados de extinção em um esforço para conter os surtos sem precedentes de H5N1. O que pensam os pesquisadores.


As autoridades americanas, autorizaram a vacinação do condor da Califórnia (Gymnogyps californianus), criticamente ameaçado, contra um tipo de gripe aviária que se espalha globalmente. É a primeira vez que os Estados Unidos aprovam a inoculação de qualquer ave contra a gripe aviária altamente patogênica (GAAP).


A autorização vem quando uma cepa H5N1 da gripe aviária, um tipo de GAAP, se espalhou para um número sem precedentes de países, durou mais do que um surto típico, e matou centenas de milhões de aves, assim como muitos mamíferos, em todo o mundo. Alguns países já vacinam aves, incluindo bandos comerciais, contra a gripe aviária. A gravidade do surto está levando algumas nações que hesitam, incluindo os Estados Unidos, a seguir o exemplo.


A decisão de vacinar o condor da Califórnia, uma espécie monitorada de perto, não significa que as autoridades estejam planejando vacinar o estoque de aves do país. Ainda assim, os pesquisadores estarão observando o andamento da campanha de inoculação, com o objetivo de administrar as vacinas de maneira mais ampla.


“Esta autorização abre a oportunidade de adicionar outra ferramenta para lidarmos com essa ameaça”, diz Ashleigh Blackford, coordenadora de condores da Califórnia no US Fish and Wildlife Service (FWS), com sede em Washington DC.


Crises persistentes


A cepa de GAAP, que está atualmente espalhando as primeiras aves infectadas, começou na China em 1996, e desde então, tem causado surtos esporádicos que geralmente surgem no outono e desaparecem na primavera seguinte. Mas desde o final de 2021, os surtos persistiram durante o verão, em um número recorde de espécies de aves, juntamente com mamíferos como guaxinins, raposas e focas.


O H5N1 já matou pássaros antes, mas “nunca tanto quanto estamos vendo na América do Norte e na Europa agora”, diz Samantha Gibbs, veterinária de vida selvagem do FWS, especializada em gripe aviária.


Desde outubro de 2021, mais de 70 países, nos cinco continentes, relataram surtos. E em 22 de maio, o Brasil, que é o maior exportador mundial de aves, tornou-se o oitavo país sul-americano a declarar estado de emergência, em resposta à primeira detecção de GAAP em aves silvestres.


O H5N1 pode infectar pessoas, mas os casos são raros, e geralmente envolvem contato próximo com aves infectadas. Nenhum caso documentado de transmissão entre humanos dessa cepa do vírus ocorreu até agora, mas os pesquisadores temem que, com mais oportunidades de infectar mamíferos, o vírus possa eventualmente desenvolver a capacidade de se espalhar entre as pessoas.


Conservação dos condores


Várias vacinas contra o H5N1 estão disponíveis, mas a administração da vacina às aves ainda é muito controversa entre pesquisadores e fazendeiros. Os produtores de aves se preocupam com o custo e a dificuldade de vacinar milhões de aves, bem como com as restrições comerciais: muitos países proíbem a importação de aves vacinadas, devido a preocupações de que possam dificultar o rastreamento da propagação do vírus.


Até nesse surto, as autoridades dos EUA afirmavam que protocolos estritos de biossegurança, como procedimentos de desinfecção aprimorados para trabalhadores agrícolas ou gerentes de vida selvagem, e abate de aves infectadas, eram suficientes para mitigar os piores efeitos da GAAP. A alta taxa de mortalidade da cepa atual do H5N1 no condor da Califórnia, que é a maior ave da América do Norte, forçou as autoridades de saúde a reavaliar essa sua abordagem.


A espécie esteve da extinção em 1987: apenas 27 condores selvagens permaneciam naquela época, então as autoridades americanas os capturaram, os criaram em cativeiro e os devolveram à natureza. Hoje, as aves continuam sendo uma das espécies aviárias mais raras do mundo: no ano passado, havia 537 condores, e 63% deles viviam na natureza.


Até agora neste ano, as autoridades encontraram 21 condores mortos, 15 dos quais deram positivo para GAAP. (Os corpos de quatro aves não puderam ser recuperados, então seu status de GAAP é desconhecido.) Demorou mais de 20 anos para reconstruir a população ao seu nível atual, diz Blackford. “Esta não é a direção que queremos seguir.”


Inocular essas aves é um uso “perfeito” da vacina, diz Karen Grogan, veterinária clínica de aves da Universidade da Geórgia, em Atenas. Mas não está claro se será eficaz nos condores, porque foi licenciado para uso em galinhas. “Mesmo entre galinhas e perus”, que fazem parte da mesma família de aves, “a vacinação pode ser eficaz em um, mas não no outro”, diz ela.


Na semana passada, cientistas aplicaram a vacina em 20 abutres-pretos (Coragyps atratus), que fazem parte da mesma família dos condores, mas que não estão ameaçados de extinção, para testar a segurança e a eficácia da vacina. Eles também vacinarão condores da Califórnia em cativeiro, antes de vacinar a população selvagem durante uma verificação anual de saúde de rotina, diz Blackford. As vacinas usam uma forma inativa de uma cepa H5N1 anterior.


Parar a propagação


Esta campanha de vacinação limitada nos Estados Unidos, é apenas uma parte de um movimento mais amplo entre os pesquisadores, para estudar a segurança e a eficácia da vacinação contra a gripe aviária em aves.


O objetivo do programa condor é conservar uma espécie em extinção, diz Jean-Luc Guérin, patologista aviário da Escola Nacional de Veterinária de Toulouse, na França. Em outras regiões, há objetivos de conter completamente a propagação do vírus.


Por exemplo, o governo francês encomendou 80 milhões de vacinas GAAP, como parte de uma campanha de vacinação em massa para os estoques de aves do país, começando com patos. Esta campanha, a primeira do género na União Europeia, tem início previsto para setembro. A China, por sua vez, vem vacinando seu estoque de aves há quase 20 anos, e teve algum sucesso na redução de infecções em aves e pessoas.


Embora o Departamento de Agricultura dos EUA, esteja testando quatro vacinas candidatas contra o H5N1 para uso em aves domésticas, não sinalizou que planeja implantar uma campanha de vacinação mais ampla para aves criadas comercialmente.


Gibbs diz que, embora as vacinas possam ser uma ferramenta importante para controlar os surtos, os fundamentos do trabalho de conservação serão ainda mais importantes, para proteger a saúde da vida selvagem e, em última instância, das pessoas. Os esforços para preservar e restaurar os habitats das aves garantirão que os animais “possam combater não apenas a gripe aviária, mas tudo o que vier a seguir”, diz Gibbs. “Se os prepararmos para o sucesso por meio de esforços de conservação, não precisaremos jogar esse jogo de recuperação com produtos farmacêuticos”.


7 coisas que precisamos saber sobre morcegos e o risco de novas pandemias


Comentário publicado na Medscape Pulmonary Medicine em 18/05/2023, em que pesquisadores americanos afirmam que por milênios, vírus de morcegos espreitaram em florestas da África Ocidental, Índia, América do Sul e outras partes do mundo. Mas, imperturbáveis, eles representavam pouca ameaça à humanidade.


Hoje, à medida que mais e mais pessoas invadem o habitat dos morcegos, os patógenos transmitidos por eles, representam um campo epidemiológico minado em 113 países, onde é alto o risco de um vírus saltar de espécies e infectar humanos.


Os morcegos estão ligados a muitos dos surtos de doenças mais mortais que ocorreram durante o último meio século, incluindo a atual pandemia da COVID-19, que matou pelo menos 7 milhões de pessoas, e tem suas raízes em uma família de coronavírus transmitidos por morcegos. Embora os cientistas ainda estejam tentando descobrir como esse vírus infectou humanos, dezenas de outros surtos podem ser atribuídos a incursões humanas em áreas repletas de morcegos.


Para examinar onde a próxima pandemia pode surgir, uma pesquisa usou duas décadas de surtos de doenças e dados ambientais, para identificar os lugares do planeta mais vulneráveis ao "transbordamento zoonótico", o termo para quando um vírus salta entre as espécies. Os vírus saltam de morcegos para humanos, por meio de um hospedeiro intermediário, como um porco, chimpanzé ou civeta, ou mais diretamente através do contato humano com urina, fezes, sangue ou saliva de morcego.


Os pesquisadores falaram com dezenas de cientistas, leram extensas pesquisas acadêmicas e viajaram para países ricos em morcegos em todo o mundo, para aprender como a destruição humana de áreas selvagens está ampliando o risco de pandemia. Nessa análise de dados, a primeira desse tipo, revelou um sistema econômico global colidindo com a natureza, e colocando a saúde das pessoas em risco, à medida que florestas ricas em morcegos são derrubadas para dar lugar a fazendas, minas, estradas e outros empreendimentos.


Aqui estão as principais conclusões do estudo:


1- A pesquisa encontrou mais de 9 milhões de quilômetros quadrados na Terra, onde as condições em 2020, estavam propícias para um vírus transmitido por morcego se espalhar, possivelmente provocando outra pandemia. Essas áreas, que chamamos de "zonas de salto", abrangem o globo, cobrindo 6% da massa terrestre da Terra. São principalmente locais tropicais ricos em morcegos e em rápida urbanização.


2- Quase 1,8 bilhão de pessoas, mais de um em cada cinco de nós, viviam em áreas com alto risco de propagação em 2020. Isso é 57% mais pessoas vivendo em zonas de salto do que duas décadas antes, aumentando as chances de que um vírus mortal de morcego, pudesse se espalhar sobre humanos. Além disso, essas pessoas estão vivendo mais próximas, intensificando as chances de que um surto de doença se transforme em uma pandemia global de rápida expansão.


3- A análise da pesquisa encontrou alto risco de contágio em locais como China, onde a COVID-19 surgiu; o vizinho Laos, onde os cientistas identificaram os parentes mais próximos na vida selvagem do vírus responsável pela atual pandemia; a Índia, onde meio bilhão de pessoas vivem em zonas de salto em rápida expansão, mais do que qualquer outra nação; e o Brasil, que tem mais terras em risco do que qualquer outro país, enquanto os humanos devastam a Amazônia.


4- O catalisador dos surtos, não é o comportamento dos morcegos, dizem os cientistas, mas o próprio comportamento humano. A sede por recursos, minério de ferro, ouro, cacau e borracha, para citar alguns, está impulsionando o desenvolvimento descontrolado de áreas selvagens, e aumentando o risco de pandemias globais, devido ao maior contato com animais, dizem os cientistas. As zonas de salto do mundo perderam 21% de sua cobertura de árvores em quase duas décadas, o dobro da taxa mundial.


5- A pressão sobre florestas outrora remotas, dá aos vírus a chance de se espalhar e sofrer mutações à medida que saltam entre as espécies animais e, eventualmente, nos humanos. O mortal vírus Nipah nas últimas décadas, se espalhou de morcegos frugívoros asiáticos para porcos, e de porcos para pessoas. O Nipah, mais recentemente, provou ser capaz de infectar humanos diretamente, através do contato com fluidos corporais de morcegos.


6- A humanidade está destruindo habitats cruciais antes que os cientistas tenham tempo de estudá-los. O desenvolvimento não apenas coloca as pessoas em contato mais próximo com patógenos, que podem ter potencial pandêmico; também elimina os segredos que a natureza pode conter e que podem ser valiosos para a ciência. Por exemplo, a capacidade dos morcegos de conviver com múltiplos vírus, sem sucumbir a muitos que podem ser mortais para outros mamíferos, pode render conhecimentos importantes para a criação de vacinas, medicamentos ou outras inovações.


7- Governos e corporações estão fazendo pouco para avaliar o risco. Na Guiné, Serra Leoa, Libéria, Costa do Marfim e Gana, ricas em morcegos, onde a pesquisa constatou que o risco de pandemia está entre os mais altos do mundo, os pedidos pendentes dobrariam o território usado para exploração e extração de mineração, para um total de 400.000 quilômetros quadrados, uma área maior que a Alemanha. Quase um terço dessa expansão seria em zonas de salto existentes, onde o risco de transbordamento já é alto. Embora esses países exijam que as mineradoras avaliem os possíveis danos ambientais que as novas concessões possam causar, nenhum deles exige que as empresas avaliem o risco de transbordamento.


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